sexta-feira, fevereiro 05, 2021

Nyusi herdou um país afundado

O economista João Mosca considera que o Governo liderado por Filipe Nyusi não tem capacidade para responder aos desafios económicos, sociais e políticos que se impõem ao país, agravados pelas políticas monetárias do Banco de Moçambique (BM) desajustadas à realidade actual de Moçambique.

Analisando os desafios do ano em curso, João Mosca diz ser cada vez mais notável a incapacidade do Governo, mesmo em sectores nos quais cabe uma resposta interna. “As políticas monetárias do Banco de Moçambique (BM) estão desajustadas ao contexto actual, o que estrangula a economia, provocando mais dificuldades no desempenho do sector privado, mais desemprego e deficiência na manutenção de produção interna, ou seja, estamos num círculo de pobreza prolongada”, elucidou Mosca. De acordo com o economista, espera-se um aumento da pobreza e do desemprego, e consequentemente o poder continuará distante do cidadão. Mosca não é optimista em relação a 2021, usando como base os vários fenómenos observáveis a olho nu, sendo que alguns desses desafios arrastam-se desde o primeiro mandato de Filipe Nyusi. “Em 2020 a riqueza produzida foi menor que em 2019, embora este ano existam estimativas optimistas do Executivo em relação ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mas na prática o país não possui elementos que sustentam o alegado optimismo para 2021. O crescimento económico vai continuar a cair negativamente, havendo menos riqueza produzida, comparando com 2020”, rematou a fonte. O economista disse ainda que o país está num círculo de pobreza prolongada, embora haja optimismo em relação ao crescimento do PIB, mas depois de seis meses de crescimento negativo poderá considerar-se uma crise económica. No entanto, Mosca não consegue ser optimista perante esta realidade. João Mosca critica as políticas monetárias do BM quando aumenta a taxa de juros, o que considera uma decisão não ajustada, pois só irá agravar ainda mais a situação do país, tornando o dinheiro mais caro, levando a menos produção, mais dificuldades para o Estado em relação à dívida pública, menos receitas para o Estado, menos emprego e rendimento para as famílias, empurrando o cidadão à pobreza generalizada. “Existe medo em relação à inflação, porque o FMI diz que a inflação em Moçambique não pode passar de 5%, mas a inflação não se come, se deixarem correr a inflação até 7,8 ou 9%, que é perfeitamente controlável e recuperável num curto prazo de tempo, a economia respirava um pouco, as empresas respiravam, incluindo os trabalhadores e empregados, mas isto não está a acontecer porque as políticas monetárias estão a estrangular a economia e a aprofundar a crise económica de Moçambique”, afirmou o economista. Mosca considera que o Estado é incapaz de suportar a crise sem recursos, avançado que a comunidade internacional continua retraída no sentido de apoiar o país, manchado por actos de corrupção endémica, além de que à semelhança dos parceiros de cooperação, estes ressentem-se da crise económica nos seus países. “Embora tenham chegado quase 450 milhões de dólares para o apoio à Covid-19, até agora só fomos capazes de gastar a metade, e dentro desta metade já começa a haver desvios de aplicação, para além de que quem está a aproveitar-se desta riqueza são as empresas adjudicadas a certa actividade e que quase todas elas são dos chefes, na medida em que não há concurso público”, aponta Mosca.

Num outro desenvolvimento, João Mosca referiu que a crise a que os moçambicanos estão sujeitos agudizou-se com a descoberta do maior escândalo financeiro na história do país. No entanto, Mosca diz que é inevitável um colapso nos vários sectores da sociedade, uma vez não existir capacidade de organização e de intervenção efectiva, a exemplo de fundos para apoiar as empresas em dificuldades, cidadãos cada vez mais desempregados, o comércio informal que vê os seus rendimentos a baixar e a pobreza que aumenta. Para o economista, Nyusi herdou um país afundado, desde a dívida externa, dívidas ocultas, retracção de investimento, retracção da cooperação do apoio ao Estado a projectos de que o país é dependente. Portanto, herdou uma situação de corrupção endémica em geral, herdou um Estado quase que inoperante, para além dos conflitos em Cabo Delgado que o próprio Nyusi assumiu em público que o Governo já sabia do fenómeno em 2012, entretanto, nada foi feito no terreno. A fonte disse que definitivamente a situação da Covid-19 veio agravar mais o custo de vida dos moçambicanos, sobretudo o grupo dos mais pobres, gerando assimetrias entre pobres e ricos, estes últimos que aparecem com outras possibilidades e capacidades de alimentação e de saúde. “O BNI teve algum dinheiro para apoio, mas não serviu para grande percentagem das empresas, o dinheiro para as famílias desempregadas e mais pobres é muito baixo, e mesmo este foi interrompido porque depois existiu desorganização na distribuição às famílias, porque também não houve levantamento sério das pessoas que devem realmente receber. A situação é dramática, não vamos pensar que vamos vencer a crise em 2021”, afirmou o director do Meio Rural.

