A 11 de Novembro próximo, Angola vai completar 41
anos da independência. Acha que Angola de hoje é o país porque os nacionalistas
angolanos se bateram contra o colonialismo português? Os nacionalistas tinham
uma visão para o país cuja implementação dependia e depende sempre das gera
ções seguintes. Milhares de Angolanos deram a sua vida pela causa da independência
nacional e só poucos assumiram-se como os libertadores da Nação. Mas o povo, ou
seja, muitos se engajaram na luta pela libertação e hoje são esquecidos. A
questão fundamental é lembrar que temos tudo para construir um país diferente,
isto é, a realização do sonho angolano. Neste momento, temos um país que é
gerido à medida do presidente e das suas necessidades pessoais e da sua
família. Cabe aos angolanos conscientes lutarem pelo sonho colectivo de um país
onde todos caibamos, onde acima de tudo haja respeito pela dignidade humana e
serviço público dedicado ao cidadão e não aos dirigentes. Depende da capacidade
daqueles que querem o bem imporem-se sobre aqueles que continuam a praticar o
mal. Quando vivemos numa sociedade onde os membros do governo são venais,
extremamente corruptos e pouco dados ao respeito pelos cidadãos, então, é uma
questão daqueles que querem o contrário, que querem promover a moral pública, o
respeito pelo cidadão, a elevação do cidadão através de uma educa- ção de
qualidade, da provisão de serviços que permitam a este cidadão ter emprego, ter
acesso a uma saúde de qualidade, lutarem pela integridade, moral pública,
afirmarem e exigirem a prática do bem na sociedade porque hoje em África temos
vergonha de assumir o bem. Somos conduzidos pelo mal, por corruptos,
incompetentes, indivíduos ineptos e temos medo deles, mas temos escárnio pelas
pessoas que procuram promover um certo sentido de dignidade entre os cidadãos e
de probidade. Aqui em Moçambique, anos atrás, aqueles que se batiam contra a
corrupção, pelas boas práticas, eram considerados e chamados de leprosos.
Então, ser um cidadão íntegro, cívico, chega a ser leproso. Aquele que rouba,
tem um carro bonito, tem um fato bonito e tem acesso a uma vida de luxo, este é
o modelo que os cidadãos querem seguir. É isto que está errado nas nossas
sociedades e é isso que devemos combater com todas as nossas energias. Não
precisamos roubar nem castigar ninguém para sermos ricos, termos um bom fato,
para ter o que os homens gostam em África – muitas mulheres – para viajarmos,
para comprarmos casa em Portugal ou na África do Sul. Não precisamos pisotear o
pobre, não precisamos espoliar o pobre, antes pelo contrário, devemos garantir
que o pobre tenha um bom emprego para que seja um consumidor e gerador de
riqueza.
O presidente José Eduardo dos Santos, que sempre
criticou, foi, de acordo com a história oficial angolana, um dos nacionalistas
que um dia lutou pelos princípios de independência. Sente alguma perda, pelo
presidente angolano, desses valores de independência e liberdade do homem? É
preciso esclarecer que a luta pela independência teve grandes nacionalistas e
lutadores e José Eduardo dos Santos não foi um deles. Ele juntou-se à luta como
se juntaram muitos outros, mas não teve nenhum papel relevante na luta pela
independência de Angola. Muitos o fizeram, como Mário Pinto de Andrade, Holden
Roberto, Viriato da Cruz e muitas outras figuras que hoje não são reconhecidas
em Angola, precisamente, porque foi preciso abafar os melhores filhos para
elevar a mediocridade que hoje governa Angola.
Então, 24 anos depois da introdução do sistema
democrático em Angola, que democracia é que há no país? Nós temos o que hoje
muitos teóricos chamam de democracia eleitoral, que é um regime que se auto-legitima
por via das urnas, mas sem necessariamente ser democrático. Basicamente nós
temos um regime autoritário.
Apesar de terem sido libertos, há três meses,
nesta entrevista é inevitável falarmos da detenção dos 15+2 jovens acusados de
tentativa de golpe de Estado.
