Seria totalmente desonesto partir do princípio de que o actual Presidente de Moçambique herdou uma situação fácil. Desonesto e injusto. Ele tornou-se Presidente na pior altura. Eu dei o meu apoio a ele das duas vezes que se candidatou.
Não me arrependo. Não o fiz por estar convencido
de ele ser a pessoa certa. Fi-lo por confiar na qualidade do partido em nome do
qual ele se candidatou e, também, por achar que não havia na oposição nada
melhor. Mas que a sua missão ia ser difícil sem a devida experiência política,
isso sempre esteve claro para mim.
Por causa disso, eu não o posso julgar pelas omissões
e erros dos seus antecessores. Julgo-o pelo que está a fazer. E ao fazer isso,
não coloco como critério de desempenho o alcance de resultados impossíveis para
quem tem que agir no contexto em que ele tem de agir. Coloco como critério de
desempenho o que ele está a fazer – e ao dizer ele, refiro-me também ao partido
que ele dirige – para criar condições que lhe permitam trabalhar. E nisso há
muito pouco que se diga em seu abono.
Começando pelo fiasco da “paz definitiva” (que só não
está pior porque Dhlakama morreu) – que incluiu uma descentralização em
contramão da democracia – passando pela perplexidade em torno da prevenção da
Covid-19 (com uma insistência doentia na repressão ao invés de promover a criação
de condições para que as pessoas se protejam) até à grande nôdoa que é Cabo
Delgado (anos sem informar à nação, tomada de decisões de peso – como a
contractação de mercenários sem aval dos representantes do povo – fraco
trabalho diplomático na região – com danos que se podem revelar grandes para as
nossas relações com a RSA, Tanzânia e Zimbabwe) a sua governação tem sido
marcada pela perplexidade. E repito: a crítica vale para todo o partido,
sobretudo para a Comissão Política que é o órgão que tinha a obrigação de o
amparar dada a sua inexperiência.
Nunca governei, nem nunca governarei.
Mas estudo a governação e, por isso, posso opinar com segurança.
O principal desafio de governação, sobretudo em países como os nossos, não consiste na resolução de problemas.
Consiste na criação de condições para que os problemas sejam
resolvidos. É este critério que precisa de ser observado na avaliação do seu
desempenho em relação a Cabo Delgado.
Sabendo do estado das nossas FDS (e ele foi ministro
da defesa), sabendo da falta de recursos, sabendo das tensões que lá existiam,
etc. o que ele e o seu governo fizeram para que estivéssemos em melhores
condições de lidar com o problema? Sabendo que o problema ia se agravando,
porque não procurou galvanizar a sociedade informando-a com transparência e
consultando os seus representantes no Parlamento? Sabendo das fragilidades do
Estado a vários níveis, fragilidades essas que podem ter contribuído para que o
problema piorasse, o que fez para procurar consertar isso? Sabendo de vários
pesquisadores mozes que no meio da hostilidade das FDS e dos bobos da corte iam
estudando o problema, o que fez para os ouvir e para colher deles ideias novas
sobre como melhor lidar com o problema?
Não colocar estas questões, ou pensar isso baixinho
por receio de ferir susceptibilidades ou, pior, procurar identificar motivações
obscuras naquele que coloca as questões (“ah, é Guebuzista”, “ah não gosta de
Makondes”, “ah, tem mania de que sabe tudo”, “ah, odeia o Presidente”, “ah,
esses ‘intelectuais’”, “ah, não-sei-quantos”...) é perder tempo com
futilidades. E é o recurso a essas futilidades que nos impede de fazer melhor.
Pior: é tentar proteger a mediocridade para nivelar por baixo o grande País que
Moz é.
Repito: quando 1000 pessoas dum País que cabe 30 vezes no nosso resolve em duas semanas um problema que não resolvemos em quatro anos, é profundamente anti-patriótico achar que haja motivo para festejar.
Não há. Temos que nos questionar.
Temos que questionar a qualidade da liderança (e isso inclui toda a cúpula do partido e do governo).
Temos que questionar a nossa
atitude em relação ao País que é de todos nós. Não podemos cair na complacência
porque não há nenhuma razão para tal.
Questionar não significa não estarmos aliviados pelo
facto de os ruandeses terem feito o nosso trabalho por nós. É também uma
maneira de respeitar os mozes que sofrem lá em Cabo Delgado, abandonados à sua
sorte por um governo que sabe que sempre haverá quem vai compreender que não
tenha feito melhor. Não importa o que Samora, Chissano ou Guebuza não fizeram,
ou fizeram mal. Importa como nós hoje nos erguemos à medida do desafio.
Vimos aquela holandesa nos Jogos Olímpicos que caiu,
levantou-se, continuou a correr e ainda ganhou a corrida. Se fosse Moze teria
feito sorna por saber que toda a gente ia compreender. Com este tipo de postura
que temos, os egípcios nunca teriam construído as pirâmides por falta de
andaimes...
(De Elisio Macamo)
0 comments:
Enviar um comentário