Há poucas chances de resolver a crise mas pode-se solucionar alguns problemas pontuais Por outro lado, Mosca disse que as decisões e medidas que devem ser tomadas não dependem só do Governo de Nyusi, mas do contexto internacional, referindo- -se de forma elucidativa à situação militar em Cabo Delgado. Segundo ele, há factores externos ao conflito, sendo por isso que Moçambique não pode resolver sozinho o problema, lamentando, no entanto, o conflito na zona Centro do país, que embora seja de natureza interna e com muitas chances de resolução nada é feito. “Fala-se pouco desta zona mas é uma situação de conflito muito sério, porque nesta zona temos uma linha férrea que vai até ao Zimbabwe, Malawi, a estrada Sul/Norte e vice-versa, e temos ainda a estrada Beira/Machipanda – Zimbabwe, e se esta instabilidade se mantiver significa que o circuito de pessoas e mercadorias complica-se cada vez mais, os custos de transporte aumentam por causa dos riscos na estrada”.

Falando da exploração de recursos naturais, o economista disse ter dúvidas se a exploração do gás a acontecer em Cabo Delgado não seja mais um caso semelhante à situação da Vale, olhando para a tendência de redução do consumo do gás no mundo, como resposta ao chamamento da necessidade de redução de combustíveis inimigas do ambiente, para além de que o preço do gás também tende a baixar significativamente no mercado internacional. Um outro factor apontado por Mosca como sendo negativo associa-se à pretensão da Total em construir uma fábrica de liquefacção numa das suas ilhas francesas (Mayotte), o que poderá reduzir as exportações, as mais-valias e impostos advindos da fábrica. “Isto tudo tem implicações nos nossos recursos. A Total já disse que vai fazer a sua fábrica de liquefacção numa das ilhas francesas e o nível de investimento externo em Moçambique vai decair muito, não só por causa do gás, mas por causa de outras actividades económicas. Também significa que não entra dinheiro, a nossa balança de pagamentos vai sofrer, isto é, vamos exportar menos a preços mais baixos e vamos importar mais a preços mais altos, e mais uma vez vai agravar as condições dos mais pobres”, disse a fonte. Mosca sublinhou que a Vale está sendo pressionada a abandonar a exploração de recursos naturais fósseis que são altamente poluentes, em que os países são obrigados a eliminar gradualmente as fontes energéticas poluentes para as energias renováveis. Para Mosca, “o carvão ocupa o segundo maior produto exportado em Moçambique, depois do alumínio, no entanto, a produção da Vale não trouxe benefícios significativos para o Orçamento do Estado e, paralelamente, o processo de reassentamento foi sempre problemático. Durante os 10 anos, a empresa foi criticada sobre os processos da população reassentada e aquela que se encontrava à volta da exploração do carvão. Moatize e outros distritos constituem as zonas mais pobres da província de Tete”. De acordo com João Mosca, o Estado moçambicano foi incapaz de impor medidas de redução da pobreza, de responsabilidade social, de apoio às famílias afectadas, reduzir os efeitos ambientais, pelo que decorridos 10 anos de exploração daquele minério persistem as maiores desigualdades e mais pobreza nas comunidades, além de estudos que denunciam índices consideráveis de pessoas com problemas graves de saúde, dado o nível de poluição que envolveu o processo de exploração, desde a poluição do ar e/ou ambiente, do solo, da terra, entre outros males.

 

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