........... os ladrões nunca explicam os seus actos. No meu país, uma vez
apanhados, os ladrões arranjam alguém que explica os seus actos e omissões, que
passa por ocultar como procederam ao roubo. No meu país, aos ladrões está
garantido o anonimato. O silêncio é um instrumento de culto, um manual que lhes
explica como devem ficar calados até que a memória colectiva se esqueça da
defraudação de que foi vítimas. No meu país, os ladrões instituíram a cultura,
não de negarem o roubo, mas de se mostrarem serenos e tranquilos, depois de
praticarem as suas ilicitudes, como se nada de anormal se esteja a passar, e,
vai daí, que se entretêm à espera das notícias da Televisão e Rádio, que
explicam que eles nada têm a ver com aquilo de que vêm sendo acusados.
No meu país, enquanto o ladrão se fecha em copas, lá surge uma pessoa
supostamente idónea, formada, competente o suficiente para arrumar o assunto,
aligeirando o roubo, numa linguagem que afaste exponencialmente a culpa, e logo
torne uma ilicitude subjectivamente em algo desculpável.Não é que o comum e o
pacato cidadão não saiba da ilusão, da alucinação em que os explicadores do
roubo os levam a embarcar. Por exemplo, o tipo comum do crime público praticado
por ladrões reincide sobre o roubo de votos e de urnas. Desde 1994 até esta
parte, quem é cidadão atento neste país sabe que eles se habituaram,
viciaram-se, se não for no roubo, é no enchimento de urnas.No nosso país,
enquanto a vítima pede explicações do roubo, o ladrão fica na sua surdez
clássica, atrás do presidente da Comissão Nacional das Eleições, atrás da toga
do Presidente do Conselho Constitucional, que são remetidos a disfarçar o
acontecimento, a aligeirar as acusações, a transformar o ladrão em pobre
coitado e a vítima do roubo em bombo da festa. O que é replicado por uma
comunicação social viciada neste tipo de procedimentos com vista a tornar os
ladrões impunes e as vítimas autênticas bestas.
No meu país, passámos à fase de inversão de papéis, pois, depois de os órgãos
competentes justificarem o roubo e garantirem a limpeza e a justeza eleitoral,
lá estão os ladrões a largarem-se para o campo, para mostrarem a sua face
sacrossanta, o seu nacionalismo imaculado, a sua hipocrisia doentia,
embrulhados nos seus fatos de topo de gama. Lá vão eles a passear em seus
carros sumptuosos, com roupa cheirosa e rigorosamente engomada pelos mainatos,
que os aprontaram recorrendo às suas mãos escravas e, ainda assim, mais limpas
do que as desses ladrões protegidos pela imunidade; lá vão, e atabalhoadamente,
com todo o tipo de merenda na bagageira, água mineral importada ou devidamente
trazida da capital. Lá vão disfarçar a sua inocência.
No meu país, os ladrões de votos, que têm a manchete garantida nas primeiras
páginas dos jornais oficiais, conhecem, e bem, o chão, as leis e os cidadãos
que eles pisoteiam com os seus discursos inflamados de ódio, pisoteiam-nos com
os seus calçados de ditadura envernizados com toda a perfeição, e, quanto às
mulheres que participam na mesma empreitada farsante, calçam chinelas e sapatos
com tacão alto que disfarçam e escondem os discursos que lhes foram impostos
desde a Nação, onde o Chefe máximo controla a actuação de cada um deles. Já vão
às bases com um discurso apurado e estudado no laboratório da Nação, onde se
liquefaz o roubo, transformado num bem colectivo, em favor do povo, insuflando
na vítima, sempre alérgica, a “reconciliação nacional”. Os ataques não poupam
alguma franja do mesmo povo hipoteticamente servil, ataques numa verborreia
cínica que os transforma em melhores filhos da terra e obreiros da Pátria, qual
deuses, geniais filhos da Virgem Maria.
No meu país, os coitados são sempre as vítimas, e o povo sofredor, que é
instigado a cantar e a bater palmas sob o olhar cínico e ríspido das estruturas
locais, sempre preparadas para denunciarem aquele que não colabora, sob a capa
de infiltrado ou agente dos seus mandatários defraudados, logo vítimas e tão
iguais no sofrimento. No meu país, são estas mesmas vítimas, silenciadas no
seio do povo, que são o escudo e o albergue da ditadura, as mesmas que eram
instrumentalizadas para responderem em uníssono, no que era posição das chefias
na Nação, a sua lealdade religiosa ao “partido que une e dinamiza o povo”,
repelindo hipoteticamente quaisquer intenções de “conversações com os Bandidos
Armados”, enquanto morríamos directamente das suas balas assassinas.
No meu país, os ladrões violam todo o tipo de leis, acordos, para se
proclamarem vencedores, e, quando descobertos, refugiam-se no dispositivo
superior da Constituição, para garantirem colheitas do furto.Como sempre, o
árbitro que é a CNE não viu nada. O fiscal de linha que seria o Conselho
Constitucional actua como escudo, afina pela surdez clássica para não defraudar
os patrões, que gozam de todo o aparato do Estado. Aquele que deveria garantir
o respeito pela lei escandalosamente violada dá guarida aos ladrões que não só
roubam os votos, mas roubam do erário público, dos recursos naturais e das
doações internacionais. (Adelino Timóteo)
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