Quarenta dias
depois ter deixado o país futebolístico de “boca aberta”, ao acusar os irmãos
Sidat (Rafik e Shafee) de ditarem os campeões nacionais, Artur Semedo diz, que
aquilo foi um elogio, pelo nível de influência que estas figuras têm no nosso futebol.
Semedo revelou ainda que não continua na União Desportiva do Songo (UDS),
primeiro, por não ter aceitado a exigência da actual direcção de pedir,
publicamente, desculpas aos visados e, segundo, por não partilharem os mesmos
valores: transparência e honestidade. Acompanhe, nos próximos parágrafos, os
excertos desta entrevista, onde Artur Semedo avalia os dois anos no Songo e
explica as razões da constante instabilidade daquele clube.
Que balanço faz
da época 2016, que culminou com a conquista inédita da Taça de Moçambique e do
segundo lugar, no Moçambola...
-Foi uma época
positiva e inédita, tendo em conta que, primeiro, foi a primeira vez que a UDS conseguiu feitos
tão importantes como estes e, segundo, por ter
sido o primeiro dos últimos classificados. Fomos os primeiros dos
últimos porque só a mal sevícia é campeã. Porém, foi uma época frustrante para
mim porque depositei expectativas enormes na minha equipa por ser humilde e
recheada de jogadores à procura de um lugar ao solo. Não era dos melhores
planteis, mas sabia da sua valia humana e desportiva, assim como confiava na
qualidade do meu trabalho,
que veio a se confirmar ao longo dos jogos. Mas, infelizmente, os campeões não se fazem
apenas com profissionalismo,ncompetência e dedicação.Outros valores e
interesses ocultos se levantam e acabamos perdendo o campeonato.
Pode nos dizer
que interesses ocultos são esses?
-Trata-se de uma
matéria extremamente dissecada ao longo dos tempos e isto acaba por ser nefasto até para
a minha pessoa. Ter convicções, defender a causa da transparência, da
honestidade, do trabalho e do profissionalismo contrasta com aquilo que está sublimado
no nosso campeonato. Assim, acabo sendo a pessoa que é preciso excluir, abater
e até pôr em causa a continuidade neste futebol. Mas, prefiro ser afastado, excluído,
banido por revelar competência e honestidade no que faço.
Congratulou, no
final do jogo com o Ferroviário da Beira, os irmãos Sidat (Rafik e Shafee) por “ditarem
os campeões”. Reitera este posicionamento?
-Tenho sido
perseguido ao longo dos anos, por isso, considero perca de tempo falar das
mesmas coisas sem que haja vontade de alterar o panorama instalado. Não
aconteceu apenas em 2016. Já perdi vários campeonatos pela frontalidade que
demonstro e pelo posicionamento que tenho neste futebol. Há vontade de muita
gente que eu abandone o futebol e estas pessoas vão propalando, todos os dias,
mentiras e inverdades. Portanto, combater estas coisas anos a fio, sem que se
resolvam as questões, não vale apena estar a falar destas coisas. Sempre disse que
há pessoas que sabotam o teu trabalho, mas foi a primeira vez que tocou em
nomes concretos e de pessoas conhecidas.
Que razões
concorreram para essa revelação?
-Nunca tive uma
relação próxima com o presidente da Liga (Liga Desportiva de Maputo/foto de Rafik sidat)). Estabelecemos
uma relação profissional muito boa, que até extravasou alguns limites
profissionais. Mas, não posso concordar que pessoas não aceitem o facto de ter
de trilhar os meus caminhos, seguindo a minha consciência. Eu é que devo
escolher os clubes, onde quero trabalhar.
Ninguém deve conduzir a minha vida e nem me votar ao ostracismo só porque convém
que esteja com ela.
Assim, quer nos
dizer que estes não o querem ver noutros clubes...
-É evidente. Até
fiz elogio às pessoas em causa. O que quis dizer, na verdade, é que têm grande
influência neste futebol.
Como se
manifesta a sua influência, tendo em conta que o Moçambola é gerido pela Liga
Moçambicana de Futebol (LMF) e os visados não fazem parte deste órgão?
-Já disse que
não me interessa nada estar aqui a falar de assuntos que acabam não tendo
resolução. Se eu tiver de tecer comentários sobre esta matéria, farei nos
fóruns próprios. Estas pessoas têm muita influência neste futebol; há um poder
instalado; este futebol não é transparente e passa por várias vicissitudes que
colocam em causa o seu normal desenvolvimento. Se alguém quer dotar este
futebol de mais verdade e transparência, que actue sobre estas questões. Não sou
polícia e nem investigador e não cabe a mim fazer este tipo de diligências.
Alguma vez já
denunciou estes factos a entidades competentes, como foi o caso de Arnaldo
Salvado?
-Nunca fiz e nem
vou fazer porque o desporto não tem importância que outras actividades. Este é
o parente pobre de todas as actividades que norteiam a sociedade. Aparentemente
tem um lugar de destaque, mas não tem a importância que merece. Por isso, não adianta
nada querer ser mártir por uma causa que não diz respeito a ninguém.
Os visados
prometeram recorrer às entidades competentes (tribunais) para o esclarecimento
deste caso. Será que já foi notificado para tal?
