O ministro que
tutela opelouro do Trabalho já não pode anular unilateralmente contratos de trabalho
de cidadãos estrangeiros em Moçambique e expulsá-los sem direito à defesa. Em
causa está a deliberação doConselho Constitucional (CC) que,através do Acórdão
nrº 1/CC/2017,declarou inconstitucional a norma contida no nrº 7 do artigo 27
do Regulamento dos Mecanismos e Procedimentos para a Contratação de Cidadãos de
Nacionalidade Estrangeira, aprovada pelo Decreto nrº 37/2016 de 31 de Agosto.
Concluiu o CC que aquela norma contraria os princípios constitucionais de
segurança jurídica, do contraditório, da protecção efectiva e do direito ao
trabalho constantes da Constituição da República.O pedido de inconstitucionalidade da norma foi
levantado em 2012 pela Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS)
sedeada na Beira. A organização diz que, nos últimos cinco anos, pelo menos 30
cidadãos estrangeiros que trabalhavam no país e filiados entre as 240 empresas
que compõem a agremiação foram expulsos de Moçambique pelos ministros que superintendem
a área do Trabalho.
Deste número, não se inclui o antigo treinador do Costa do
Sol, Diamantino Miranda, que também viu o seu contrato de trabalho revogado pela
mão dura da então ministra do Trabalho Maria Helena Taipo, pelo facto de o
clube não ser membro da associação.
Mas da lista faz parte o ex-representante do BES no
Conselho de Administração do Moza Banco, José Alexandre Pinto Ribeiro, expulso por
alegados insultos e maus tratos a trabalhadores moçambicanos. Nos casos mais
mediáticos consta a directora do Pemba Beach Hotel, Claudine Moodley, uma
militante do ANC da África do Sul, a directora dos Recursos Humanos da
Açucareira de Marromeu, Ana Fernandinho (decisão de expulsão revogada por ser casada com
moçambicano e com um filho menor) e os administradores da G4S, John Mortimer e
Cassie Van der Merwe, invariavelmente acusados de racismo e maus tratos aos
trabalhadores.O administrador do grupo Maeva teve a sua expulsão
revogada depois de os trabalhadores apelarem junto do ministério.Preocupada com a contínua aplicação da norma em
causa, que, no seu entender, estava a deteriorar os índices de confiança dos
investidores em Moçambique, resultando no encerramento de empresas, perturbação
do ambiente laboral nas empresas, com o agravante dos visados não terem o direito
à defesa, a ACIS solicitou um estudo jurídico especializado sobre o assunto,
que depois submeteu à Procuradoria Geral da República (PGR).
Segundo Carlos Henriques, presidente da ACIS, o pedido da revisão da norma contida
nrº 7 do artigo 27 do decreto nrº 37/2016 de 31 de Agosto foi objecto de
apreciação pela PGR numa reunião específica do Conselho Técnico, que produziu um
parecer favorável à sua agremiação, mas que depois foi barrado pelo Conselho de
Ministros, por não ver nenhuma ilegalidade. O documento ficou engavetado
durante quatro anos e em 2016 a ACIS voltou à carga, via Provedor de Justiça,
que, em menos de duas semanas, fez um despacho solicitando a intervenção do CC,
que, por sua vez, requereu, uma vez mais, o pronunciamento do Conselho de
Ministros. O Conselho de Ministros reiterou que não via nenhuma anormalidade e
fez aprovar um novo documento legal, mantendo os poderes de expulsão conferidos
ao ministro do Trabalho. Mas, desta vez, o entendimento do Governo foi
contrariado pelo CC,que, a 9 de Maio corrente, exarou o seu primeiro acórdão,
declarando a inconstitucionalidade daquela norma.
