O drama das
chamadas dívidas escondidas encerra uma ironia também melodramática. Os
empréstimos ilegais foram supostamente investidos em empresas criadas para
aproveitar as oportunidades geradas pelas multinacionais do gás. Contudo, a
turbulência financeira criada pelos empréstimos pode resultar em consequências
negativas para o negócio do gás no que toca à participação moçambicana.
“Numa altura em
que a crise financeira em Moçambique complica a já melindrosa situação
financeira dos projectos de LNG (Gás Natural Liquefeito), pode ser que os negócios
em torno da EMATUM, Proindicus e MAM tenham comprometido exactamente os mesmos
projectos que pretendiam proteger”, refere o portal. O incumprimento do Governo
no pagamento das dívidas a que prestou aval, a favor das três empresas, vai
tornar mais difícil a arrecadação de dinheiro necessário para permitir que a
Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) realize a sua parte de investimento
nos projectos de gás natural na Bacia do Rovuma. As concessionárias das Áreas 1
e 4 nos blocos de gás natural da bacia do Rovuma comprometeram-se a financiar a
entrada da ENH nos financiamentos dos referidos projectos, mas esse esforço
financeiro será altamente oneroso para a companhia que representa o Estado
moçambicano na extracção dos recursos energéticos. A Zitamar estima em 2.5
biliões dólares o montante do ingresso da ENH nos projectos de produção de GNL
nas Áreas 1 e 4, assinalando que esse valor poderá mostrar- -se insuportável em
ser angariado junto da banca. “Dependerá de quanto e da rapidez com que os
projectos de gás começarem a gerar dividendos”, lê-se na matéria. A ENH, diz o
texto, lançou recentemente um concurso para a contratação de assessoria legal e
financeira, visando ajudar a refinanciar a sua participação nos projectos de
gás, tendo em conta um quadro mais favorável. Mas essa missão, não será fácil e as opções são limitadas. A
Anadarko, cujo consórcio opera a Área 1, terá de mobilizar 15 mil milhões de
dólares para o seu projecto. A maioria do financiamento virá de agências de
crédito às exportações, mas parte significativa será suportada por bancos
comerciais. “Ninguém estará disposto a emprestar dinheiro, enquanto Mo- çambique
estiver em incumprimento. Todos estão atentos ao que o Fundo Monetário
Internacional irá fazer, quanto é que irá emprestar ao país, isso vai abrir as portas”,
considera um banqueiro. Um novo programa do FMI não é pré-condição para o financiamento
dos projectos de gás, mas esta entidade tem estado em contactos com as
empresas, acrescenta. Nos recentes encontros com o Governo de Moçambique em
Washington, o FMI deu contribuições positivas em vários aspectos, que são
necessários para a prossecução dos projectos. A Zitamar observa que as
companhias de gás estão protegidas de qualquer deriva nas acções do Governo e
dos enormes desafios que as operações enfrentam em Moçambique. Elas operam como
os chamados “enclaves”, com os seus próprios projectos de lei, elaborados para
garantir a exequibilidade dos projectos financeiros. A estrutura financeira dos
projectos foi delineada para blindá-los de riscos “on shore”, com contas
domiciliadas “off shore” e os “special vehicles purpose” (SVP), visando
proteger os fluxos de caixa, como tem sido padrão neste tipo de projectos em
países emergentes. “O financiamento dos projectos estará inteiramente
dependente dos contratos de exportação de GNL e dos credores e é quase
acidental que o gás natural esteja em Moçambique”, considera Stewart Smith, da
firma de advogados Bracewell, de Londres. Nessa perspectiva, os progressos nos
projectos de gás vão depender da procura na Ásia do que dos desenvolvimentos em
Moçambique, de acordo com Mark Bohlund, economista para África da Bloomberg
Intelligence. Até ao momento, a Anadarko conseguiu contratos de venda não
vinculativos para oito milhões de toneladas por ano, mas vai precisar de
conseguir 10 milhões de toneladas anuais em contratos efectivos, para alcançar
o fecho financeiro nas negociações dos projectos. Uma vez que peritos da
indústria de gás não projectam um aumento da procura antes de meados de 2020,
espera-se que a decisão final de investimento (FID) demore mais um ano, pelo
menos. O projecto da plataforma flutuante de LNG da ENI será o primeiro a ser
implementado, mas o consórcio não conseguiu anunciar em Março a FID orçada em
9000 milhões de dólares. Não foram indicadas as razões para o adiamento, mas
fontes ligadas a bancos apontam a complexidade do projecto como motivo do
incumprimento, observando que o projecto é o maior no mundo envolvendo pela
primeira vez uma plataforma flutuante. A ENI assegurou, entretanto, a aprovação
da companhia chinesa CNPC, que detém 20% no consórcio, mas que esteve
condicionada a uma pesada burocracia por parte do Governo da China, para
realizar o seu capital no empreendimento.
Num outro
desenvolvimento, o Governo moçambicano aprovou, na terça-feira, a estrutura de
financiamento do projecto de construção de uma plataforma flutuante para a
produção de gás natural pelo consórcio liderado pela ENI, na Área 4 da Bacia do
Rovuma, norte do país. Em conferência de imprensa no fi- nal da sessão semanal
do Conselho de Ministros, o porta-voz do órgão, Mouzinho Saíde, declarou que o
projecto da plataforma flutuante está orçado em 4,6 mil milhões de dólares. Na
mesma sessão, o Conselho de Ministros aprovou ainda o Acordo Directo de
Financiamento do Projecto FLNG Coral sul, que será desenvolvido pelo consórcio
dirigido pela ENI. Mouzinho Saíde afirmou que a aprovação vai permitir ao
consórcio o início das operações na Área 4 da bacia do Rovuma. Com a decisão
tomada nesta terça- -feira pelo Conselho de Ministros, espera-se que o consórcio
tome a decisão final de investimento (FID) nas próximas semanas. Apesar de
estar presente no consórcio da ENI, através da ENH, o Governo moçambicano não
vai realizar a sua parte do capital no investimento, devido à incapacidade
financeira para o efeito, estando ainda por negociar as formas de compensação
desse esforço financeiro, que poderá incluir a renúncia aos dividendos durante
algum período. Segundo a Zitamar, a ENI ainda não tem finalizado o
financiamento para a construção da plataforma flutuante nos estaleiros da
Samsung, na Coreia do Sul.
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