-Ainda. Se
alguém se sente ofendido, que abra um processo contra o prevaricador. Apenas
fui contactado pela Comissão de Inquérito. Aliás, o actual Presidente da UDS (
José Costa) exigiu-me pedido de desculpas públicas aos amigos (pessoas em
causa) e à população do Songo, pelo eventual desrespeito, como condição para a
minha continuidade. É evidente que não peço desculpas a ninguém. Quando falo
das coisas ou tomo as minhas decisões faço em consciência.
Assim, podemos
considerar este o único motivo para não continuar na UDS?
-Não, mas foi um
factor dissimulador. O actual presidente da UDS tem, no seu elenco, indivíduos com
os quais há diferenças insanáveis, que foram despoletadas desde a altura que
assumi a equipa, na direcção do senhor Saíde Tuhair. As querelas que foram criadas
naquele clube tinham um destinatário: o presidente Tuhair.E como consequência,
propalou-se outra mentira: a de que eu destitui a direcção. Acho que devia ter
muito poder para destituir uma direcção empossada e legitimada pela empresa
(HCB). A direcção da UDS (na altura HCB) foi posta em causa pelos senhores que
estão lá, novamente.
Se este foi um
factor dissimulador, então, qual foi a razão principal?
-Talvez os
valores que defendo não sejam partilhados pelas pessoas que estão lá neste
momento. Durante os dois anos percebi quem estava contra a equipa e as
direcções que passaram por lá nunca trabalharam em condições de estabilidade.
Por isso que, em dois anos, o clube teve três direcções.
No que
testemunhou, o que justifica esta instabilidade?
-São questões de
natureza cultural. As pessoas procuram instituições para atingir algum
protagonismo nacional. O clube parece um veículo de promoção para fora das
fronteiras da localidade, pelo que acaba sendo apetecível. Sempre que há uma
direcção em gestão, a mesma é desestabilizada e usa-se a equipa para atingir
esse objectivo. Mas, estranhamente, não aconteceu o
mesmo com a direcção do senhor Luís Canhemba. Teve uma prestação inédita que
contrasta com tudo o que foi feito anteriormente. Aliás, aferindo os
resultados, Luís Canhemba é o melhor presidente porque ele é quem ganhou, mas,
mesmo assim, foi substituído.
Portanto, há interesses que colocam em causa o desenvolvimento do clube e da própria
equipa de futebol.
Como se sente
pelo facto de não poder continuar com o seu projecto?
-Não estou
preocupado e nem magoado por não poder continuar na UDS. Ninguém fez favor em levar-me
para Songo. Fui porque quis e porque fui contratado por uma pessoa extremamente
honesta (Saíde Tuhair). As duas épocas que fizemos têm muito mérito dele porque
contratou-me, já que sabia da importância que teria no seu projecto.(Foto:Semedo,primeiro agachado na esquerda)
Mas, é
suficiente deter-se as questões externas para justificar a perca do título?
Será que algumas opções técnicas do mister não terão contribuído, como no caso
do jogo com o Costa do Sol, em que deixou de fora Luís Miquissone e Mano?
-Foi apenas um
jogo que eles não jogaram. Jogaram em outras partidas, mas o que aconteceu?
Luís e Mano jogaram contra o Estrela Vermelha e perdemos a partida. Em mil
partidas, o Estrela só nos podia ganhar aquela. Se alguém pensa que perdemos
por acaso, deve estar num mundo irreal e imaginário. Quem anda no futebol sabe
como nós perdemos o campeonato. Por outro lado, quem define as estratégias do
jogo é o treinador. Luís e Mano estavam no limite dos cartões amarelos e o jogo
com o Costa do Sol não era decisivo, mas determinante. O decisivo era o jogo
com o Ferroviário da Beira e é suposto que os melhores estejam nos grandes
jogos e ninguém vai me impor regras como fazem a outros treinadores nos outros clubes.
E no caso da
Taça de Moçambique, onde estavam os seus “inimigos”?
-Também nos
preparamos bem porque tínhamos percebido o que tinha acontecido no campeonato. Descortinamos
as nossas debilidades e vimos onde os inimigos nos podiam contrariar. Por isso,
nós também fizemos o nosso trabalho. Não deixamos tudo ao acaso e acabamos
sendo mais fortes. Mas, por outro lado, as pessoas podem ter tido receioda manifestação
da amplitude do seu trabalho. Era demasiado e até podia ser um escândalo
nacional. A qualidade da equipa se sobrepôs até ao último jogo da época e não
estava mal preparada como, em algum momento.
Mas, onde mudou
a “boa relação” que mantinha com o presidente da Liga?
-Ser um bom
presidente não significa ser uma boa pessoa. As pessoas podem ser
caracterizadas em várias dimensões (humana, social, profissional, etc.).
Estabeleci uma boa relação profissional porque é assim como me apresento aos
clubes e as pessoas que se relacionam comigo, profissionalmente. Mas, todos os
factores que gravitam à volta disto é outra história.
Pode nos dizer
onde o mister estará, em 2017?
-Não estou preocupado
com isso. Estaria preocupado se fosse incompetente ou se não tivesse qualidade.
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