sexta-feira, fevereiro 26, 2021

Espaço e paciência para com a tolerância


Digníssima Procuradora-geral da República de Moçambique

 

Maputo, 24 de Fevereiro de 2021

Assunto: Campanhas de ameaças, de assassinato de carácter e de incitação ao ódio à intolerância contra defensores dos direitos humanos, activistas sociais, académicos, organizações da sociedade civil e media independentes.

A situação dos direitos humanos e do Estado de Direito Democrático está cada vez mais ameaçada devido à prática recorrente de discursos de assassinato de carácter e de incitação ao ódio e à intolerância contra aqueles que, no uso das liberdades de expressão e de imprensa consagrados na nossa Constituição da República, interpelam criticamente os sinais de má governação, de abuso de poder e/ou de autoridade e denunciam a violação de direitos humanos e actos de corrupção. O discurso de ódio é difundido com recurso às redes sociais e consiste fundamentalmente em ameaças explícitas, injúria, difamação e perseguição aos académicos, defensores dos direitos humanos, activistas sociais, jornalistas, órgãos de comunicação social independentes e organizações da sociedade civil. A recorrente incitação ao ódio e à intolerância é liderada por pessoas bem identificadas, algumas próximas à Sua Excelência Senhor Presidente da República, como é o caso dos senhores Egídio Vaz e Elísio de Sousa, e outras com funções relevantes na Administração Pública, sendo disso exemplos o Presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Parques de Ciências e Tecnologias, Julião Cumbane, e o Presidente da Comissão Central de Ética Pública, Gustavo Mavie.   Estranhamente,  os  autores  desses  discursos nunca são alvos de procedimento criminal  por  parte  do  Ministério  Público,  muito  menos de condenação pública por parte da Sua  Excelência  Senhor  Presidente  da  Republica, na qualidade de mais alto magistrado da  Nação  e  de  garante  da  Constituição  da  República de Moçambique.

O silêncio e a inacção dos órgãos da Justiça  perante  graves  violações  dos  direitos  e  liberdades  fundamentais  concorrem  para  a  institucionalização  da  impunidade  e  do  clima  de  medo na esfera pública moçambicana.   Convém  lembrar,  Senhor  Presidente  da  República, que num passado recente discursos de incitação  ao  ódio  à  violência  culminaram  com  assassinatos  e  agressões  de  académicos  e  activistas sociais, incluindo detenções arbitrárias, que  nunca  foram  cabalmente  esclarecidos  pelos órgãos da Justiça. O assassinato bárbaro e cobarde  do  Constitucionalista  e  Professor  Catedrático  Gilles  Cistac,  em  Março  de  2015,  o  rapto  e  as  acções  de  tortura  do  Professor  Jaime Macuane (em Maio de 2016) e do jornalista Ericino de Salema (Março de 2018) constituem exemplos inequívocos das vítimas de ódio e intolerância. Aliás, as acções dos chamados “Esquadrões da  Morte”    efectivos  das  Forças  de  Defesa  e  Segurança destacados para silenciar vozes críticas à governação do País, representam o culminar da campanha de incitamento ao ódio e à violência iniciada nas redes sociais por pessoas bem identificadas.

Neste momento, o Professor Hélder Martins, médico e antigo Ministro da Saúde que pediu demissão da Comissão Técnico-Científica para a  Prevenção  e  Combate  à  Pandemia  da  CO-VID-19  em  Moçambique,  está  a  ser  vítima  de  uma  campanha  de  assassinato  de  carácter,  de  incitamento  ao  ódio  e  à  intolerância,  liderada  por  pessoas  próximas  a  si,  Senhor  Presidente  da  República,  e  outras  com  cargos  relevantes  na nossa Administração Pública.  “Era  uma  vez  um  velho  branco,  caduco  e  complexado,  que  queria  brilhar  mais  do  que  os  pretos  na  sua  própria  terra  de  origem.  (Falei do nome de ninguém)”. Esta publicação feita  no  facebook  por  Julião  Cumbane  é  apenas  um exemplo de tantas outras que fazem parte da  campanha  contra  o  Professor  Hélder  Martins, simplesmente porque ele emitiu a sua opinião no exercício dos seus direitos e liberdades constitucionais.  Importa  lembrar  que  defensores  de  direitos  humanos e activistas sociais como o então Bispo da Diocese de Pemba, Dom Luiz Fernando Lisboa, a jornalista e pesquisadora Fátima Mimbire, o jornalista Fernando Lima, só para citar alguns exemplos,  também  foram  alvos  da  campanha  de ódio e de ameaças explícitas. O incêndio por fogo posto às instalações do Canal de Moçambique e os ataques reiterados às organizações da sociedade civil (Centro de Integridade Pública) e aos media independentes também se inscrevem na longa lista dos alvos a abater.

Essas práticas de incitação ao ódio, à violência e à intolerância contra defensores de direitos humanos, activistas sociais, académicos, organizações da sociedade civil e media independentes que interpelam criticamente os sinais de má governação no País não de-vem prevalecer num Estado de Direito Democrático e de justiça social, como é o caso de Moçambique. Devido à gravidade da situação, a Rede Moçambicana de Defensores dos Direitos Humanos (RMDDH) apela à intervenção urgente tanto do Excelentíssimo Senhor Presidente da República de Moçambique quanto da Digníssima Procuradoria-Geral da República para a reposição da legalidade e a responsabilização das pessoas envolvidas nas campanhas de incitação ao ódio, à violência e à intolerância na esfera púbica moçambicana. Mais ainda, a RMDDH gostaria de solicitar uma audiência com o Excelentíssimo Senhor Presidente da República e com a Digníssima Procuradora-Geral da República para abordar estas questões a bem do Estado de Direito e Democrático, da justiça, da segurança e da ética pública.

 

O Representante da RMDDH

Prof. Doutor Adriano Nuvunga

 

 

 

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