Desde Agosto de 2015 que o diálogo entre o Governo de
Moçambique e o maior partido de oposição parou. A guerra é uma realidade bem
presente, embora oficialmente não tenha sido declarada, e já ninguém parece
contabilizar as vítimas. O ónus recai naturalmente sobre o partido Frelimo que
decide o destino do nosso país há mais de 40 anos, por isso muita expectativa
existia em torno da 5ª sessão ordinária do Comité Central. “(...) Todos nós
partíamos do princípio que iriam sair dali algumas soluções concretas mas
infelizmente não vimos qual é o plano que o presidente (Nyusi) vai adoptar, ou
o Governo vai adoptar, no sentido de avançar com a questão do diálogo”,
constatou o politólogo João Pereira que explicou, porque razão das duas forças intensificaram as suas acções militares, “quem
tiver maior controle do território tem mais força e capacidade de negociar
quando estiver na mesa de negociação”.
No encerramento da reunião magna, que decorreu na
cidade da Matola entre os dias entre os dias 13 e 16 de Abril, o partido
Frelimo, que dita as acções que o Presidente de Moçambique deve encetar,
encorajou Chefe de Estado “a continuar incansavelmente o diálogo e pragmatismo
que sempre o caracterizou, alargando a outras forças vivas da sociedade”.
Em entrevista o professor de Ciência
Política da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), João Pereira, afirmou que
partilhava da expectativa que muitos moçambicanos tinham para “ver quais eram
as medidas concretas do Comité Central especialmente sobre os assuntos de
importância para o país, que é a questão da estabilidade política e questão da
situação económica. Praticamente todos nós partíamos do princípio que iria sair
dali algumas soluções concretas mas infelizmente não vimos qual é o plano que o
presidente (Nyusi) vai adoptar, ou o Governo vai adoptar, no sentido de avançar
com a questão do diálogo”.
Relativamente ao alargamento do diálogo a outros
actores Pereira destaca que a questão que se impões é como alargar e quem serão
esses actores. “Porque os actores também têm diferentes interesses e muitos
desses interesses são também contraditórios. Então se for a alargar para outros
actores quem seriam, a igreja católica, a igreja protestante, a comunidade
muçulmana, a sociedade civil, os doadores? Não se sabe muito bem quem vão ser
esses actores e como serão envolvidos nesse processo todo”.
“Muita das vezes o alargamento para outros actores não
significa encontrar uma solução para o problema, significa também trazer a mesa
de negociações mais actores pode ainda complicar mais porque não conhecem bem
os dossiers, estes novos actores não tem uma dimensão muito profunda sobre as
exigências do partido Renamo e por outro pela resistência do Governo. Então
trazer novos actores para a mesa de negociações só se for para serem
observadores, porque ao fim ao cabo quem tem que encontrar a solução é o
Governo e o partido Renamo”, explicou o académico.
Como dialogar estando simultâneamente em guerra?
Questionado, telefonicamente, pelo @Verdade sobre como
esse diálogo poderá acontecer se a guerra não esmorece e o Comité Central do
partido no poder ainda encorajou “o Governo a reforçar as suas instituições
para garantir a defesa da soberania, recolher as armas na posse ilegítima,
fazendo cumprir as leis do país”, o professor João Pereira afirmou que é um
discurso “muito normal num processo desta natureza ter este tipo de discurso,
faz parte da própria lógica e do próprio próprio jogo”.
Pereira esclareceu que “(...)se o Governo não põe
forças para diminuir, por exemplo, a acção da Renamo em termos de controle do
espaço geográfico significa que vai perder grande parte do território. Perdendo
território, mesmo quando for a mesa de negociação significa o quê, significa
que a Renamo vai com um espaço já controlado e terá muito mais força e
legitimidade para controlar sob aquele mesmo espaço. Não é por acaso que em
todo o processo negocial grande parte dos actores envolvidos na guerra quando
está quase a terminar tentam ocupar o maior espaço possível para lhe dar a tal
força, porque o exercício de poder não se faz por exemplo fora de um espaço
geográfico. Faz-se pela ocupação de um espaço geográfico”.
