Digníssima Procuradora-geral da República de Moçambique
Maputo, 24 de Fevereiro de 2021
Assunto: Campanhas de ameaças, de assassinato de carácter e de incitação ao ódio à intolerância contra defensores dos direitos humanos, activistas sociais, académicos, organizações da sociedade civil e media independentes.
A situação dos direitos humanos e do Estado de Direito Democrático está cada vez mais ameaçada devido à prática recorrente de discursos de assassinato de carácter e de incitação ao ódio e à intolerância contra aqueles que, no uso das liberdades de expressão e de imprensa consagrados na nossa Constituição da República, interpelam criticamente os sinais de má governação, de abuso de poder e/ou de autoridade e denunciam a violação de direitos humanos e actos de corrupção. O discurso de ódio é difundido com recurso às redes sociais e consiste fundamentalmente em ameaças explícitas, injúria, difamação e perseguição aos académicos, defensores dos direitos humanos, activistas sociais, jornalistas, órgãos de comunicação social independentes e organizações da sociedade civil. A recorrente incitação ao ódio e à intolerância é liderada por pessoas bem identificadas, algumas próximas à Sua Excelência Senhor Presidente da República, como é o caso dos senhores Egídio Vaz e Elísio de Sousa, e outras com funções relevantes na Administração Pública, sendo disso exemplos o Presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Parques de Ciências e Tecnologias, Julião Cumbane, e o Presidente da Comissão Central de Ética Pública, Gustavo Mavie. Estranhamente, os autores desses discursos nunca são alvos de procedimento criminal por parte do Ministério Público, muito menos de condenação pública por parte da Sua Excelência Senhor Presidente da Republica, na qualidade de mais alto magistrado da Nação e de garante da Constituição da República de Moçambique.
O silêncio e a inacção dos órgãos da Justiça perante graves violações dos direitos e liberdades fundamentais concorrem para a institucionalização da impunidade e do clima de medo na esfera pública moçambicana. Convém lembrar, Senhor Presidente da República, que num passado recente discursos de incitação ao ódio à violência culminaram com assassinatos e agressões de académicos e activistas sociais, incluindo detenções arbitrárias, que nunca foram cabalmente esclarecidos pelos órgãos da Justiça. O assassinato bárbaro e cobarde do Constitucionalista e Professor Catedrático Gilles Cistac, em Março de 2015, o rapto e as acções de tortura do Professor Jaime Macuane (em Maio de 2016) e do jornalista Ericino de Salema (Março de 2018) constituem exemplos inequívocos das vítimas de ódio e intolerância. Aliás, as acções dos chamados “Esquadrões da Morte” – efectivos das Forças de Defesa e Segurança destacados para silenciar vozes críticas à governação do País, representam o culminar da campanha de incitamento ao ódio e à violência iniciada nas redes sociais por pessoas bem identificadas.
Neste momento, o Professor Hélder Martins, médico e antigo Ministro da Saúde que pediu demissão da Comissão Técnico-Científica para a Prevenção e Combate à Pandemia da CO-VID-19 em Moçambique, está a ser vítima de uma campanha de assassinato de carácter, de incitamento ao ódio e à intolerância, liderada por pessoas próximas a si, Senhor Presidente da República, e outras com cargos relevantes na nossa Administração Pública. “Era uma vez um velho branco, caduco e complexado, que queria brilhar mais do que os pretos na sua própria terra de origem. (Falei do nome de ninguém)”. Esta publicação feita no facebook por Julião Cumbane é apenas um exemplo de tantas outras que fazem parte da campanha contra o Professor Hélder Martins, simplesmente porque ele emitiu a sua opinião no exercício dos seus direitos e liberdades constitucionais. Importa lembrar que defensores de direitos humanos e activistas sociais como o então Bispo da Diocese de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, a jornalista e pesquisadora Fátima Mimbire, o jornalista Fernando Lima, só para citar alguns exemplos, também foram alvos da campanha de ódio e de ameaças explícitas. O incêndio por fogo posto às instalações do Canal de Moçambique e os ataques reiterados às organizações da sociedade civil (Centro de Integridade Pública) e aos media independentes também se inscrevem na longa lista dos alvos a abater.
Essas práticas de incitação ao ódio, à violência e à intolerância contra defensores de direitos humanos, activistas sociais, académicos, organizações da sociedade civil e media independentes que interpelam criticamente os sinais de má governação no País não de-vem prevalecer num Estado de Direito Democrático e de justiça social, como é o caso de Moçambique. Devido à gravidade da situação, a Rede Moçambicana de Defensores dos Direitos Humanos (RMDDH) apela à intervenção urgente tanto do Excelentíssimo Senhor Presidente da República de Moçambique quanto da Digníssima Procuradoria-Geral da República para a reposição da legalidade e a responsabilização das pessoas envolvidas nas campanhas de incitação ao ódio, à violência e à intolerância na esfera púbica moçambicana. Mais ainda, a RMDDH gostaria de solicitar uma audiência com o Excelentíssimo Senhor Presidente da República e com a Digníssima Procuradora-Geral da República para abordar estas questões a bem do Estado de Direito e Democrático, da justiça, da segurança e da ética pública.
O Representante da RMDDH
Prof. Doutor Adriano Nuvunga
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