Aquilo demonstrou já o nível de infantilismo
político do regime do presidente José Eduardo dos Santos, quando prende miúdos
para acusá-los de tentativa de golpe de Estado tudo para justificar a sua
manutenção no poder. Isso significa que ele já chegou a um ponto que já não
sabe mais o que fazer para justificar as suas acções. A única coisa que fizeram
foi dizer que o presidente está há mais tempo no poder, já expirou o seu prazo
e deve ir embora. O país não é do José Eduardo dos Santos. Qualquer cidadão tem
o direito de dizer está na hora de o senhor ir embora e por isso é que até há
votos para os cidadãos dizerem “não queremos mais o senhor, queremos outro”.
Mas em Angola a Constituição foi alterada para impedir o cidadão escolher,
directamente, o presidente. O presidente não é eleito, nem pelo parlamento, nem
pelo povo, é o primeiro nome da lista partidária que ganha elei- ções que se
torna presidente e ele eliminou essa escolha porque sabe que o povo
directamente não o votaria. Ele não gosta do povo e sabe também que o povo não
gosta dele, só os corruptos é que o gostam, e os candidatos ou aspirantes a
corruptos e aqueles que, por ignorância, seguem cegamente o MPLA, mas qualquer
cidadão consciente não pode estar de acordo com José Eduardo dos Santos.
Pareceu um exagero quando dizia, no seminário
sobre Corrupção e Justiça Criminal, que o regime angolano valoriza mais bois
que pessoas.
Ainda bem que me fazem lembrar isso. Eu gostaria que vocês
ouvissem para depois me dizerem que estou a exagerar ou não. Aqui está o vídeo:
[… no Cunene…tivemos o infeliz infortúnio de falecerem algumas pessoas; o
governo da República de Angola, através do seu programa “Água para Todos”, conseguiu
fornecer água para os criadores de gado, estamos a falar de uma população
essencialmente pastorícia, para salvar, primeiro, o gado que é o principal
elemento de trabalho dessas populações e depois salvar grande parte da
população…]. Desculpem, exagerei? Está aqui António Luvualu de Carvalho
(embaixador itinerante de Angola em Portugal).
Bem, ainda no seminário dizia que o regime
angolano encarna a corrupção que, na verdade, é o único acto de transparência
em Angola. Como é que isso se manifesta? O presidente nomeia a sua filha para
presidente do Conselho de Administração de uma empresa pública. Em Moçambique
vocês aceitariam que Filipe Nyusi nomeasse o seu filho Florindo para gerir a
maior empresa pública do vosso país. Achariam isso normal? E digo mais: a
corrupção é um acto de transparência porque a Lei é clara em relação a isso, é
nepotismo, é corrupção. Os dirigentes violam todos os dias as Leis. O
governador do Cuenne, esta mesma província que está em seca, é detentor de 80
por cento das acções de um banco e é presidente da Assembleia-geral desse
banco. Vocês aqui em Moçambique aceitariam?
E onde é que está o poder judicial angolano para
travar a corrupção? É tão corrupto quanto é parte do sistema da corrupção. Esse
é que é o problema, não podemos esperar uma justiça que também alinha nos
esquemas todos de corrupção.
Rafael Marques, quando pára, lê os cenários,
repara o futuro, vê alguma saída rumo ao sonho angolano? Claro que vejo, por
isso é que estou na linha da frente. O futuro não cairá do céu. O futuro é
aquilo que nós fazemos hoje e se reflecte no amanhã.
É uma luta com muitos espinhos… Todas as lutas
para que eu me torne num mau cidadão ou num cidadão desengajado fazem-me lutar
mais porque temos de reconquistar o Estado e devolvê-lo ao seu soberano que é o
povo. E temos de ajudar de forma pedagógica, a educar o povo. E é um privilégio
para mim estar na primeira linha da frente nessa luta pela afirmação da
dignidade do cidadão angolano. Não é um sacrifício, é um privilégio e faço por
vontade própria e de acordo com a minha própria consciência. Ninguém me pediu,
ninguém me obriga e se ganho ou não ganho com isso, é uma questão que não me
preocupa porque sinto-me bem a agir como bom cidadão. Não tenho vergonha de
fazer o bem, de lutar contra a corrupção. Vergonha devem ter os bandidos, os
corruptos, eu não. Eu tenho honra e não me devo sentir intimidado. Não me devo
sentir discriminado por ser uma pessoa honrada.
Muitas vezes quando caem críticas sobre altos
dirigentes, há quem diz que não, vamos discutir a floresta e não as árvores”. É
possível dissociar o presidente Angolano dos problemas que o país enfrenta?
