Os resultados eleitorais de Nampula são interessantes
por aquilo que dizem sobre a qualidade da nossa análise política bem como da
nossa política ela própria. É como se tivesse havido uma revolução em Nampula
quando, na verdade, ocorreu algo de certa forma esperado. Por razões que só
estudos sérios poderão apurar, a Frelimo não é bem vista em Nampula. Há
eleitores que votam contra a Frelimo.
Mas o que é impressionante, dada a
oposição visceral que algumas pessoas têm em relação a ela, é constatar uma
certa estabilidade no seu eleitorado. A ilação mais importante que a Frelimo
precisa de tirar desta “derrota” não é de que tudo está mal. É de que ela é um
partido nacional que não precisa de ganhar Nampula para ganhar no país inteiro,
mas sim não perder o seu eleitorado base nessas regiões onde existe uma certa
hostilidade.
A questão, portanto, é como não perder o seu
eleitorado. Aqui as coisas complicam-se um bocado. Desde a inauguração da
democracia multi-partidária, a Frelimo apostou numa política virada para a
emocionalização que ganhou contornos problemáticos no segundo mandato de
Guebuza quando pareceu vingar a ideia de que votar ou não votar Frelimo era uma
opção a favor ou contra Moçambique. Essa emocionalização tirou da equação
política questões de fundo onde a Frelimo, apesar de tudo, tem os melhores
trunfos, que dizem respeito à vida económica e projecto de sociedade. Em
Nampula e em todos os lugares onde as pessoas não gostam da Frelimo, rejeita-se
o Moçambique representado pela ideia que as pessoas têm da Frelimo. O trabalho
político com estas pessoas não pode consistir em lhes dizer que estão a ser
estúpidas ao preferir outros, mas sim mostrar a elas porque essa ideia de
Moçambique é melhor para elas próprias e como é que a Frelimo pretende chegar
lá. Ou por outra, a Frelimo precisa de voltar a fazer política, algo que ela
abandonou um bocado nos últimos tempos a favor da emocionalização.
Agora, está ela preparada para fazer isso? Tenho
sérias dúvidas.
O último Congresso mostrou claramente que ela tem tudo menos
uma visão estratégica. Ou melhor, sacrificou o trabalho numa visão estratégica
no altar da celebração dum timoneiro que, por enquanto, ainda não tem obra
palpável. Este, por sua vez, provavelmente enganado por essas celebrações
“kimilsungianas”, descurou completamente aquilo que assegura o poder numa
democracia representativa, nomeadamente o trabalho partidário. Foi, por
exemplo, sintomático o seu alheamento em relação às eleições em Nampula onde
não se fez presente, nem mandou verdadeiros pesos pesados do partido para
mostrar ao eleitorado nampulense em dúvida que aquela cidade é importante para
a Frelimo. Estes também, por sua vez, não mexeram por iniciativa própria
palhinha que fosse. Ficaram sentadinhos lá na Comissão Política de certeza a
fazer o rascunho da mensagem de saudação ao Presidente no caso duma vitória de
Cololo.
Sou um pouco suspeito para dizer o que vou dizer em
seguida, mas é assim: acho que tem sido um erro estratégico de grande
envergadura prescindir dos préstimos duma pessoa como o Gabriel Muthisse.
Uma pessoa com o tipo de instinto estratégico como ele o tem – misturado com
uma forte lealdade ao partido – reúne todas as condições para ocupar o posto de
secretário geral da Frelimo e prosseguir o trabalho iniciado pelo seu mentor,
Guebuza, na revitalização do partido porque este, com todo o respeito por quem
tem esta missão agora, está entregue às moscas. Teria sido um forte sinal de
continuidade, de afirmação do que a Frelimo chama de unidade nacional e de
renovação da política da própria Frelimo. Sei que o coloco numa situação
embaraçosa com este reparo, mas como ele neste momento está mais preocupado com
o amor nunca correspondido de Ngelinane nem vai reparar que escrevi sobre ele.
Na verdade, não se trata de promover uma certa pessoa. Trata-se de promover um
certo perfil que neste momento a Frelimo não tem nas suas hostes partidárias.
Para mim, o grande vencedor destas intercalares na
Frelimo é o seu candidato, Amisse Cololo. Ele tem uma oportunidade ímpar para
fazer a diferença no modo de fazer política. Ele fez uma campanha séria num
ambiente hostil e sem grande ajuda do seu chefe máximo. Ele mostrou que o seu
partido tem, apesar de tudo, inserção naquela cidade. Ele tem que capitalizar
tudo isto através duma política municipal de oposição construtiva. Os seus
assessores precisam de lhe dizer parra não cair no erro pérola-indiano do
ressentimento e de oposição por pirraça. Ele precisa de continuar a identificar
os problemas reais de Nampula, oferecer soluções para eles e, se necessário,
distanciar-se da Pereira do Lago pelo bem do seu município. Não vai ser fácil num
partido que facilmente confunde crítica e independência de pensamento com
insubordinação. Mas os tempos são outros.
A Frelimo não perdeu, como se diz por aí, porque está
a comer sozinha. Perdeu, talvez, porque existe a percepção de que esteja a
comer sozinha. Há uma grande diferença. Reconhecê-la é crucial para uma melhor
reacção. E uma coisa que não se deve esquecer, extremamente boa nesta vitória
da Renamo, é a seguinte: a responsabilidade tem o potencial de comprometer a
Renamo com o país, compromisso esse que ela nunca teve. Uma vez isso feito,
criam-se condições para que a disputa política seja mesmo política, isto é,
sobre aquilo que realmente conta para as pessoas: a melhoria das suas condições
de vida.(Por:Eliseu Macamo)
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