O Estado centralizado funciona bem quando não
existe capacidade de acção organizada ao nível das comunidades. Tal é o caso quando
as comunidades são muito pequenas. Quando as comunidades crescem e atingem um certo nível de desenvolvimento material e
intelectual, o Estado centralizado perde eficácia no atendimento das suas
necessidades específicas, que ficam cada vez mais complexas. Chega até a ser absurdo o Estado querer administrar
tudo verticalmente, de cima para baixo, em virtude de não ter conhecimento
adequado dos problemas locais das comunidades, porque não os vive directamente.
Quando isto ocorre, o modelo de administração que melhor funciona consiste em o
Estado conferir poderes às comunidades para que sejam elas próprias a tomar as
decisões que se mostrem mais apropriadas para a sua vida correr a contento dos seus anseios. É assim que
surgiu a noção de poder local. O poder local refere-se à capacidade de os
membros de uma comunidade devidamente organizada escolherem, autonomamente, o
modelo de administração da sua vida colectiva que melhor responde aos seus
anseios. Tal modelo viabiliza-se através de órgãos representativos da vontade
expressa pela maioria dos membros da comunidade, órgãos esses queescolhidos por
via de eleições locais. O Estado transfere, então, para esses órgãos localmente
eleitos todos os poderes que viabilizem a prossecução dos anseios específicos
da comunidade no seu local de residência, incluindo a competência de produzir normas
específicas, instituindo, por exemplo, impostos, taxas, procedimentos
administrativos, regras de convívio social e de relacionamento com meio ambiente
natural, normas essas que são válidas somente dentro do espaço territorial habitado
pela comunidade a que dizem respeito.O Estado define, por legislação
apropriada, as competências do poder local e regula as normas de seu
funcionamento, fixando, por exemplo, os limites—tanto do ponto de vista de
autonomia político-administrativo quanto do de circunscrição física ou
territorial sob do poder local—e o modo de interacção entre este poder e o
poder central. A definição de competências a serem exercidas pelo poder local
visa garantir uma maior eficácia na resolução de certos problemas locais, com o
envolvimento directo dos membros da comunidade. Trata-se de um mecanismo de
aprofundamento da democracia participativa, o qual permite a participação
activa dos cidadãos na vida política, social e económica do seu país, em prol do
desenvolvimento harmonioso e equilibrado.
Em Moçambique, as circunscrições territoriais com
o poder local instituído nos termos da lei são chamadas 'autarquias' ou 'municípios'.
Até ao presente momento (Março de 2015), as autarquias só são criadas em circunscrições
territoriais de três níveis, nomeadamente cidades, vilas e povoações. Porém, a Constituição
da República (artigo 273, no. 4) prevê que autarquias de circunscrições territoriais de nível superior ao de cidade (e.g. distrito,
província) e inferior ao de povoação (e.g. bairro) possam ser criadas, mas para
tal é necessário criar uma lei específica. Ao processo de criação de autarquias, chama-se 'autarcização' ou 'municipalização'.
Em Moçambique, este processo segue o princípio de gradualismo, o que significa
que as autarquias são criadas de forma gradual, quando se verifica que existem condições
objectivas mínimas para que os órgãos do poder local (também chamados órgão
autárquicos ou municipais, nomeadamente a assembleia municipal e o conselho
municipal) possam funcionar de forma autónoma (i.e. sem depender, no que legalmente
lhes compete, do poder central). Tais condições incluem, por exemplo, a
capacidade de o município gerar recursos financeiros próprios para financiar o
seu funcionamento (incluindo pagar salários dos funcionários municipais) e
realizar os projectos de interesse específico local. É claro que para isto é necessário um certo
nível de desenvolvimento social e económico local. Não se espera, por exemplo,
que uma povoação constituída por 50 famílias ou 250 pessoas, vivendo só na base
da agricultura de subsistência, seja capaz de municipalizar-se, porquanto tal autarquia
não seria capaz de realizar cabalmente as suas funções de forma autónoma. Pode,
isso sim, funcionar como uma unidade depende de uma autarquia. Este exemplo
ilustra por que a criação de autarquias requer legislação específica.Tanto nos
territórios autárquicos como fora deles, o Estado tem responsabilidades de que não se pode demitir, nomeadamente a provisão de
serviços de educação e de cuidados de saúde, a defesa da soberania e da
integridade territorial do país, a manutenção da segurança e da ordem públicas, a justiça (procuradorias e
tribunais), a realização de obras públicas ou construção de infra-estruturas de
interesse económico e social grande envergadura (e.g. estradas, pontes linhas férreas e outras vias de
acesso), o licenciamento de empreendimentos económicos com potencial para gerar
grande impacto político e social, entre outras. Tais actividades de grande
impacto económico e sociopolítico, que podem ser tanto de interesse nacional ou
local, requerem a intervenção do poder central. Por esta razão, o Estado tem
que ter representações em todo o território nacional, incluindo nos territórios autárquicos. Estas representações é colocam o Estado perto dos
cidadãos, devendo zelar pelos assuntos de interesse local ou nacional de grande
impacto económico e sociopolítico, em estreita coordenação com o poder local, o qual é obrigado a
cooperar com o poder central nos termos da lei (de tutela do Estado sobre as
autarquias).
