José Jaime Macuane, 42 anos,
politólogo, professor na Universidade Eduardo Mondlane, tem escrito sobre
sociedade civil, governação, corrupção e outros temas. É associado da
consultora MAP, centrada na área de gestão pública, governação e
desenvolvimento, que tem como um dos clientes o governo. Doutorado pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Cândido
Mendes, é autor de vários artigos científicos e do livro Governos Locais em
Moçambique: desafios de Capacitação Institucional, em co-autoria com Bernhard
Weimer (2003).
No seu escritório em Maputo, falou
dos desafios da política moçambicana. A conversa tinha como objectivo reflectir
para além do quotidiano e do momento político. Mas em pano de fundo estiveram
os rescaldos do conflito partidário da Frelimo e da Renamo entre 2012 e 2014,
que levou o líder da Renamo Afonso Dhlakama, a regressar à antiga base do
partido na zona da Gorongosa e a anunciar o fim do Acordo de Paz de 1992.
Embora tenha sido anunciado o fim do conflito, as eleições gerais de 2014 foram
contestadas por Dhlakama. Recentemente, o líder da Renamo ameaçou, aliás,
governar à força a partir de 1 de Março as seis províncias onde ganhou.O conflito acordou fantasmas
antigos, sobretudo da guerra civil de 16 anos a seguir à independência,
desencadeada pelos dois partidos, quando Moçambique adoptou um sistema
marxista-leninista liderado pela Frelimo. As primeiras eleições
multipartidárias aconteceram em 1994, vencidas por Joaquim Chissano, que ficou
dois mandatos até 2004. Sucedeu-lhe Armando Guebuza e, em Outubro de 2014,
Filipe Nyusi assumiu o cargo, também pela Frelimo.
Em Moçambique houve descolonização
ou transferência de poder?
Acho que houve descolonização, mas
depende de como a entendemos. O principal desafio depois da independência foi
transformar o estado naqueles elementos mais repressivos representantes do
regime colonial - pelo menos foi o que esteve na retórica política
pós-independência. Transformar em termos da sua função e do seu sentido
instrumental, ou seja: o estado está voltado para quê? O estado
pós-independência tinha como foco, por razões óbvias, ser instrumento de
materialização da auto-determinação dos moçambicanos. Isso na perspectiva
política. Mas se formos olhar para o seu sentido formal em termos da sua
organização, e mesmo da divisão administrativa, a estrutura que herdámos, em
grande medida, tem muito da concepção que existia no estado colonial. Houve
também continuidade, pelo menos nos elementos formais. De tal forma que alguns
dispositivos normativos como o código penal e mesmo as leis da noção pública só
foram reformadas nos últimos 10/20 anos – só no ano passado substituímos o
nosso código penal e só há cinco/seis anos substituímos o nosso código
comercial, e tantas outras leis de administração pública, finanças.
As várias identidades regionais
forjam a identidade moçambicana. Nessa luta de libertação e processo de
independência como é que os partidos trabalharam a questão da identidade
nacional para mobilizar a sociedade civil?
Esta questão da identidade e
diversidade sempre foi muito tensa. Se olharmos para a história, a Frelimo
surge de movimentos que tinham algum cunho regional. Daí que a questão da
unidade nacional seja um assunto recorrente, importava justamente construir a
identidade nacional moçambicana num contexto de diversidade. Essa ideia foi e
tem sido muito presente no discurso político mas tenho sérias dúvidas de que
tenha vingado quando olhamos para o país hoje e para o padrão de voto no
contexto democrático. Ela vingou aparentemente num certo tempo durante o mono-partidarismo.
Sempre foi um discurso de elite e do topo para a base. Havia esta ideia de
matar a tribo para construir a nação – matar ou reduzir o sentimento de
identidade de tribo a favor de uma identidade nacional mais ampla. Isto não deu
certo, tentou-se eliminar um sentimento que nem precisa de ser necessariamente
contrário à ideia de construção de uma nação. Quando eclode a guerra civil e
começa o período multipartidário fomos vendo que esta ideia não desapareceu,
ela volta e hoje vemos de forma tão clara que se reflecte no padrão de votos.
Quando olhamos para o eleitor tipo Frelimo é mais forte na zona Sul, em parte
da zona Norte, em Cabo Delgado, por exemplo, berço da luta armada; a Renamo tem
mais apoio na zona centro e na zona Norte. O MDM (Movimento Democrático de
Moçambique) tem os seus nichos, mas é um pouco mais ambíguo – tem algum apoio
na zona centro e também alguma simpatia do eleitor urbano. É necessário
entender que o eleitor urbano tem grande mobilidade, não se poder dizer se ele
representa alguma região ou grupo étnico. Quando olhamos para o discurso
político, mesmo dentro de alguns partidos como a Frelimo, sentimos que há um
sentimento localista crescente. Este discurso pode ter sido aparentemente
bem-sucedido numa certa fase da história, mas não foi completamente debelado –
o erro foi tentar dicotomizar um sentimento de identidade local, com um
sentimento de identidade nacional. Pode ser possível construir alguma
identidade nacional sem ter que contrapô-la ou eliminar uma identidade local e
o que estamos a sentir hoje, e até certo ponto chega a ser motivo de tensão, é
justamente isto.(In PUBLICO/PT)
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