A intolerância política e a exclusão económica e social são algumas das
causas da actual crise político-militar em Moçambique, defende João Pereira, docente
de Ciência Política e investigador associado do Instituto de Estudos Sociais e
Económicos de Moçambique (IESE). Na conclusão do texto que escreve na obra
“Desafios para Moçambique – 2016”, livro recentemente lançado em Maputo pelo
IESE e que conta com a colaboração de 16 investigadores, João Pereira aponta
ainda a luta pelo controlo e manutenção do poder, o baixo nível de confiança
entre as elites da Frelimo, partido no poder, e da Renamo, principal partido da
oposição e a partidarização das instituições políticas como outro dos factores
por detrás da violência política e militar que assola Moçambique. “As
dificuldades orçamentais das instituições políticas, particularmente do
Ministério da Defesa”, considera o académico, incluem-se igualmente entre a
génese do clima de confrontação política e militar prevalecente. Referindo-se
mais concretamente ao diálogo em curso entre o Governo e a Renamo, João Pereira
entende que a problemática sobre as Forças de Defesa e Segurança, um dos pomos
de discórdia entre as partes, não deve ser monopólio dos dois lados, devendo
ser alargada à sociedade civil. “A discussão sobre a defesa e segurança deve
começar a ser tema de reflexão comum e não matéria exclusiva de alguns. Talvez
se inicie uma pesquisa e uma apreciação aberta dos assuntos de defesa e segurança
menos mitológicas”, considera Pereira.
O académico entende que o Protocolo IV
do Acordo Geral de Paz de 1992 não contemplou uma referência relevante e
directa ao papel que os partidos políticos e a sociedade civil deveriam ter na organização
das Forças Armadas durante a governação. É igualmente significativo, continua João
Pereira na sua análise, notar que os programas e discursos eleitorais dos
partidos políticos ausentes das negociações de paz fazem pouca ou nenhuma referência
às Forças Armadas. Citando uma carta enviada pelos bispos católicos ao
Presidente da República, Filipe Nyusi, no final do ano passado, João Pereira observa
que a relação entre o Governo e a Renamo tem sido marcada por confrontação e desentendimento. Para o investigador, os níveis
de confiança entre o Governo e a Renamo começaram a ficar beliscados ao nível
das Forças Armadas a partir de 22 de Dezembro de 2004, quando começou a
implementação do Decreto 48/2003, de 24 de Dezembro, que introduziu as
primeiras reformas na Estrutura Orgânica das FADM. “As dinâmicas políticas
marcadas pelas disputas eleitorais e pelos debates na Assembleia da República em
nada contribuíram para reduzir os níveis de desconfiança e não deixaram de ser
influenciadas tanto por sentimentos de exclusão sócio-política - pelos
políticos - como de exclusão militar - pelos oficiais das FADM provenientes da
Renamo”, frisa Pereira. O académico refere que os níveis de desconfiança entre
as duas partes não têm permitido discernir de forma construtiva os interesses de
cada uma das partes. Enquanto a Renamo fala de reorganização das Forças de
Defesa e Segurança, o Governo fala de desmilitarização e desarmamento da
Renamo. A Renamo pretende que todos os oficiais provenientes das FADM
provenientes do partido sejam devidamente enquadrados, com ordens de serviço efectivas,
e pretende também a partilha dos cargos de chefia, direcção e comando das FADM,
assinala João Pereira. Por seu turno, prossegue, o Governo pretende as listas
das forças residuais da Renamo para proceder à sua integração nas FADM e na PRM
e o remanescente para a reinserção social e económica e entende ainda que a
questão de enquadramento não carece de compromisso político. Apropriação do
Estado Na análise de João Pereira, os problemas colocados no âmbito das
discussões das questões militares estão intimamente ligados aos problemas
relacionados com o funcionamento do Estado africano, em geral, e da
administração pública, em particular, já destacados no relatório do Mecanismo
Africano de Revisão de Pares (MARP). “A questão da apropriação do funcionamento
do aparelho do Estado por parte de quem detém o poder era algo endémico e que
provinha da própria história da gestão da coisa pública desde o período da
independência e não um problema do partido, mas sim geral”, diz João Pereira,
citando o documento em alusão. A título de exemplo, prossegue Pereira, o
exercício do poder local está muito mais ligado à força política no poder e, em
Moçambique, há experiências, não só da Frelimo, mas também de outros partidos políticos que exercem poder local, em
que se verifica a apropriação dos instrumentos do Estado para beneficiar as
suas próprias forças políticas. “Existe a percepção de que uma coisa são as
leis produzidas pelo Governo/Assembleia da República e outra é a prática. Os
moçambicanos têm uma história, cultura e mentalidade que foram sendo cimentadas
ao longo de 40 anos e que não se podem resolver a partir de medidas
administrativas/ jurídicas e esta podia ser a razão para se voltar a
partidarizar a instituição militar para depois a despartidarizar e, isso sim, é
passível de compromisso político”, lê-se na análise de João Pereira.( João
Pereira, investigador, politólogo)
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