Todo
o mundo fala de fraude. Fraude eleitoral. Cada nova intervenção que oiço sobre
esta matéria me deixa perplexo em relação à qualidade do nosso debate
intelectual. Começo a ficar com a impressão de que pior do que uma fraude
eleitoral – que não existe, mas a qual se agarram partidos políticos sem
programa claro de actuação política na sociedade e “críticos” desprovidos de
subsídios comprometidos com os méritos das questões – é a fraude intelectual
que se abate com cada vez mais força sobre o país. Houve irregularidades
durante as eleições. Se elas fazem parte dum plano bem sucedido de manter a
Frelimo no poder é uma outra questão para a qual, tanto quanto todas as
evidências mostram, não existe nenhum sustento. A única coisa que reforça a convicção
daqueles que acreditam na “fraude” é apenas o desejo de encontrarem uma
explicação para a sua derrota (ou falta de capacidade no recurso aos
instrumentos jurídicos existentes). É também a falta de integridade intelectual
daqueles que defenderam, no passado recente, posições mal avisadas e que ao
invés de as descartarem procuram a todo o custo proteger.O pior, contudo, é que
no contexto da repetição nauseabunda de “fraude” vai se abrindo espaço para que
as mesmas pessoas que se dizem defensoras da democracia e do estado do direito
fiquem sem argumentos para contrariar atitudes que põem em causa os princípios
por elas defendidos. Há muito que as declarações da Renamo em relação ao
desfecho destas eleições deviam ter alertado a opinião pública pensante para
estar em alerta e pronta para defender o estado direito, sobretudo aquela parte
dessa opinião que no passado recente, por ressentimentos de vária ordem e
ingenuidade política, deu o benefício da dúvida a essa formação cada vez mais
apolítica. O país está a lidar com um partido que se coloca acima da lei –
apesar de se legitimar por se opôr a um partido no poder que acusa de se
colocar acima da lei – e muitos de nós ficamos impávidos e serenos.
Considero
esta incoerência na abordagem dos assuntos políticos nacionais como fraude,
fraude intelectual, onde o debate de ideias e de opções para o país não se faz
mais na base da discussão dos méritos das questões, mas sim na base do que
melhor protege posicionamentos ideológicos dos quais não nos queremos libertar.
O jornal “A Verdade” publicou hoje a reportagem duma entrevista com um
constitucionalista, Gilles Cistac, que se apoia na constituição para dizer que
o desejo da Renamo de governar as províncias onde conseguiu maioria nas últimas
eleições poderia ser acomodado juridicamente sem violar a constituição. Algumas
pessoas interpretam isto como querendo significar que a exigência
anti-democrática – e que não está prevista na lei – feita por este partido é
legítima e que, por isso, pode já se avançar nesse sentido. O desejo de
proteger convicções não permite às pessoas de reflectirem com cuidado – e
seriedade – o alcance destas afirmações, pior ainda quando devemos ter em conta
que o jornal não publicou a entrevista completa, mas apenas excertos que o jornalista
contextualizou a seu bel prazer.Dois problemas bicudos que a seriedade
intelectual exigiria que fossem considerados. Primeiro, se um partido político
não aceita os resultados do pleito com que base lógica aceita apenas onde teve
o maior número de votos (e, atenção, não “ganhou” porque “ganhar” no contexto
da estrutura política do país implica o cômputo nacional)? Já agora, o MDM
também podia exigir “autonomia” para os lugares onde “ganhou” – para usar a
nova terminologia moçambicana – uma vez que isso também não viola a
constituição que permite, segundo o constitucionalista citado, que o legislador
crie unidades autárquicas para cima ou para baixo. Segundo, o facto de uma
medida não entrar em conflito com a constituição não legitima uma reivindicação
feita à revelia dos termos explícitos em que algo aconteceu. Quando muito
mostra que a nossa constituição é um bom documento que dá espaço para a
negociação política. Isto é, é possível fazer trabalho político (e não ameaças
anti-constitucionais) que permita que através do processo político normal se
introduza essa mudança na legislação. É como dizer que já que os estatutos da
federação moçambicana de futebol não descartam explicitamente a possibilidade
de haver campeões nacionais regionais os clubes de futebol que arrecadarem mais
pontos em determinadas regiões podem se declarar campeões dessas regiões. Seria
também um contributo para o futebol local...
Há
com cada ideias na Pérola do Índico... E com cada “debates”.(Eliseu Macamo In
FaceBook)
0 comments:
Enviar um comentário