Aconteceu-me, no domingo antepassado, estar em casa diante da
televisão e, como quem procurava alguma coisa que ajudasse a matar o tempo, de
quando em vez, revelado grande aliado do tédio, fui dar a TVM com uma tecla do remote
control, concretamente no programa Moçambique em Concerto, do assaz esforçado
pelas causas nacionalista, Gabriel Júnior.
No seu esfalfado ânimo, Júnior tentava convencer a quem estivesse,
naquele preci(o)so momento a assistir ao seu programa, a “gostar do que é
nosso”. Conversava ele em estúdio com uma cantora que a memória não deixa agora
lembrar o nome, nem música por ela cantada. Falavam no instante da necessidade
de afirmação da nossa auto-estima, porque a aludida cantora havia estado em
Angola e tinha visto que os angolanos valorizavam de forma espantosa tudo ao
que a eles dizia respeito, em termos artístico-cultural. A intenção até que foi
boa. Mau grado é mesmo a configuração do tabuleiro do nosso xadrez
sócio-político. Escassos minutos depois
da ventilação da ladainha da necessidade da elevação da auto-estima entre os
moçambicanos, ainda na mesma edição do programa, imagens de uma gravação ao
vivo do Moçambique em Concerto em Guruè seriam transmitidas, revelando factos completamente
contrários, desfasados do tão almejado desejo de “valorização do que é nosso”,
mui propalado entre os moçambicanos; Gabriel Júnior animou o auditório de Guruè
com Waka Waka, de Shakira, música oficial do Mundial de futebol realizado
na África do Sul em 2010. A melodia de Shakira incendiou completamente as
emoções do público ali presente, animado também pelo inquestionável talento de
Gabriel como apresentador. E, como que para se contradizer ainda mais, depois
da música de Shakira, o público de Guruè dançou ao ritmo de um kwasa-kwasa,
também, não made in Mozambique. Duas perguntas agora refulgem; por que é
que Gabriel Júnior, depois de encher a tela apelando para o “gostar do que é
nosso”, concretamente da música feita pelos moçambicanos e das artes em geral,
foi agindo, quase que de imediato, de forma contrária aos seus ditos? Será que
devemos gostar do que é nosso somente por ser nosso? Para esta última, claro
que não! Pois, dizer simplesmente que as pessoas devem ter auto-estima só em si
não basta, ninguém vai gostar de uma música, de uma tela, de um livro, de uma
peça teatral, ou uma coreografia sob vertente única de se configurarem produtos
da nossa lavra. Ou então de uma aberração cinematográfica feita aquele xikwembo,
que todos andamos a bater palmas e alguns cascos, buscando uma falsa zona de
conforto, do tipo fizemos um filme que nos identifica! Identificar? Só se for
pela estupidez de alguns que dão cara todos os dias nos jornais, televisão e
voz nas rádios, valendo-se de apadrinhamentos e sim-senhorices ávidos de uma
imerecida glória.
Obras de arte são obras de arte, não precisam de advogado. Politiquices
podem surgir a tentar legitimar abortos artísticos, mas estes não cairão fundo
no coração dos apreciadores! Quem se lembra hoje da canção oficial dos X Jogos
Africanos, imposta ao público por decreto, não pela criatividade de quem a
compôs ou a cantou? Hoje, a verdade manda dizer que quase ninguém já se
recorda, nem do título, nem da sua melodia, senão apenas de quem a lavrou.
Desculpa a colocação directa, caro Gabriel, mas como gostar, por
exemplo, da canção dos nossos jogos africanos, em vez do Waka Waka, se
mesmo o senhor que minutos antes defendeu em viva e sonora voz tal facto não
resistiu ao encanto desta última música? (Apenas encanto?) Não se pense com
isto que acredite eu que não temos músicos e música bem executada em
Moçambique. Grandes músicas temos no nosso país, SIM! Mas, o esquema montado no
circuito musical as amordaça, promovendo-se a mediocridade, em resposta a
oclusivos interesses, infelizmente também acolhidos, não se sabe a que
propósito, por uma espécie de mafia-académica que, julgando-se alguns desta
casta pequenos deuses, uns novíssimos Frankestein capazes de legitimar
assombrosas criações artísticas, se outorgam o direito de apontar quem é quem
no mundo da música, artes plásticas, literatura, etc...
Assim, em Moçambique é mais fácil a promoção de coisas do tipo djinkli
ki djis (será assim, como se escreve?), ao invés da magia melódica dos
Massukos, Djaka, K10, entre outras bandas e músicos no verdadeiro encanto do
termo, independentemente do estilo musical, ou origem do mesmo, porque nesta
aldeia global, influências existirão sempre! Outrossim, o molequismo artístico,
no qual se lança o artista, hipotecando a sua criatividade e qualidade, a favor
de interesses ocultos de doadores (?) ansiosos em mostrar serviço na luta
contra o HIV, contra a violência doméstica, contra a malária e contra outras
fontes de receita. Estes inculcam nos demais a ideia de uma necessidade de se
fazer uma espécie de “arte utilitária”, do género cadeira para sentar e mesa
para comer, em detrimento da livre criação, da estética, beleza que constituem
a essência e o fim último das artes. O resto, apenas efeitos colaterais…E não
será por nenhuma propaganda vazia que se valorizará as artes em Moçambique, mas
sim a devida promoção do que realmente temos de melhor na nossa montra
cultural. O mesmo serve para o desporto: que auto-estima se pode esperar entre
nós, se até quando os nossos atletas se tornam campeões a nível internacional,
em vez de serem recebidos em glória em Mavalane, as medalhas por eles
conquistadas são presas no aeroporto? E depois, confuso sou eu!...
(Aurélio Furdela)
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