segunda-feira, abril 02, 2012

Vão ao mar e regressam sem nada...

O casal Gina e Francisco Simango vive da pesca na cidade de Maputo mas, nos últimos anos, com a redução da apanha de peixe, os seus rendimentos diários nem sempre chegam para alimentar os três filhos. Francisco é um dos milhares de homens que se dedicam a pesca artesanal na Baía de Maputo e a sua esposa é uma das várias mulheres que adquirem peixe nos pescadores para revender nos arredores da cidade. O casal tem três filhos menores, um dos quais já a estudar. Eles dizem que o negócio tem vindo a fracassar nos últimos anos, o que afecta sobremaneira as contas mensais para a sua sobrevivência. “Por dia, as vezes consigo vender 50 a 70 meticais (cerca de 1,7 a 2,5 dólares). Apesar de não chegar para cobrir todas despesas do agregado familiar, pelo menos dá para comprar pão. Mas as vezes os pescadores não apanham nada (nenhum peixe)”, disse Gina Simango. Vitória Tembe, de 58 anos de idade, há 37 anos vende peixe capturado na Baía de Maputo e agora sente na pele o impacto desta grande mudança: o peixe que no passado foi suficiente para sustentar os seus oito filhos órfãos de pai, hoje já não chega para prover uma vida condigna aos seus três netos que ficam em casa, enquanto ela vai trabalhar.“Há muito tempo, tínhamos muito peixe e camarão que até fornecíamos aos restaurantes e hotéis…. Agora, as vezes passamos duas semanas sem peixe. Há dias em que os pescadores vão ao mar e regressam sem nada. Só gastam combustível de borla”.O negócio fracassou, a idosa Vitória já não consegue ter dinheiro suficiente para custear as despesas básicas da família. Há dias, o seu fornecedor de água rescindiu o contrato por falta de pagamento… Estudos mostram que existe uma relação directa entre as alterações climáticas e o desenvolvimento das espécies marinhas. Um relatório divulgado em 2008 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) aponta as mudanças climáticas como a mais recente ameaça aos recursos pesqueiros, o que poderá afectar a alimentação de cerca de 2,6 biliões da população global, cuja principal fonte de proteínas são os mariscos. De acordo com a pesquisa, os sistemas naturais de bombeamento dos oceanos estão em ameaça. Esses sistemas trazem nutrientes ao peixe e também ajudam a expelir detritos e poluição. Além disso, o aumento das emissões de dióxido de carbono na atmosfera poderá elevar os níveis de ácido carbónico nos mares e oceanos, o que irá prejudicar os corais e os organismos platónicos.Em Moçambique, ainda não houve um estudo detalhado sobre o impacto das mudanças climáticas na pesca, apesar de uma pesquisa do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades Naturais (INGC) de 2008/2009 confirmar que este fenómeno (mudanças climáticas) é uma realidade no país há mais de 40 anos.Na Baía de Maputo, em particular, é evidente a subida nos níveis do mar, apesar de ser difícil precisar o seu agravamento devido a falta de dados do passado. Por outro lado, verifica-se o já grave problema de erosão costeira e intrusão salina no continente, o que forçou o abandono da prática agrícola na zona costeira antes com terras agricultáveis.As autoridades moçambicanas admitem que os níveis de captura do peixe na Baía de Maputo podem estar a baixar, mas este fenómeno, nesta região do país poderá ser resultado do aumento da pressão sobre os recursos devido ao aumento das pessoas, bem como a melhoria do nível de vida e dos hábitos de consumo.“A demografia, provavelmente, influi mais na pesca hoje do que as mudanças climáticas. A demanda de peixe aumentou, as pessoas que estão a pescar aumentaram, as tecnologias para a pesca melhoraram. Por isso, a pressão sobre o recurso também aumentou. Portanto, o efeito é mais grave vindo das mudanças demográficas do que das mudanças climáticas”.Mas este é um fenómeno particular da cidade da Baía de Maputo, uma vez que ao nível nacional, a captura de peixe regista uma tendência crescente, tendo aumentado de 164 mil toneladas em 2010, para 190 mil toneladas no ano passado. Ao nível da pesca de pequena escala, a de maior peso no país, a subida da captura de peixe foi de 141 mil toneladas em 2010, para 160 mil no ano transacto. Seja qual for a razão, o facto é que os relatos dos pescadores, vendedores e consumidores assíduos do peixe da Baía de Maputo queixam-se da redução do pescado, o que tem implicações não só nas suas vidas, mas também nas dos outros operadores da cadeia do peixe, como os consertadores de redes de pesca, fabricantes de barcos, transportadores, entre outros.Caso seja uma questão de mudanças climáticas, é necessário a implementação de medidas de adaptação e mitigação deste fenómeno também no ramo das pescas, dada a importância desta actividade não só para os operadores, mas também para a população no geral.Igualmente, é necessário considerar a questão do género, uma vez que, apesar da pesca ser uma actividade praticada pelos homens, o seu sucesso ou fracasso também afecta sobremaneira as mulheres, uma vez que estas constituem a maioria da população moçambicana (cerca de 52 por cento) e são quem leva o peixe do barco à banca e da banca à mesa. Aparentemente, em alguns sectores, já existem algumas iniciativas de adaptação/mitigação, embora ainda não sejam muito visíveis. Ao nível do sector das pescas, Gabriel Muthisse disse que as autoridades têm vindo a incentivar a melhoria das tecnologias de captura e o acesso ao financiamento para permitir a motorização das embarcações.Segundo a fonte, essas medidas, que beneficiam em grande escala os operadores de pesca de pequena escala (mais desfavorecidos), irão permitir que os pescadores pratiquem a sua actividade mais para o alto mar, onde ainda abunda o peixe. Aliás, segundo a fonte, na Baía de Maputo, o peixe só esgotou ao longo da costa, onde existe uma maior concentração de pescadores de pequena escala.Além disso, o Ministério das Pescas tem estado a incentivar o desenvolvimento da aquacultura como uma outra fonte segura de acesso ao peixe, tanto para o consumo como para a venda, mas a produção nacional nesta área ainda é muito irrisória, apesar de estar a subir.(aim)

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