O artigo 261 da
Constituição da República de Moçambique remete à lei ordinária a competência
para estabelecer as matérias relacionadas com o estatuto, procedimentos e
estrutura organizativa de apoio ao Provedor de Justiça, sendo por força do
referido ditame constitucional que o legislador por excelência, ou seja, a
Assembleia da República, aprovou a Lei no7/2006, de 16 de Agosto. Com efeito, é a supracitada Lei no7/2006
que, detalhadamente, “estabelece o âmbito de actuação, o Estatuto, as
competências, e o processo de funcionamento do Provedor de Justiça”. É mister
acrescentar que recentemente, salvo erro, o Governo de Moçambique aprovou o
Estatuto Orgânico do Gabinete de Provedor de Justiça e o respectivo quadro de
pessoal, completando assim a missão incumbida pelo citado artigo 261 da CRM. Mas os passos acima descritos constituem
tão-somente a parte teórica da questão, que naturalmente criaram indizíveis
expectativas para todos os cidadãos amantes da legalidade e da justiça! Porém,
a prática vivida até ao presente momento quanto ao funcionamento do órgão em
referência, e sobretudo no que diz respeito à garantia da imparcialidade que é
exigida ao Provedor de Justiça no exercício das suas funções, designadamente
pelo no1 do artigo 258 da CRM, suscita sérias dúvidas. Por exemplo: Em
Moçambique, e penso que deve ser assim em qualquer outra parte do mundo, um
magistrado de carreira pode ser nomeado ministro; mais tarde, o mesmo
magistrado pode ser eleito Provedor de Justiça; depois pode acontecer que este,
que agora é Provedor de Justiça, aquando do exercício da função de ministro,
cometeu injustiça contra determinado cidadão que tem pendente no Gabinete do
Provedor uma reclamação contra a tal injustiça, reclamação esta que para já e
por ironia do destino deverá ser apreciada pelo actual Provedor de Justiça, por
conseguinte pela pessoa autora da injustiça objecto da reclamação! Entretanto,
adianto observar que o exemplo acima urdido é infeliz para o caso de
Moçambique, visto que aqui é pela primeira vez que entra em acção o Provedor de
Justiça. Por isso, o referido exemplo deve ser analisado com a indispensável criatividade,
pois o que mais importa é a moral da história. Posto isto, apraz-me dizer que a
questão que se coloca em função do problema acima exposto, que neste caso
concreto não vale como mera hipótese, é:
Qual será a
saída airosa desta situação, uma vez que a Constituição da República não criou
o cargo de Provedor de Justiça Adjunto?
Será que o
cidadão reclamante ficará com a consciência tranquila de que o seu caso há-de
ser apreciado com a imparcialidade exigida pelo artigo 258, no1, da CRM?
Idêntica preocupação
coloca-se em relação ao próprio Provedor de Justiça em exercício, que tem a
especial obrigação de demonstrar clara atitude de honestidade, e tendo em
atenção que no ordenamento jurídico moçambicano a suspeição pode ser suscitada
tanto pelo titular do órgão, neste preciso caso o Provedor de Justiça, assim
como pelo reclamante – vide artigos 122o a 136o, todos do Código de Processo
Civil, alterado pelo Decreto-Lei no1/2009, de 24 de Abril. Entendo que não
seja demais acrescentar que a questão aqui colocada tem como agravante o facto
de os actos ou recomendações do Provedor de Justiça só caberem reclamação para
ele próprio. Quer dizer, é pacífico que os acórdãos do Conselho Constitucional
não sejam susceptíveis de recurso, tendo em atenção que este é um órgão
colectivo, não acontecendo o mesmo com o Provedor de Justiça por razões óbvias,
e ainda que o no1 do artigo 14 da supracitada Lei no7/2006 tente garantir-nos
que “O Provedor de Justiça é coadjuvado por coordenadores e assessores com
curso superior adequado e comprovada reputação de integridade”! A verdade nua e
crua, porém, é que em Moçambique, sem prejuízo do devido respeito, parece que
não existem peritos em Administração Pública e de comprovada reputação de
integridade, ao menos que sejam do conhecimento geral. Na minha opinião, o
problema atrás exposto poderia, em parte, ser resolvido com a existência do
cargo de Provedor de Justiça Adjunto, porquanto este tomaria conta dos assuntos
no caso de impedimento do Provedor de Justiça, e vice-versa. Acredito que o
texto constitucional em vigor bem como a legislação complementar já acima
referida sobre o estatuto, organização, funcionamento, processo do Provedor de
Justiça e do quadro de pessoal do respectivo Gabinete, têm como fonte o direito
português, daí, talvez, a não previsão do cargo de Provedor de Justiça Adjunto.
Contudo, continuo a pensar que no que diz respeito à cultura jurídica entre o
povo moçambicano e o povo português, a diferença é simplesmente abismal, facto
este que por si só impunha maior cautela na concepção da nossa Provedoria de
Justiça. Mas mesmo assim julgo que nada está perdido. Aliás, costuma-se dizer
que antes tarde do que nunca, pelo que creio que vamos a tempo de aproveitar o
processo de revisão da Constituição em curso no nosso país para colmatar a
lacuna, se este for o entendimento da maioria dos moçambicanos. Repito, caros
compatriotas, que o problema aqui apresentado não constitui mera hipótese,
sendo que quem escuta atentamente a voz do povo (vox populi) talvez já tenha chegado
à triste conclusão de que a questão é por demais séria! Tenho dito.(Por: J.B.A.Castande)
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