terça-feira, julho 09, 2019

Capacidade de enfrentar a interpelação crítica


Resultado de imagem para elisio macamoO Presidente não esteve bem naquela entrevista.
As jornalistas não fizeram nada que não seja feito por bons jornalistas moçambicanos em Moçambique. O que a entrevista mostrou é uma postura política que nos tem feito muito mal. Não foi Nyusi que a inventou. Ela faz parte da nossa constituição política genética: a hostilidade à interpelação crítica.

Se há alguma coisa em que mais se investiu na política em Moz, a hostilidade à interpelação crítica figura entre as mais mais. Não tem fronteiras partidárias e até faz parte da cultura académica. Ela manifesta-se num instinto que consiste em ter mais interesse em saber que motivações tem a pessoa que critica do que em responder a essa crítica de consciência tranquila. Quando um músico é criticado, ele diz que é inveja; quando um jornal é criticado, ele diz que é perseguição; quando um académico é criticado, ele diz que quem o critica é lambe-botas ou burro; quando um activista é criticado, ele diz que quem critica é pelo sofrimento do povo; quando a oposição é criticada, ela diz que é a mando do poder; quando o governo é criticado, ele diz que é mão externa.

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A hostilidade à interpelação crítica é inimiga da melhoria. Quem se defende da crítica contra-atacando não quer melhorar. O Presidente perdeu muita energia procurando saber as motivações das jornalistas e contra-atacando. Curiosamente, no fim da entrevista, quando as jornalistas tinham terminado e ele sentia que não tinha feito boa figura, ele disse uma coisa que trouxe este problema da hostilidade à interpelação crítica à superfície. Ele disse que lhe tinham dito que a entrevista seria sobre o desenvolvimento e evolução macro-económica, etc., coisas boas, portanto. Sim, foi sobre isso, mas porque ele perdeu o foco a se chatear com as jornalistas não se apercebeu. Cada uma das perguntas que lhe foram colocadas foi uma oportunidade desperdiçada para ele falar sobre essas coisas, reconhecer erros, defender políticas, desenvolver a sua visão de Moçambique. O entrevistado que não se deixa distrair pela crítica controla a entrevista.

Resultado de imagem para nyuse em portugalNo fundo, portanto, aquela entrevista mostrou uma das coisas que vão mal em Moz. Não se cresce sem a capacidade de enfrentar a interpelação crítica. Mas há pior. A aversão à crítica vai de mãos dadas com a recusa de aprender. Por exemplo, uma das melhores perguntas feitas pelas jornalistas foi sobre se haveria algum inquérito para apurar responsabilidades no caso do ciclone. O Presidente chateou-se como, aliás, todos nós nos chateamos em Moz quando nos perguntam se procuramos aprender dos erros. A gente não avalia o desempenho. A gente odeia a ideia de pedir a alguém para avaliar o que foi feito e, a partir daí, formular os passos seguintes. As únicas avaliações que se fazem são aquelas que os doadores iniciam, e pagam. Criou-se, por exemplo, o Gabinete de Reconstrução - dirigido por uma excelente pessoa (devo dizer isto porque naquele estilo tipicamente moçambicano alguém foi lhe dizer que eu não gosto do Gabinete...) sem que, contudo, tivesse sido feita uma avaliação, de preferência por gente longe do governo, do que correu bem e do que correu mal.

Resultado de imagem para nyuse entrevista rdpMesmo a pergunta sobre se haveria algum processo disciplinar contra Chang enquadra-se nesse diapasão. Mais uma vez, o Presidente sentiu-se ofendido quando, na verdade, tinha ali uma oportunidade para dizer o que a Frelimo aprendeu do erro das dívidas ocultas. O seu partido, a partir dos seus altifalantes, prefere diabolizar as figuras mais emblemáticas desse caso, mas não faz aquilo que um partido responsável, maduro e comprometido com o País faria, nomeadamente rever o seu funcionamento, revitalizar-se e seguir mais confiante em frente. Acha que só os fracos reconhecem os erros, portanto, não tem nada a aprender.

A aversão à interpelação crítica imbeciliza. Primeiro, cala a boca aos que dentro do governo podiam ajudar ainda mais. Desde o governo de Chissano, passando pelo do Guebuza até ao de hoje que membros séniores ou gente próxima me diz que considera bem vindas as minhas interpelações críticas porque dessa maneira pode ir na boleia e se a coisa for rejeitada pode recuar sem perder nada... Segundo, essa aversão cria espaço para que ganhem destaque as pessoas que um partido dinâmico menos precisa, nomeadamente aqueles que acham que a sua tarefa é “blindar” o governo. Essas pessoas atrofiam o governo. São inimigas do próprio governo porque não querem que ele seja melhor. É claro que um militante não precisa de se juntar ao coro crítico, mas também pode ficar calado e não defender o indefensável. 

Onde a interpelação crítica é vista como acto de insubordinação e insolência toda a melhoria que houver será por acaso. É muita falta de seriedade.
(Por Elísio Macamo in facebook)

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