“ Aquilo que nós pretendemos é que haja um bom
ambiente de negócios, que as leis sejam claras para que nós as possamos
implementar devidamente e fazer progredir o país e o emprego. Isto mostra que
há espaço para o pronunciamento de todas as camadas da sociedade e há espaço para
que todos encontremos melhores formas de trabalhar para que Moçambique
progrida”, disse Carlos Henriques, esta terça-feira, numa conferência de
imprensa convocada para reagir à deliberação do CC. Faltava clareza da lei O sector privado entende que
o debate do Decreto 55/2008, que regula os mecanismos e procedimentos para contratação
de cidadãos estrangeiros em Moçambique, tinha como foco a simplificação das
exigências processuais e a negociação do âmbito de regimes de quotas. Nesse sentido,
foi introduzido o nr.5 do artigo 22 no Regulamento de Contratação de Cidadãos
de Nacionalidade Estrangeira, mas o mesmo enfermava de vícios, tal como
estabelece que:
“Em caso de violação dos princípios plasmados na
Constituição da República e demais leis e normas vigentes no país, o exercício
do direito ao trabalho por parte do estrangeiro em causa pode ser interdito por
despacho do ministro que superintende a área do trabalho”.
É com base neste entendimento, segundo Carlos
Henriques, que desde 2008, os titulares do pelouro do Trabalho têm usado dos
poderes conferidos no nrº5 do artigo 22 do decreto 55/2008 para interditar o
direito ao trabalho para estrangeiro, por via de despachos que concediam o
tempo máximo de 48 horas, sendo recusado aos visados novos pedidos de
autorização de trabalho. O Governo foi forçado a revogar o decreto 55/2008 mas
voltou à carga com o 37/2016. Com a deliberação do CC, a ACIS considera que foi
reposta a justiça, abrindo-se espaço para interposição de recurso. Doravante,
nenhum trabalhador estrangeiro será expulso sem um processo instruído como emana
a lei. O pedido de declaração de
inconstitucionalidade enviado pelo Provedor de Justiça ao CC visava o nr 5 do
artigo 22 do decreto 55/2008, de 30 de Dezembro que aprova o Regulamento relativo
aos Mecanismos e Procedimentos para Contratação de Cidadãos de Nacionalidade
Estrangeira. Notificado, o Governo negou a existência de inconstitucionalidade,
apontando que uma eventual anomalia decorre da interpretação que se atribui à
expressão “interditar”.
O executivo fundamentou também com o argumento de que a
interpretação do conceito interdição extravasa em larga medida o sentido
original que o legislador quis dar ao conferir poderes do Ministro de Trabalho para
autorizar, em determinadas circunstâncias, que cidadãos estrangeiros possam
trabalhar em Moçambique. Nesse contexto, o Governo ensaia uma fuga para frente,
aprovando um novo Regulamento para Contratação de cidadãos de nacionalidade
Estrangeira, através do decreto 37/2016, de 31 de Agosto, e revoga o Decreto
nrº55/2008 de 30 de Dezembro. Compulsado o novo decreto, o CC conclui que, apesar
de ligeira transformação do texto, o conteúdo continuava o mesmo do dispositivo
revogado, dado que o ministro que superintende a área do Trabalho ainda detinha
poderes para, de forma discricionária, revogar o acto administrativo que
permitiu a contratação do trabalhador estrangeiro. Com a revogação da anterior
norma, o CC centrou as suas atenções na nova norma constante do nrº 7 do artigo
27 do decreto nrº37/2016 de 31 de Agosto, tendo, por isso, concluído que um
despacho revogatório do ministro do Trabalho, que põe termo ao contrato
privado, sem antes abrir espaço para, em tempo útil, o visadose defender, está a violar flagrantemente o
princípio do contraditório, que se mostra essencial num estado de direito. Juristas contactados pelo SAVANA consideram
que os visados pelas expulsões dos ministros do Trabalho podem
agora intentar uma acção contra o Estado. Os mesmos juristas consideram
ser necessário questionar igualmente os poderes do ministro do Interior que
pode igualmente expulsar cidadãos estrangeiros com visto de trabalho ou de
residência sem que possam articular a sua defesa. Foi nessas
circunstâncias que foi expulsa de Moçambique a activista espanhola Eva
Moreno, envolvida na controversa medida do ex-ministro da Educação,
Jorge Ferrão, que fez baixar o comprimento das saias nos uniformes escolares.
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