sexta-feira, dezembro 02, 2016

"Não é um ideal imaginário"

Durante anos, os angolanos, tal como outros países da região e até do mundo, tiveram Mo- çambique como um exemplo, sobretudo, em termos de reconciliação e tolerância política. Que imagem se tem hoje de Moçambique em Angola, um Moçambique hoje em crise, em guerra e com assassinatos que se confundem com expedientes políticos?
João José da Cruz : Não posso falar da imagem que Angola e que os angolanos têm sobre Moçambique, mas na minha perspectiva, sempre olhei Moçambique com agrado e, nas quatro semanas que estou aqui, deu para perceber que Moçambique, nos padrões internacionais, não é um grande país, precisa de avan- çar muito, mas tem coisas muito melhores que nós. E foi bom ver o que está sendo feito aqui. Mas estando aqui e apercebendo-me por intermédio de conversa com várias pessoas, falam de clara regressão, inclusivamente, na sua cultura política e na relação com os doadores e com a comunidade internacional.
Em Setembro último, Rafael Marques, em entrevista ao SAVANA, aconselhava os moçambicanos a não caírem na solução angolana no que toca ao conflito político-militar que o país vive. Argumentava Marques que o modelo angolano de extravagância gera depois problemas muito sérios no futuro. Qual é a sua receita para os moçambicanos?
Eu não me dirijo, propriamente, aos políticos, aqueles que têm, na verdade, a faca, o queijo e o pão, aqueles que decidem sobre o futuro do povo moçambicano, mas eu dirijo-me àqueles que estão na posição de cidadãos e que procuram exercer a sua cidadania como eu e que muitas vezes também têm capacidade de influenciar a decisão daqueles que têm cargos de responsabilidade pública. O que eu posso avançar, efectivamente, é que as pessoas estejam suficientemente atentas para que não venham a perder o mínimo de liberdade que já foi conquistada e continuem a lutar para que se possa aprofundar esse leque de liberdades que é necessário para que Moçambique possa no futuro ter uma democracia, de facto e, por outro lado, enquanto, um pacifista se a solução Angolana foi uma solução bélica e eticamente incorrecta, como é óbvio, não posso propor o mesmo caminho. É necessário que Moçambique opte exactamente por um caminho que não seja o de Angola e, nesse sentido, subscrevo total e absolutamente o argumento de Rafael Marques e se falou sobre extravagância, seguramente, que ele estava a apelar a sermos mais comedidos e humildes e não partirmos para o despesismo desnecessário do ponto de vista financeiro e não falar de exibicionismo que é algo dominante no contexto de Angola: a arrogância, a opulência, o pensar que a moral não vale nada e que podem pisar tudo e todos por causa do dinheiro dos petró- leos e diamantes quando, na verdade, os países que se organizam e que são respeitados no mundo muitos nem sequer têm petróleos, nem diamantes, mas valem pelo grau de criatividade, pela capacidade inventiva dos seus povos nas mais variadas áreas e na sua possibilidade de viverem de forma livre e criativa. Equivale a dizer que a angolana foi para todos os efeitos uma solução falhada? Eu não posso falar de uma solução porque o quadro em que nos encontramos hoje revela claramente que não houve uma solução, o que houve foi um grupo que se impôs contra toda a sociedade por intermédio da força e manipulou o medo em toda a sociedade e o medo hoje é usado como uma categoria política e, portanto, não há propriamente uma solução, o que há ali é um recalcamento de toda uma nação que a qualquer altura pode, inevitavelmente, desencadear uma convulsão de grandes proporções. Só há soluções quando se consegue construir sociedades mais ou menos harmoniosas e não foi esse o caso da sociedade angolana. Insiste na tese de ser comedidos e humildes.
Ora, acha essa uma recomendação fácil de acatar para partidos libertadores como Frelimo e MPLA que, de tanto estarem no poder, a todo o custo, até se outorgam donos dos destinos dos seus países?

Resultado de imagem para Domingos João José da CruzComo eu disse, não me dirijo a esses que gerem cargos de responsabilidade pública, mas eu dirijo-me aos cidadãos, aqueles que estão na posição igual a minha, para não cederem à tentação de atrelarem a essa lógica que adoptaram aqueles que têm cargos de responsabilidade pública porque é ali onde, efectivamente, existe esperança da transformação das nossas sociedades. E quando olho para a sociedade civil africana, são pessoas com um espírito de sacrifício e voluntariado, muitas vezes à custa do deboche, mesmo sendo desprezadas elas continuam a lutar de forma voluntária porque acreditam que estão a fazer o melhor para a sociedade. É para essas pessoas que eu me dirijo porque sei que ali pode haver eco das minhas palavras. Eu não acredito naquela ideia cristã da conversão, não acredito que essas pessoas dentro dessas máquinas hão-de mudar, elas não mudarão e vamos começar a olhar aqui na base onde há pessoas boas que devem ser incentivadas e expandir essa nova cultura política, essa nova forma de exercício da cidadania, se pode dizer que hoje parte da sociedade civil africana, sobretudo jovens, já não está mais disposta a aturar tanta corrupção, tanta desonestidade, tanto descaso e desmando no tratamento do bem público e no tratamento da dignidade humana, é para esses que eu me dirijo. Não é um ideal imaginário, é efectivamente, o que acontece na Noruega, na Austrália, nas Ilhas Maurícias, na Escócia, na Nova Zelândia. Disse, ainda este ano, que a Imprensa pública angolana não é digna desse nome. A nossa pergunta é esta: e uma imprensa pú- blica como a moçambicana, manifestamente, favorável ao partido no poder e desfavorável aos críticos, uma imprensa pública sem espaço para o contraditório, uma imprensa pública cujos profissionais até lêem, publicamente, comunicados do partido no poder em reuniões partidárias, entre outros atropelos de regras básicas do jornalismo, que nome leva? Acho que vocês têm uma resposta clara sobre o nome que se pode efectivamente dar a uma imprensa com esse comportamento.

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