Quando a Renamo pegou de novo em armas em 2013 e pôs em causa os acordos de paz de 1991 com o governo de Moçambique, o académico Lourenço do Rosário acabou por ser no ano seguinte o mediador entre Afonso Dhlakama e o presidente Armando Guebuza, por indicação de ambos, o que mostra a influência que tem esta personalidade independente doutorada por Coimbra em Literaturas Africanas.
Situação
em Cabo Delgado continua a deteriorar-se ou forças governamentais moçambicanas
já estão a conseguir impor-se no terreno?
Neste momento estamos a atravessar o período das chuvas sazonais em Moçambique, o que de certa forma, em termos militares, faz que notícias sobre eventuais combates no terreno tendam a diminuir, por causa da mobilidade das forças no terreno. Por outro lado, há um discurso oficial dos dirigentes das forças de Defesa e Segurança da República de Moçambique que nos dá notícia de alguma estabilização em alguns distritos até há pouco críticos. Pessoalmente, considerando as narrativas que se produzem à volta de um problema como o do terrorismo em Cabo Delgado, considero ser importante objetivamente reparar no seguinte: o distrito de Mocímboa da Praia continua ocupado pelos terroristas, os funcionários públicos têm-se manifestado contra as exigências do governo para o regresso aos postos de trabalho nos distritos que as autoridades consideram fora do perigo terrorista e as populações deslocadas estão a ser reassentadas em outros distritos da própria província de Cabo Delgado, mas também nas províncias de Niassa, Nampula e Zambézia. Estes são dados que não devem ser ignorados para a situação crítica que a província vive e que não pode de forma alguma levar-nos a olhar para a narrativa oficial como sendo uma narrativa objetivamente absoluta.
Quem
são estes jihadistas? São moçambicanos, estrangeiros ou congregam gente do país
e gente de fora?
Os estudos efetuados no terreno mostram que os integrantes dos grupos terroristas são, por um lado, moçambicanos jovens que por várias razões aderiram à radicalização, supostamente islâmica, mas que por detrás também por questões de ordem económica e social perante as imensas riquezas que a província de Cabo Delgado possui, nomeadamente florestas, minérios e ultimamente gás e petróleo e a frustração das expectativas construídas pelo discurso oficial, ao longo dos tempos e que não se efetivou. Estes jovens construíram expectativas de serem integrados na cadeia de valores, na exploração dessas imensas riquezas. Não tendo sido contemplados adequadamente, foram absorvidos pela economia de garimpo ilegal. As autoridades ao tentarem regularizar o sistema económico da província atuaram com medidas altamente repressivas, o que provocou um generalizado sentimento de revolta. Por outro lado, a necessidade de concessão de terras às grandes companhias de exploração de gás e petróleo provocou um conflito no processo de reassentamento das populações. Tudo isto tornou o ambiente da província de Cabo Delgado altamente tóxico e explosivo. Assim, acredito que as forças estrangeiras encontraram um terreno fértil para desenvolverem as suas atividades de incremento do terrorismo internacional. Considerando a evolução da perícia militar que os terroristas demonstraram em três anos, de outubro de 2017 até ao final de 2020, acredito que estes jovens moçambicanos tiveram de ser treinados, enquadrados e financiados por forças estrangeiras.
As riquezas naturais de Cabo Delgado são um mito ou são mesmo realidade e explicam a cobiça por trás da violência dos últimos meses?
Cabo Delgado faz parte de um território que antes da sua colonização já integrava uma região altamente instável e conflituosa, conhecida por Costa Suaíli, que vai desde o corno de África até ao sul da província de Nampula. A Costa Suaíli, ao longo da história, foi sempre um território de vários tráficos: marfim, escravos e recursos naturais. Muitas crónicas relatam, mesmo antes da chegada dos portugueses, factos que demonstram a instabilidade desta região. Por isso, não é de estranhar que este território esteja referenciado internacionalmente como sendo detentor de grandes riquezas que interessam ao tráfico internacional - madeira, caça furtiva, droga, armamento, escravatura moderna, etc.
Vê
condições para uma solução que perdure no tempo e defenda as populações? A
oferta agora do presidente Filipe Nyusi de proteção aos jovens que abandonarem
os grupos violentos pode ser o início do fim do problema?
O governo de Moçambique tem ensaiado várias alternativas de solução para o problema da instabilidade na província de Cabo Delgado. Naturalmente que o atraso na perceção da gravidade da situação faz que os passos que o governo tenta dar sejam considerados uma corrida contra o prejuízo. Não havendo um interlocutor identificado para com ele encetar um diálogo e tentar perceber as razões que estão por detrás desta violência, torna-se difícil saber quem são os destinatários dos vários pronunciamentos do presidente da República. Contudo, o governo possui dados suficientes, quer do ponto de vista da inteligência militar, quer do ponto de vista da operacionalidade das forças militares, quer do ponto de vista social e económico, para poder traçar uma estratégia mais consistente que possa, a prazo, dar início à diminuição da alta conflitualidade que neste momento se vive na província. As ofertas que o presidente Nyusi dá, de proteção aos jovens que abandonarem os grupos violentos, pode ser o indício de que alguma estratégia está a ser pensada ao mais alto nível da governação de Moçambique.
É
desejável o envio de tropas estrangeiras para Cabo Delgado ou até pode ser
agravante do conflito?
Todo o envio de tropas estrangeiras para um determinado país que enfrenta dificuldades militares tem de ser lido de diversas formas: primeiro, o país quando pede ao estrangeiro o envio de militares, significa que reconhece a sua incapacidade de resolver o problema; segundo, a presença de tropas estrangeiras num determinado território mitiga a soberania nacional e, muitas vezes, acaba por se tornar um elemento que, em vez de resolver, pode agravar a instabilidade; terceiro, os pedidos de auxílio militar podem ser bilaterais ou multilaterais. Os bilaterais têm o ónus da submissão operacional do exército nacional ao exército do país que vem ajudar, o que não é bem aceite pelos exércitos nacionais.
Os multilaterais são geralmente enquadrados pelo agrupamento dos países da região ou pela Organização das Nações Unidas ou mandatários de outras organizações internacionais que aceitam auxiliar o país que solicita auxílio. Contudo, o carácter multifacetado das forças multilaterais não tem surtido efeitos positivos no que diz respeito às questões operacionais e a presença de tropas estrangeiras num território produz danos duradouros. Por isso, Moçambique tem demonstrado grande cautela na questão do pedido de auxílio internacional, para evitar consequências nefastas a posteriori. Isto não quer dizer que, se vier a considerar que as suas forças de defesa e segurança por si sós não são capazes de conter e vencer o terrorismo na província de Cabo Delgado, possa descartar de todo um pedido de auxílio militar internacional.
Moçambique,
país muito alongado e com a capital no extremo sul, é frágil perante
separatismos ou a luta de libertação nacional deixou um sentimento de unidade à
prova de tudo?
O que está
em causa na insegurança de Moçambique, no norte e no centro, não são questões
de natureza separatista. Paradoxalmente, apesar de Moçambique ter um território
de configuração geográfica complicada e possuir dentro do seu território uma
população composta de muitas etnias e muitas línguas, a sedimentação do
sentimento de unidade nacional, desde o processo da Luta de Libertação Nacional
e do período revolucionário que desencadeou a guerra civil de 16 anos, tem
vindo a demonstrar que o separatismo não é uma questão a considerar perante a
insegurança e os conflitos que decorrem neste momento em Moçambique.
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