Vamos agora ver a floresta: desde a instauração do sistema multipartidário em
Moçambique já houve três presidentes. Angola continua a ter o mesmo presidente.
Eu era criança quando José Eduardo dos Santos chegou ao poder, já tenho filhos
e daqui há bocado terei netos e ele continua lá. Então, aqui o problema é do
indivíduo que representa todo esse sistema. Está tudo amarado ao poder do
presidente e, obviamente, ele tem os seus representantes, através dos quais
exerce o poder, mas com a sua saída esses indivíduos terão de sujeitar-se a
novas regras políticas porque a sociedade e eles próprios, internamente, já não
tolerarão que Angola tenha outro presidente por 37 ou 40 anos. Qual é a
justificação para se dizer que os angolanos que são 24 milhões, de facto, não
têm cabeça, só um indivíduo tem cabeça para ser presidente. Precisamos de novas
ideias e a forma como o presidente gere o Governo, enquanto chefe do Executivo,
é destrutiva para a maioria dos angolanos, é benéfica para si e para o
interesse estrangeiro e não para os angolanos.
Alguma vez esteve com o presidente dos Santos?
Estive com ele uma vez.
A tratar assuntos do país? Se sim, o que ficou
assente? Foi há mais de 20 anos e foi por ocasião das primeiras eleições em
Angola em 1992. O presidente não é um indivíduo dialogante que promova encontro
com críticos. Antes pelo contrário procura sempre corrompê-los ou silenciá-los,
exclui-los ou eliminá-los.
Pessoalmente já sofreu tentativas de corrupção?
Sabemos que de ameaças, sim. Já passei por tudo que se pode imaginar. E
mantenho-me firme.
Se pudesse estar com o presidente José Eduardo dos
Santos, que conselho lhe daria? Senhor presidente, limpe a casa, limpe o
palácio, entregue o poder e vá descansar com a sua família e negoceie, enquanto
ainda é tempo, a sua saída pacífica para que não saia aos atropelos, criando
mais problemas ao país.
Teme que a sua saída não seja pacífica? Os
ditadores gostam sempre de sair à força porque vêem-se sem avenidas para se
retirarem de forma pací- fica porque cometem tantos crimes e depois tem medo de
serem julgados. Então preferem sempre levar o poder até às últimas consequências
e José Eduardo dos Santos não é excepção, ele tem medo, ele sabe que cometeu
muitos crimes e tem medo que esses crimes venham persegui- -lo, mesmo dentro do
seu próprio partido.
No recente Comité Central do MPLA, um histórico do
partido, Ambrósio Lukoki, abandonou o órgão, afirmando que “cheguei à conclusão
de que estar no Comité Central já não faz sentido porque o Comité Central não
faz a sua função, é imposto posições que tem de aprovar sem discussão”. Dizia o
antigo nacionalista, ministro no pós independência e embaixador na Tanzânia que
“o presidente do partido e chefe de Estado regista uma impopularidade recorde
pelas suas desinteligências e arrasta, na sua queda, certos inocentes no MPLA.
A impopularidade que está granjeando o partido é o preço a pagar o MPLA
enquanto instrumento de trampolim do engenheiro José Eduardo dos Santos para o
seu absolutismo”. A pergunta é: será a ruptura? A crise económica e a
diminuição do bolo da corrupção terá mais impacto dentro do MPLA do que, por
exemplo, a saída do Lukoki ou outro porque os militantes do MPLA tornaram-se
obcecados pela corrupção. É preciso desestruturar os sistemas de corrupção para
as pessoas irem procurar outro modo de vida que não seja aquele de estar sempre
a roubar ao Estado e aos cidadãos. O que lhe parece a situação angolana no
concerto dos outros países da região e de um continente africano onde os
libertadores, regra geral, têm a tendência de encarar os Estados como se de
propriedades privadas se tratassem? O caso de Angola não é diferente, é a mesma
história. Os níveis da corrupção ultrapassam o bom senso. É a captura do
Estado, os indivíduos capturaram o Estado para si próprios. Libertaram-nos do
jugo colonial para aprisionarem-nos sob as suas botas tirânicas. Então,
substituiu-se apenas o opressor. Em vez de termos um opressor estrangeiro,
passamos a ter um opressor nacional.
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