Portanto, as relações entre o poder local e o
Estado têm várias vertentes, de entre as quais se destacam as seguintes:
• as autarquias e o Estado articulam-se na resolução dos problemas dos autarcas ou munícipes (i.e. populações vivendo nos territórios autárquicos), partilhando o esforço administrativo e financeiro, seja associando-se para a realização de determinadas obras, seja fazendo as autarquias determinadas obras e o Estado outras;
• o Estado institui e aloca verbas às autarquias e, por outro lado, fiscaliza o cumprimento da lei, tendo as autarquias, de resto, autonomia administrativa; e
• os órgãos autárquicos, democraticamente eleitos, representam os autarcas ou munícipes perante o Estado, fazendo chegar a este os problemas e reivindicações dos autarcas.
• as autarquias e o Estado articulam-se na resolução dos problemas dos autarcas ou munícipes (i.e. populações vivendo nos territórios autárquicos), partilhando o esforço administrativo e financeiro, seja associando-se para a realização de determinadas obras, seja fazendo as autarquias determinadas obras e o Estado outras;
• o Estado institui e aloca verbas às autarquias e, por outro lado, fiscaliza o cumprimento da lei, tendo as autarquias, de resto, autonomia administrativa; e
• os órgãos autárquicos, democraticamente eleitos, representam os autarcas ou munícipes perante o Estado, fazendo chegar a este os problemas e reivindicações dos autarcas.
Subjacente à ideia de autarcização/municipalização
está a noção de descentralização (em oposição à desconcentração) administrativa.
Neste processo, o normal é ser o Estado (uma pessoa jurídica) a transformar as suas unidades territoriais em autarquias/municípios
(outras pessoas jurídicas) e transferir para estas certas competências administrativas,
de modo a permitir um melhor atendimento de problemas específicos, de natureza
local, das comunidades e aumentar a eficiência da acção do Estado no interesse
dos cidadãos que lhe dão corpo. Tendo em conta a natureza multitécnica,
multirreligiosa e multirracial do Estado moçambicano, o que significa que temos
um Estado 'multinacional', o processo da autarcização tal como vem decorrendo até ao presente momento—gradualmente—está bem concebido e não ameaça
a integridade territorial do nosso país.
Ora, o anteprojecto de «lei das autarquias
provinciais», como é assim chamado o «documento» que Afonso Dhlakama leva na «pasta»
no périplo que está realizar pelas províncias de Moçambique onde diz que ele e a Renamo «ganharam» as eleições de 15 de Outubro
de 2014, preconizando a criação de autarquias de circunscrição territorial de
nível provincial, visa destruir o que temos estado a construir: um Estado-multinação uno, indivisível.
Isto não deve nunca surpreender, porque a Renamo foi mesmo concebida para
funcionar como um instrumento de destruição de sonhos, e o Afonso Dhlakama treinado especialmente
para manejar este instrumento. Quem tem dúvida sobre isto, atente ao que se
segue.
