A velha questão dos mediadores na
mesa de diálogo entre o Governo e a Renamo volta à ribalta e ameaça fazer
descambar um processo que estava quase para ver a luz do dia. Apesar de não ver
problemas na nova ideia do Governo na Comissão Mista de se criar um grupo de
trabalho para flexibilizar e harmonizar os consensos alcançados sobre o pacote
de descentralização a ser submetido à Assembleia da República, Afonso Dhlakama
não concorda com o afastamento dos mediadores e vê nisto “mais uma manobra da
Frelimo” para atrasar o processo e provocar a irritação da Renamo, obrigando-a
a atirar a toalha ao chão. Num briefing de quase meia hora ao SAVANA a partir
das matas da Gorongosa, Dhlakama garantiu que a Renamo não vai recuar e irá
insistir pela via do diálogo.
Semana passada, Jacinto Veloso,
na qualidade de porta-voz da Comissão Mista, anunciou a criação de um novo
grupo de trabalho que se ocupará no assunto sobre a descentralização, num
esforço, segundo o General, para “acelerar” e encontrar “maior dinâmica” no
processo da elaboração das propostas a serem submetidas à Assembleia da
República. Mas o que Jacinto Veloso não clarificou é que o novo grupo de
trabalho apenas iria ser composto por elementos indicados pelo Presidente da
República, Filipe Nyusi, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, excluindo-se os
mediadores. O posicionamento de Veloso indica claramente que os sectores
conservadores no topo da Frelimo pretendem “esfriar” o diálogo político, depois
de terem mostrado “alguma abertura” no “dossier das dívidas ocultas”, onde a
própria deslocação do antigo presidente Armando Guebuza à Assembleia da
República (AR) foi “exibida” como “uma concessão”. Observadores do conflito
fazem notar que, nas últimas semanas, para além das confrontações entre
beligerantes dos dois lados, as forças da Renamo voltaram a atacar autocarros e
pelo menos uma composição ferroviária na linha de Sena. Nesta quarta-feira, o
assunto foi retomado na AR pelo Primeiro- -Ministro, Agostinho do Rosário, que
reiterou que o Governo é a favor de uma maior celeridade nas negociações em
torno do pacote legislativo sobre o processo de descentralização na Comissão
Mista. “O Governo considera de extrema importância a iniciativa da Comissão
Mista em criar um grupo de trabalho, constituído por cidadãos nacionais peritos
em matéria de descentralização, a serem indicados pelo ( ...) presidente da
República e pelo líder da Renamo”. Carlos Agostinho do Rosário enfatizou
igualmente que a missão do grupo é de preparar o documento contendo a filosofia
e os procedimentos gerais que servirão de base para a elaboração do pacote
legislativo sobre a descentralização a ser submetido à AR “em tempo útil.
No princípio da noite de 14, Afonso Dhlakama
reagiu ao novo modelo “proposto pela Frelimo”, manifestando o seu desagrado
pela exclusão dos mediadores, estratégia que, segundo ele, visa atrasar as
negociações e arrastar o processo. Nas últimas semanas, Mário Raffaelli, o
mediador que representa a União Europeia e um dos arquitectos do Acordo de Roma
em 1992, tem sido claramente hostilizado pelo lado governamental, incluindo os
media que lhe são afectos. Na última deslocação à Gorongosa, os dois mediadores
presentes estavam ligados à fundação do antigo PM britânico, Tony Blair, depois
de uma iniciativa idêntica liderada por Raffaelli ter sido deliberadamente
abortada pela parte governamental. Dhlakama entende que a nova iniciativa “é
uma proposta da Frelimo. Mas de princípio este grupo não causaria problemas à
Comissão Mista. A comissão é grande e não é fácil numa mesa com muita gente
flexibilizar a proposta. A ideia (da Frelimo) não é má. A ideia é
descentralizar os trabalhos e seriam criados dois grupos. Um grupo para tratar
da questão da descentralização e o segundo para tratar dos outros pontos
(Forças Armadas, Polícia e SISE). O novo grupo de descentralização não era para
recomeçar com o trabalho, porque estas questões já estavam muito avançadas na
sub-comissão em que estava o ( Jeremias) Pondeca. As posições estavam próximas,
faltavam detalhes. O novo grupo iria apenas consensualizar os princípios gerais
sobre o pacote de descentralização a ser enviada à Assembleia da República.
Seriam duas pessoas indicadas pela Frelimo, duas pela Renamo e outras duas pela
mediação. As pessoas já estão lá na Comissão Mista. Não são pessoas estranhas.
Só que a forma como a Frelimo colocou o assunto deu a entender que já não eram
precisos os mediadores. Que não era preciso que os estrangeiros mexessem no
assunto.
Nós dissemos que não. Isso é o mesmo que apagar o trabalho dos
mediadores. Se agora estávamos perto de fechar esse trabalho da
descentralização e faltavam poucos dias para submeter à Assembleia da
República, foi graças à contribuição dos mediadores. Como é que hoje queremos
nos fazer de “chicos espertos”, nós os moçambicanos, e dizer que nós sozinhos
somos capazes, quando nós convidamo-los para nos virem ajudar, porque nós não
conseguíamos avançar”. “As coisas começaram a marcar passo, à volta desta
questão. Este grupo da Renamo, Frelimo e mediadores era apenas para harmonizar
todo aquele trabalho já feito e meter na Assembleia da República. Agora, com
esta a proposta da Frelimo de querer afastar os mediadores,
é quando parámos até hoje (quarta-feira) que estamos a discutir. Esse é o
problema da Frelimo. Não sei donde veio e porquê”. Tal como adiantou o SAVANA
nas últimas semanas, Dhlakama é da opinião que se estava muito próximo de um
acordo. “Estava tudo feito. Um trabalho que levou quatro meses e só faltavam
apenas alguns detalhes para ir ao Parlamento. Tudo está na acta. Há duas
semanas, havia sido acordado na Comissão Mista sobre os passos que deviam ser
dados este Dezembro. Um dos passos acordados é que havia de se fazer uma
espécie de cessação de hostilidades provisória, que era de facto uma bênção
para o povo moçambicano para a passagem da quadra festiva. Cessação de
hostilidades em todo o país. Eu e a minha delegação concordámos. Tudo estava
acordado entre as partes. Dois dias depois da cessação de hostilidades entraria
o documento sobre a descentralização na Assembleia da República. Mas a Frelimo
sabotou, com este modelo que inclui os mediadores do novo grupo de trabalho.
Agora já não sabemos, quando é que vai acontecer a cessação das hostilidades e
a entrada do documento na Assembleia da República. Dhlakama confirmou ao SAVANA que falou com o presidente Nyusi
sobre estas questões. “Há duas semanas que não falamos. Mas das vezes que
falámos, abordámos a necessidade de flexibilizar o assunto de submeter as
propostas ao Parlamento. A questão de se afastar os mediadores surgiu há poucos
dias e ainda não falamos sobre isso. O SAVANA desafiou Dhlakama a declarar um
cessar- -fogo unilateral como demostração de boa-fé . A resposta foi rápida:
“Olha. Estas coisas de guerra são complicadas e declarar cessar-fogo sozinho
também é complicado.”
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