domingo, novembro 04, 2012

Cateme: o passado que não passa!

Mahatma Ghandi já dizia que “aquele que não é capaz de se governar a si mesmo, não será capaz de governar os outros”.A sessão de informações ao Governo (na semana passada) veio mais uma vez mostrar que a mentira anda de mãos dadas com a Frelimo e a sua implicação na forma como vamos construindo este País, que se diz albergar um povo que na língua de uns teima em ser “maravilhoso”, muito em função da sua generosidade em proporcionar aos políticos, principalmente aos que estão no poder, uma vida muito folgada sem precisarem de trabalhar. Mas cá por mim é um exercício de pura demagogia da nossa parte esperar um debate político de qualidade com gente, regra geral, de má qualidade.Quando o primeiro-ministro, Alberto Vaquina, foi estrear-se no parlamento aquando das informações do Governo, solicitadas pelas bancadas parlamentares, houve uma tremenda coincidência. Enquanto Vaquina falava de Cateme, eu estava em Cateme e escutava o debate em directo.Escutei o ministro a dizer – o que aliás acabou por ser reproduzido por todos os órgãos de comunicação social – que a vida da população de Cateme não tem comparação com qualquer outro povoado de Tete; Em Cateme há casas melhoradas; Em Cateme vive-se bem; Que em suma a população de Cateme anda feliz da vida porque o Governo de que Vaquina é primeiro-ministro e ex-governador salvou-o.Ouvi isso enquanto conversava com um casal com três filhos que lamentava para mim o “inferno” que vivem naquele deserto chamado Cateme. Lamentavam que não tinham nada para comer porque em Cateme nada se produz e o terreno é composto por rochas e pedras. Lamentavam que quando foram obrigadas a abandonar as suas terras nem tiveram tempo de levar o gado que tinham. Lamentavam que em Cateme nada fazem, se não sentir calor e dormir, de resto, únicas actividades possíveis, naquele deserto propositadamente edificado.Pessoalmente sempre quis ter uma noção muito aproximada daquilo que a bíblia tem descrito como inferno, em contraposição ao paraíso. Gostaria de saber como é que era o tal de inferno para onde, segundo a sagrada escritura, é enviado quem é dado todas as oportunidades de arrependimento pelas suas transgressões, mas não o faz por mera negligência. Não precisei de morrer. Tive apenas de ir a Cateme.Confesso que de Cateme só tinha ouvido falar e visto fotografias horripilantes de cidadãos indefesos torturados pela Polícia Política, a FIR. Mas desta vez já não era um texto que eu tinha de editar ou dar-lhe enquadramento. Era a fotocópia do inferno que me era dada para fiscalizar e confirmar-lhe a autenticidade. E a honestidade empurrou-me ao óbvio: Era verdadeiro. Era a triste realidade de Cateme que estava diante dos meus olhos.Assim como nos contos infernais não se trata do núcleo das chamas ardentes sem caracterizar-lhes o percurso até lá, nesta crónica não cometeremos o erro de redacção básica, de falar do fim sem tratar o percurso. A ida a Cateme, aliás, a descida ao inferno, tem o seu aviso à navegação na rica vila (município) de Moatize. São certinhos 50 quilómetros até lá. Faltando 15 minutos para lá chegar um incomum posto policial de controlo chama a atenção. Dois agentes da Força de Intervenção Rápida (a polícia política), um agente da Polícia de Trânsito, e dois agentes da Polícia de Protecção. Mude de raciocínio se estiver a pensar que te vão pedir a carta de condução, a ficha de inspecção, o comprovativo da taxa de radiodifusão, BI ou qualquer outra burocracia que só a corrupção institucionalizada da polícia pode explicar. Nada disso. Querem, mais é, saber se vais a Cateme e o que lá vais fazer e a mando de quem?  Como eu estava com um alto funcionário do Estado a nível provincial, deixaram-me seguir a viagem. Pelo caminho só via pedras, numa zona praticamente sem condições de habitabilidade. A entrada para Cateme tem uma placa que anuncia o reassentamento. Foi aí que comecei a perceber afinal porquê é que os governantes fazem das tripas o coração, para defender a “invejável” qualidade das obras em Cateme. É que quem construiu as precárias casas de Cateme é a Empresa de Construção Civil Ceta, uma firma ligada ao presidente da República e do partido Frelimo. Mas facto é que as casas de Cateme, construídas pela Ceta, não são casas, algumas são guaritas onde vivem até cinco pessoas. Para quem conhece Tete é só imaginar como é que pode um indivíduo viver numa guarita coberta de chapas de zinco com a temperatura a atingir os 45 graus. O casal com que falei pondera a possibilidade de deixar aquele deserto à procura de terras de cultivo onde podem erguer uma cabana melhor que as casas construídas pela empresa do chefe.Em Cateme não há transporte. Foi-me informado que o único meio de transporte que lá existia pertencia a Vale que o retirou logo que o Governo começou a aplaudir o reassentamento.O hospital, a escola e o posto policial construídos em Cateme não substituem o deserto que aquilo é. Não substitui a comida que a população quer. Não substitui o gado que a população criava e vendia para o seu sustento. Não lhes substitui a autonomia e dignidade humana.Portanto, entendo quando o primeiro-ministro diz que Cateme vai às mil maravilhas. Sei que nem o senhor acredita nisso. O mandaram assim dizer, porque é proibido dizer o contrário no partido. Se é que o primeiro-ministro foi governador de Tete e já foi a Cateme, sei que sabe que tudo o que disse no parlamento é mentira. Mentiu porque o instruíram a mentir para não continuar a ser um simples médico num desses distritos, onde quem tem água potável é o administrador e o primeiro secretário do partido. Sei que conhece o inferno que a população de Cateme vive, muito por culpa da aliança Frelimo/Vale. Aquele que não é capaz de se governar a si mesmo (ser honesto, falar verdade, discordar com o errado), não será capaz de levar a verdade aos outros.Quanto aos deputados principalmente da oposição – porque os da Frelimo o contrário não se podia esperar – não fizeram o trabalho de casa. Se calhar nem conhecem Cateme. Quando se fala de trabalho de círculo eleitoral os deputados vão às barracas beber ou preferem levar os filhos às praias num daqueles famosos Nissan Navara que o povo, incluindo a população de Cateme, pagou. E quando assim é, só vão ao parlamento levantar o cartão de voto e esperar pelo salário no fim do mês, atitude que no fundo em nada difere da dos que levaram a homens, mulheres e crianças, sem direito à escolha e foram jogar num inferno chamado Cateme. A diferença é que uns estão no poder e outros na oposição. (M. Guente)

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