Como foi dito acima, o país já possui unidades
territoriais (até agora contamos com 53, incluindo todas as cidades, algumas vilas
e algumas povoações) que funcionam como autarquias. Ainda não temos autarquias
cuja circunscrição territorial seja de nível de localidade, de posto administrativo,
de distrito, nem mesmo nas grandes cidades, como a de Maputo, que está organizada
em distritos e postos administrativos urbanos. A razão é que ainda se está a
ganhar experiência na gestão autárquica, enquanto se pensa como é que
autarquias com circunscrições territoriais maiores e menores que aquelas que já
temos poderão funcionar da melhor maneira. Logo à partida, a pretensão de criar «autarquias
provinciais» esbarra-se com as autarquias que actualmente existem e funcionam
dentro das unidades territoriais que chamamos "províncias". Ou seja,
antes de o processo de autarcização se estender a todas as unidades
territoriais pequenas (i.e. vilas, povoações, localidades, postos administrativos e distritos), a Renamo e o
Afonso Dhlakama já querem autarquias provinciais, num acto claro de—como diz a
máxima— pôr a carroça à frente dos bois. E para fundamentar a sua pretensão, a
Renamo (no caso até é melhor dizer o Afonso Dhlakama) vai até ao ridículo de evocar
«as transformações políticas, económicas, sociais e culturais operadas na
última década no nosso país, os anseios da população em ver resolvidos os
problemas locais, nomeadamente o desemprego, transporte, saúde, ensino, habitação, comércio, feiras, mercados,
etc.,» (sic). Isto é ridículo, porque é uma falácia. Com efeito, o verdadeiro
mote na génese da proposta de «lei das autarquias provinciais» é a derrota sofrida pela Renamo e seu "líder"
no último pleito eleitoral de 15 de Outubro de 2014, ante a convicção—que eles
tinham em alta e que se mostrou falsa—de que iriam vencer, porque a Frelimo apresentara um ilustre «desconhecido» como
seu candidato presidencial. Trata-se, de facto, de uma manobra para fugir da
vergonha que lhes assola depois da derrota eleitoral, tentando encontrar um espaço territorial que
possam governar, já que, depois de "gazetarem" as eleições
autárquicas de 2013, eles (a Renamo e o seu "líder") andam
politicamente "desempregados". Sim, é isso: por causa de contas mal
feitas, por causa do excesso de presunção, a Renamo e o Dhlakma estão
completamente fora do exercício do poder; nem mesmo o poder local exerce em unidade nenhuma do território nacional!
Continuando a enganar, deliberada ou inadvertidamente,
a Renamo "fundamenta" que é no espírito de fidelidade ao princípio de
gradualismo, que vem sendo seguido na criação das autarquias, que propõe «a criação,
numa primeira fase, das autarquias de nível provincial de Niassa, Nampula,
Zambézia, Tete, Manica e Sofala, pois é nessas províncias onde o anseio de descentralização e
aprofundamento da democracia mais se reclama e é sentido» (sic). Onde, como e quando é que a Renamo chegou à
conclusão de que nestas províncias, onde até funcionam autarquias onde o poder local
é detido por outras forças políticas, nomeadamente Frelimo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), as populações anseiam e clamam
mais pela «descentralização» do que as populações residentes noutras províncias
do país?
Que se não me diga que aferiram isso nas últimas
eleições gerais, porque é isso que faz cair liminarmente por terra todo o "argumento"
que tem sido usado para fazer valer a proposta de «lei das autarquias provinciais».
Com efeito,
isto é mais uma outra falácia, porquanto o objectivo central das eleições de 15
de Outubro de 2014 era triplo:
(i) eleger o Presidente da República, um órgão de soberania a quem cabe a missão de formar e dirigir o Governo e dirigir superiormente todas as demais instituições do Estado que se subordinam ao Governo);
(ii) eleger os deputados da Assembleia da República, outro órgão de soberania, a quem cabe a missão de legislar ( = fazer as leis do país) e fiscalizar a acção do Governo, em representação de todos os cidadãos do país; e
(iii) eleger os membros das Assembleias Provinciais, que são os órgãos de fiscalização das acções de governação ao nível das províncias em que se organiza o território nacional, em representação dos cidadãos residentes nestas províncias.
(i) eleger o Presidente da República, um órgão de soberania a quem cabe a missão de formar e dirigir o Governo e dirigir superiormente todas as demais instituições do Estado que se subordinam ao Governo);
(ii) eleger os deputados da Assembleia da República, outro órgão de soberania, a quem cabe a missão de legislar ( = fazer as leis do país) e fiscalizar a acção do Governo, em representação de todos os cidadãos do país; e
(iii) eleger os membros das Assembleias Provinciais, que são os órgãos de fiscalização das acções de governação ao nível das províncias em que se organiza o território nacional, em representação dos cidadãos residentes nestas províncias.
Ninguém naquele pleito eleitoral foi chamado para
sufragar a gestão provincial por uma ou outra das forças políticas concorrentes.