Ademais, “quem tiver maior controle do território tem
maior força e capacidade de negociar quando estiver na mesa de negociação.
Então faz sentido que o Governo por exemplo este tipo de discurso que é a única
forma de mostrar que também tenho controle de 70% do território e você aí só
tem se calhar 10%. É por isso que a gente vê esta questão parecer uma
contradição entre o discurso sobre a paz e acção militar, e a Renamo também
está a fazer a mesma coisa”, explicou o docente da UEM.
Dhlakama ganhou, as Eleições Gerais, em mais
províncias do que o partido Renamo
“A Renamo está a dizer queremos paz mas também sobre
fogo, porque só assim é que vai acelerar o processo da negociação e vai dar a
possibilidade de a Renamo ter maior força na mesa de negociação, porque se a
Renamo consegue por exemplo ocupar toda zona Centro e Norte do país, por
exemplo, significa que vem à mesa de negociação já com um território controlado
e dificilmente vai aceitar a sua perda. Mas se vem à mesa de negociações sem
operacionalizar grande parte das usas promessas, em termos de ocupação de
espaço, também vem um pouco fragilizada porque não tem controlo sobre o
território”, acrescentou o nosso entrevistado.
Entretanto o polítógo chama atenção para o que mostra
uma análise mais profunda dos resultados das Eleições Gerais de 2014, “o
presidente Dhlakama ganhou em mais ou menos seis províncias, como presidente,
mas a Renamo só ganhou em duas províncias (Zambézia e Sofala)”.
“A questão que se coloca é se nas outras províncias
não votaram à favor da Renamo como é que se justifica por exemplo o argumento
da ocupação desse território? Há aqui também algumas contradições em termos
daquilo que a Renamo pede na questão do seu próprio espaço”, analisou João
Pereira.
Filipe Nyusi ainda precisa de tempo para mexer no
partido Frelimo
Relativamente a instruição da Comissão Política do
partido Frelimo para “aprofundar o processo de descentralização e
desconcentração política e administrativa no quadro da Constituição, incluindo
os ajustamentos legais e/ou constitucionais que se mostrem necessários” o
professor Pereira explicou que não é uma novidade.
“O que a Frelimo está a fazer agora, é que eles também
já perceberam que esta questão da descentralização é um processo irreversível,
tarde ou cedo vão ter que avançar nesse sentido. Se avançaram na constituição
das Assembleias Provinciais porquê não podem avançar num modelo quase idêntico
ao sul-africano onde cada região pode montar a sua máquina política e
administrativa e nem tem gerado conflitos de grande dimensão que leve a uma
guerra civil? Eu acho que a Frelimo já se apercebeu que é preciso avançar nesse
sentido, e já tinha feito uma proposta nesse sentido nos anos noventa. Não sei
porquê a Frelimo não avançou com a proposta da municipalização até ao nível do
distrito (…) Se calhar agora é o momento oportuno de ir buscar esse projecto e
começa-lo a discutir seriamente qual é o tipo de descentralização que este país
precisa”, afirmou o académico.
O docente de Ciência Política que no início do ano,
depois de Filipe Nyusi dirigir pela primeira vez o Comité Central como
presidente do partido, afirmou que o Presidente de Moçambique não dispunha de
capital político para fazer grandes reformas dentro do seu partido declarou que
o estadista moçambicano continua a precisar de tempo para mexer na máquina
partidária.
O nosso entrevistado explicou que “Se você não tem um
controle forte dentro do partido e nem tem um apoio forte então você procura os
apoios que tem fora mas que são membros do partido e, ao nível das
oportunidades que são criadas lá, pôr os seus pontos de vista. E assim o
partido também se apercebe que não é só aquele posicionamento que os seus
membros defendem, há outras formas de pensar e há outras correntes no partido
que é preciso também por na balança e ver também qual é a melhor alternativa”,
concluiu o professor Pereira.
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