quinta-feira, dezembro 08, 2016

O país tem desafios

A intolerância política e a exclusão económica e social são algumas das causas da actual crise político-militar em Moçambique, defende João Pereira, docente de Ciência Política e investigador associado do Instituto de Estudos Sociais e Económicos de Moçambique (IESE). Na conclusão do texto que escreve na obra “Desafios para Moçambique – 2016”, livro recentemente lançado em Maputo pelo IESE e que conta com a colaboração de 16 investigadores, João Pereira aponta ainda a luta pelo controlo e manutenção do poder, o baixo nível de confiança entre as elites da Frelimo, partido no poder, e da Renamo, principal partido da oposição e a partidarização das instituições políticas como outro dos factores por detrás da violência política e militar que assola Moçambique. “As dificuldades orçamentais das instituições políticas, particularmente do Ministério da Defesa”, considera o académico, incluem-se igualmente entre a génese do clima de confrontação política e militar prevalecente. Referindo-se mais concretamente ao diálogo em curso entre o Governo e a Renamo, João Pereira entende que a problemática sobre as Forças de Defesa e Segurança, um dos pomos de discórdia entre as partes, não deve ser monopólio dos dois lados, devendo ser alargada à sociedade civil. “A discussão sobre a defesa e segurança deve começar a ser tema de reflexão comum e não matéria exclusiva de alguns. Talvez se inicie uma pesquisa e uma apreciação aberta dos assuntos de defesa e segurança menos mitológicas”, considera Pereira. 
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O académico entende que o Protocolo IV do Acordo Geral de Paz de 1992 não contemplou uma referência relevante e directa ao papel que os partidos políticos e a sociedade civil deveriam ter na organização das Forças Armadas durante a governação. É igualmente significativo, continua João Pereira na sua análise, notar que os programas e discursos eleitorais dos partidos políticos ausentes das negociações de paz fazem pouca ou nenhuma referência às Forças Armadas. Citando uma carta enviada pelos bispos católicos ao Presidente da República, Filipe Nyusi, no final do ano passado, João Pereira observa que a relação entre o Governo e a Renamo tem sido marcada por confrontação e desentendimento. Para o investigador, os níveis de confiança entre o Governo e a Renamo começaram a ficar beliscados ao nível das Forças Armadas a partir de 22 de Dezembro de 2004, quando começou a implementação do Decreto 48/2003, de 24 de Dezembro, que introduziu as primeiras reformas na Estrutura Orgânica das FADM. “As dinâmicas políticas marcadas pelas disputas eleitorais e pelos debates na Assembleia da República em nada contribuíram para reduzir os níveis de desconfiança e não deixaram de ser influenciadas tanto por sentimentos de exclusão sócio-política - pelos políticos - como de exclusão militar - pelos oficiais das FADM provenientes da Renamo”, frisa Pereira. O académico refere que os níveis de desconfiança entre as duas partes não têm permitido discernir de forma construtiva os interesses de cada uma das partes. Enquanto a Renamo fala de reorganização das Forças de Defesa e Segurança, o Governo fala de desmilitarização e desarmamento da Renamo. A Renamo pretende que todos os oficiais provenientes das FADM provenientes do partido sejam devidamente enquadrados, com ordens de serviço efectivas, e pretende também a partilha dos cargos de chefia, direcção e comando das FADM, assinala João Pereira. Por seu turno, prossegue, o Governo pretende as listas das forças residuais da Renamo para proceder à sua integração nas FADM e na PRM e o remanescente para a reinserção social e económica e entende ainda que a questão de enquadramento não carece de compromisso político. Apropriação do Estado Na análise de João Pereira, os problemas colocados no âmbito das discussões das questões militares estão intimamente ligados aos problemas relacionados com o funcionamento do Estado africano, em geral, e da administração pública, em particular, já destacados no relatório do Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP). “A questão da apropriação do funcionamento do aparelho do Estado por parte de quem detém o poder era algo endémico e que provinha da própria história da gestão da coisa pública desde o período da independência e não um problema do partido, mas sim geral”, diz João Pereira, citando o documento em alusão. A título de exemplo, prossegue Pereira, o exercício do poder local está muito mais ligado à força política no poder e, em Moçambique, há experiências, não só da Frelimo, mas também de outros partidos políticos que exercem poder local, em que se verifica a apropriação dos instrumentos do Estado para beneficiar as suas próprias forças políticas. “Existe a percepção de que uma coisa são as leis produzidas pelo Governo/Assembleia da República e outra é a prática. Os moçambicanos têm uma história, cultura e mentalidade que foram sendo cimentadas ao longo de 40 anos e que não se podem resolver a partir de medidas administrativas/ jurídicas e esta podia ser a razão para se voltar a partidarizar a instituição militar para depois a despartidarizar e, isso sim, é passível de compromisso político”, lê-se na análise de João Pereira.( João Pereira, investigador, politólogo)

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