O Dr. Tarek A. Sharif foi nomeado director-executivo do Mecanismo da União Africana para a Cooperação Policial (AFRIPOL) em Maio de 2017. Antes disso, serviu como director da Repartição de Defesa e Segurança, no Departamento de Paz e Segurança da Comissão da União Africana em Adis Abeba, Etiópia, de 2010 a 2017. Também serviu como oficial de políticas sénior nos escritórios da União Africana em Lilongwe, Malawi, de 2006 a 2009. Antes de se juntar à União Africana, Sharif foi professor na Universidade Americana em Madrid, de 2004 a 2006. Ele também foi director da Repartição de Cooperação Internacional do Conselho Islâmico do Crescente Internacional, uma das agências especializadas da Organização da Conferência Islâmica, de 1999 a 2003. Sharif obteve o seu doutoramento em relações internacionais pela Universidade de Reading, Reino Unido. Ele é líbio e respondeu às perguntas da ADF por email. A entrevista foi editada para se adequar a este formato.
ADF: O que é AFRIPOL e quando foi formada?
DR. SHARIF: Os Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA), na 28ª Sessão Ordinária, que teve lugar em Adis Abeba, na Etiópia, em Janeiro de 2017, adoptaram o estatuto do Mecanismo da União Africana para a Cooperação Policial (AFRIPOL). Isto representou o lançamento efectivo da AFRIPOL como uma instituição técnica especializada da UA para a cooperação da polícia. Em Maio de 2017, a AFRIPOL teve a sua primeira Assembleia Geral e adoptou o seu primeiro plano de trabalho.A sede da AFRIPOL está localizada em Argel, capital da Argélia, e a instituição foi estabelecida para fortalecer a cooperação entre as agências de aplicação da lei e com organizações policiais internacionais para combater o crime organizado transnacional e o terrorismo através da partilha de informação, inteligência e dados sobre criminosos, seus grupos e suas actividades.
ADF: De que forma a AFRIPOL está ligada à organização policial internacional, Interpol?
DR. SHARIF: A Interpol é um parceiro importante, e a assinatura de um acordo de cooperação entre a Interpol e a União Africana em relação à AFRIPOL, em Janeiro de 2019, é uma ilustração clara desta parceria.
Em Abril de 2020, as duas organizações também fizeram o lançamento de um programa conjunto de três anos. O programa permitirá que as duas instituições trabalhem juntas para fortalecer as capacidades das agências policiais dos Estados-membros da UA na luta contra o crime no continente africano. Irá também ajudar a melhorar as capacidades técnica e analítica da AFRIPOL a níveis institucional e operacional.
ADF: Existiu algum evento em particular ou instituição criminal, em África, que demonstrou claramente que uma organização tal como a AFRIPOL seria necessária para lidar de forma eficaz com o crime no continente? Se sim, qual foi?
DR. SHARIF: O continente africano enfrenta desafios complexos de segurança que tem implicações profundas para a sua paz, segurança e estabilidade por causa da natureza transnacional, com grupos criminosos envolvendo-se em vários crimes tais como tráfico de drogas, armas, seres humanos, produtos provenientes da fauna bravia e espécies protegidas; lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros; e contrabando de pessoas. São estas realidades que motivaram os Estados-membros a criarem a AFRIPOL como uma instituição continental para dar suporte à cooperação entre as agências policiais.
Um agente da polícia da Costa do Marfim mostra comprimidos de Tramadol falsificado apreendidos numa incursão nas lojas de Abidjan, que vendiam medicamentos falsos. AFP/GETTY IMAGES
ADF: Embora ainda seja relativamente nova, que operações específicas bem-sucedidas pode destacar em que a AFRIPOL tenha desempenhado um papel vital no combate ao crime transnacional organizado no continente africano?
DR. SHARIF: A AFRIPOL é relativamente nova, e nós desenvolvemos as nossas estruturas para avançarmos gradualmente em direcção à sua plena operação. Na verdade, desde 2017, a AFRIPOL estava a trabalhar para criar os Gabinetes Nacionais de Interacção da AFRIPOL (NLOs), nos Estados-membros da UA, e o Sistema de Comunicação Policial da AFRIPOL (AFSECOM). Todos os Estados-membros da UA já abriram os NLOs da AFRIPOL e receberam o equipamento do AFSECOM. Subsequentemente, a AFRIPOL irá realizar operações específicas nas diferentes regiões africanas no decurso do ano de 2021.
ADF: Medicamentos falsificados são um grande desafio para uma boa parte do continente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os países africanos representam 42% de todos os medicamentos falsificados em circulação. Isto leva a milhares de mortes a cada ano. O que é necessário fazer para acabar com isso?
DR. SHARIF: A ameaça que os medicamentos falsificados representam não é apenas contra a saúde de pessoas inocentes por resultar em complicações médicas, mas é também uma ameaça à segurança do Estado. Isso porque os contrabandistas, muitas vezes, pertencem a redes criminosas para as quais contrabandear medicamentos contrafeitos é apenas uma parte das actividades ilícitas em que se envolvem. Actualmente, a AFRIPOL está a apoiar os Estados-membros a fortalecerem a sua capacidade para combater este crime. A AFRIPOL também está a operacionalizar o seu Grupo de Trabalho em Crime Organizado Transnacional, que irá fornecer orientações técnicas em áreas de prioridade para a capacitação e apoio técnico e legislativo.