Sendo assim, não é procedente evocar os resultados das eleições de 15 de Outubro
de 2014 para sustentar a proposta de «lei das autarquias provinciais», porque tal
não era o objectivo daquelas eleições, tampouco quando se pretende que a sua aplicação,
caso a lei seja aprovada, tenha efeitos retroactivos. Aliás, esta pretensão só
consubstancia a hipótese de que a Renamo só que ter onde exercer o poder, onde governar, mesmo que seja ao nível
local. É a obsessão pelo poder em alta. Para além das falácias—inadvertidas ou
propositadas—de que enferma a "fundamentação" (daí as vírgulas altas!) da proposta de «lei
das autarquias provinciais», há a questão do seu enquadramento político e
jurídico-constitucional. Não é preciso ser jurista para perceber que não há
condições para que esta proposta de lie seja aprovada tal como o Afonso
Dhlakama anda por aí a dizer que será aprovada. Com efeito, tem que ficar claro, por exemplo,
qual é o lugar e estatuto que a tal proposta de «lei das autarquias
provinciais» reserva para autarquias que funcionam nas unidades territoriais
designadas por províncias, em todo o país, e qual é o enquadramento constitucional
desses lugar e estatuto que a referida proposta lhes atribuir. (…).
Enfim, há muito mais que se possa dizer, se tem
sido dito, e será dito sobre a famosa proposta de «lei das autarquias
provinciais». Espreitando os resultados das últimas eleições presidenciais, legislativas
e para as assembleias provinciais (vede gráficos que acompanham esta publicação),
nem se consegue compreender que «povo» é esse que se diz que clama pelas tais
«autarquias provinciais». Com efeito, na eleição dos membros das assembleias
provinciais, a Renamo só obteve uma vantagem marginal de até 21% do total dos
votos válidos sobre a Frelimo, em apenas três (3) províncias (Zambézia, Tete e
Sofala); na eleição dos deputados da Assembleia da República, a Renamo obteve uma
vantagem muito marginal de até 10% do total dos votos válidos sobre a Frelimo,
em apenas duas (2) províncias (Zambézia e Sofala); e, na eleição do Presidente
da República, o Afonso Dhlakama obteve também uma ligeira vantagem de até 21%
do total dos votos válidos sobre o Filipe Nyusi , em cinco (5) províncias
(Nampula, Zambézia, Tete, Manica e Sofala). Portanto, a Renamo e o seu
«candidato natural» só conseguiram obter uma vantagem parcial sistemática em
apenas duas províncias (Zambézia e Sofala), nas quais obtiveram apenas 4% do
total dos votos válidos a mais do que a Frelimo (na eleição dos membros das
assembleias provinciais). Ou seja, assumindo de modo conservador (i.e. com
exagero por excesso) que um deputado só fica eleito quando obtiver 100 mil
votos, chega-se à conclusão (muito triste para a Renamo e seu apoiantes!) de
que apenas 3,2 milhões (i.e. 13% ou 1/8) dos 24,4 milhões de moçambicanos é que
são apoiantes da Renamo e do Afonso Dhlakama. É esta fracção (ínfima) da população
moçambicana que acorre aos comícios do "líder" e é rotulada
«multidões». Seguramente, não é este o «povo» que clama pela autonomia das
províncias onde o "líder" e o seu "partido" «ganharam»!
Fica assim claro que a ideia das autarquias
provinciais não surge para aprofundar democracia nenhuma, mas sim para criar um
espaço para o Afonso Dhlakama poder se sentir um "grande chefe", com
competências para «nomear», «mandar chamboquear», «mandar correr com a
Frelimo», «insultar», e mais coisas assim. Não há nenhum projecto concreto,
sério, que esteja a ser perseguido por aquele "líder". São as
promessas de que o hílare "líder" vai cometer estas arbitrariedades,
alegadamente para disciplinar os «ladrões» da Frelimo—os grandes pecadores da pátria
moçambicana—que hipnotizam aqueles desditosos (pouco menos de 3,2 milhões) concidadãos
que a desgraça deixa que sejam usados para legitimar fins inconfessos. Já não está
a dar mais para continuar a permitir delírios de um líder déspota que sonha com
poder que o povo responsável não quer lhe dar, e ele se vinga disso abusando
psicologicamente concidadãos politicamente ingénuos, que os instrumentaliza para o servirem de escudo de
guerra.
O Conselho Municipal da Cidade do Chimoio—uma
autarquia que Afonso Dhlakama quer ver 'diluída' com o seu projecto de autarquias
provinciais—mostrou que se pode dizer NÃO aos desmandos na utilização indevida dos espaços municipais. Siga- se o exemplo que
a disciplina voltará a reinar!
Quando o país estiver preparado para instituir
autarquias provinciais, elas serão criadas. Por
agora AINDA NÃO! Tudo o resto é mesmo brincadeira, que é o que Afonso Dhlakama diz saber
fazer «melhor do que a Frelimo». Ele que brinque, desde que não pise o
"risco", e ganhará apenas ser "olhado", como aliás tem sido
até agora!
(Por João J.Cumbane)
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