Agentes da polícia da Costa do Marfim da unidade de combate ao crime transnacional vigiam armas, dinheiro, marfim e outros itens confiscados depois de desmantelarem uma rede de tráfico de drogas, em 2019. AFP/GETTY IMAGES
ADF: Os sindicatos do crime com ligações internacionais estão a operar em muitos países africanos para traficar partes de animais em vias de extinção. Em muitos casos, este comércio ilegal está ligado à medicina tradicional chinesa. O que a AFRIPOL pode fazer para ajudar as agências africanas de aplicação da lei a entrarem em parceria umas com as outras e com agências mundiais do combate ao crime para acabar com este comércio?
DR. SHARIF: O tráfico de produtos da fauna e flora selvagens em geral, incluindo o tráfico de partes de animais, é um dos crimes que a AFRIPOL escolheu como uma grande preocupação no continente africano. De facto, os relatórios indicam um aumento da caça furtiva neste período de COVID-19. A AFRIPOL está focalizada em melhorar a cooperação, não apenas das agências de combate ao crime da UA: polícia, agentes da guarda fronteira e das alfândegas. Na verdade, o acordo de cooperação da AFRIPOL com a Interpol e com outras organizações internacionais da polícia, que iremos assinar em breve, ajudará a desfazer as operações das redes criminosas, que estão cada vez mais a tornarem-se internacionais. A cooperação global possibilita a partilha de experiências com agências de aplicação da lei para além do continente, algo que é benéfico para as agências africanas de aplicação da lei.
ADF: Embora os países africanos tenham dado passos significativos no combate ao comércio de drogas, o continente continua a ser tanto um ponto de trânsito da droga ilegal bem como um destino para os traficantes de drogas. De acordo com o Gabinete das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime, cerca de 18 toneladas de cocaína são traficadas através da África Ocidental todos os anos, e cerca de 70.000 quilogramas de heroína são traficados através da África Oriental. Em que lugar a AFRIPOL focaliza os seus esforços para travar o comércio de drogas?
DR. SHARIF: A droga continua a ser um desafio. É neste aspecto que a AFRIPOL continua a trabalhar para dar apoio aos esforços de todos os Estados-membros. A AFRIPOL também está a identificar estratégias e projectos com os nossos parceiros a nível global e com outras organizações policiais internacionais. Tudo isso é com vista a melhorar a coordenação e facilitar a troca de informação para identificar várias rotas usadas pelos traficantes.
ADF: De que formas específicas a pandemia global da COVID-19 afectou a AFRIPOL? Terá motivado alguma alteração na forma como as operações são realizadas? Se sim, como?
DR. SHARIF: Os efeitos da COVID-19 são vastos e causaram mudanças sem precedentes em todo o mundo. A pandemia fez com que muitas empresas e organizações passassem para o trabalho virtual e remoto. Por um lado, esta situação levou a uma relativa queda em crimes que tinham dominado a aplicação da lei, desde pequenos furtos a assaltos e roubos violentos. O contrabando transfronteiriço e o tráfico também reduziram. Isso foi o resultou dos confinamentos obrigatórios e os toques de recolher obrigatório, que praticamente paralisaram o movimento de pessoas — excepto para agências de segurança responsáveis por fazerem cumprir as novas medidas. Por outro lado, muitos criminosos e suas redes estão a adoptar novos métodos de crime. Um aumento acentuado em crimes cibernéticos é um dos efeitos. De facto, a AFRIPOL está a trabalhar para a adopção de novas estratégias operacionais para lidar com os desafios que a COVID-19 representa.
ADF: Como director-executivo da AFRIPOL, quais são as suas visões a longo prazo e a curto prazo para aquilo que a AFRIPOL deve ser no futuro?
DR. SHARIF: Como uma instituição técnica da UA, cujo mandato é de dar suporte a agências policiais dos Estados-membros da UA, para prevenir e responder a ameaças que o crime organizado representa através da cooperação estruturada, a visão da AFRIPOL é de se tornar uma estrutura proeminente para a UA no combate ao crime organizado transnacional. E que todos os outros actores do continente na luta contra o crime organizado sejam secundários perante a AFRIPOL e que procurem orientações sobre o que fazer para reforçar o que a AFRIPOL está a fazer.
ADF: Há algo importante que gostaria de acrescentar sobre a AFRIPOL?
DR. SHARIF: Gostaria de enfatizar que o crime organizado transnacional, por definição, não pode ser combatido de forma eficaz por qualquer país sozinho. Os esforços para o combater devem basear-se na cooperação de todos os Estados a nível global. Esta “corrente” de luta contra o crime organizado transnacional apenas é tão forte quanto a sua ligação mais fraca. A AFRIPOL não irá apenas continuar a trabalhar para fortalecer a cooperação entre as agências policiais do continente, mas também com outras organizações semelhantes para a cooperação policial a nível global. Esperamos que esta seja uma visão partilhada a nível internacional.
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