Enquanto
candidato a bastonário da Ordem dos Advogados, sonhava com uma ordem dinâmica,
inclusiva e descentralizada. Como encontrou a Ordem e que mudanças implementou?
Quando temos os
processos essencialmente concentrados na Cidade de Maputo, não damos oportunidade
de os advogados que se encontram nas províncias terem uma participação activa
na vida da Ordem. Esta era uma grande preocupação e o que nós fizemos foi,
entre outras coisas, assegurar que tínhamos dois conselheiros membros do
Conselho Nacional residentes nas províncias, um em Sofala e outro em Nampula. E
temos dois conselheiros do Conselho Jurisdicional em Sofala. Por outro lado, no
âmbito da descentralização, assegurámos a implementação efectiva dos conselhos
províncias de Sofala e Nampula. Nesta fase, estamos a indicar focal points do
Instituto de Acesso à Justiça, que permitem a realização efectiva, a
continuidade das actividades do instituto em algumas províncias. Ainda não
conseguimos cobrir todas as províncias, mas a ideia é paulatinamente irmos
realizando esta actividade. Quanto à inclusão, a descentralização já inclui
este pacote. Quanto ao dinamismo da Ordem, o trabalho que estamos a fazer é de
um melhor alinhamento dos processos administrativos, por um lado, de modo a
assegurar que a máquina da Ordem funcione, independentemente do bastonário que
lá estiver. Estamos a pensar em criar mais conselhos provinciais, eventualmente
em Maputo e Tete.
Falou
da promoção do acesso à justiça, para assistir cidadãos mais carenciados. Como
é que avalia o trabalho dos advogados, no âmbito deste instituto, e até que
ponto os seniores também estão ao serviço dos mais carenciados?
O Instituto de Acesso
à Justiça funciona sob direcção de advogados. Tem uma coordenadora, mas depois
tem coordenadores permanentes que são advogados dedicados ao funcionamento
desta entidade. Temos advogados estagiários que estão afectos e prestam
trabalhos de assistência a carenciados. E temos, todos os dias, gente que aflui
à nossa entidade à procura de assistência jurídica. A intervenção dos advogados
é essencialmente de supervisionar e dar apoio necessário aos estagiários que
estão lá. O instituto também tem organizado as chamadas caravanas jurídicas,
desloca-se a um determinado espaço territorial e afluem os cidadãos que têm necessidade
de assistência jurídica. Com a nomeação dos focal points nas províncias, estes
ficam responsáveis por assegurar que os cidadãos tenham acompanhamento até ao
desfecho.
E
até que ponto o IAJ vem sombrear as actuações do IPAJ, uma vez que a Ordem sempre
fez uma crítica à actuação do IPAJ, no sentido de independência, porque se
subordina a órgãos do Estado. Até que ponto a criação deste instituto é para
complementar ou substituir a presença do Estado no apoio aos carenciados?
Ainda não discutimos a
ponto de falar de substituição. Nós somos menos de 1 500 advogados e devemos
ser cerca de 1 200 advogados que exercemos efectivamente a profissão, sendo
que, desse número, há uns tantos que são funcionários públicos, portanto, não
exercem a profissão a tempo inteiro. Assim sendo, a nossa capacidade de
responder à demanda está muito aquém. Então, estamos longe de falar em
substituição do IPAJ.
Não
seria uma visão de longo prazo?
A visão de longo prazo
tem que ser discutida com os diversos actores do sistema de administração da
justiça, porque não se pode pensar num pilar da justiça sozinho. É preciso ver
uma série de implicações e ter a capacidade de projectar tudo isso. Além de que
o próprio Estado tem de ter a certeza de que qualquer passo que seja tomado no
sentido de uma eventual substituição garante uma efectiva defesa dos interesses
dos carenciados. Então, não é uma decisão que possa ser tomada de forma
precipitada, nós ainda nem equacionamos isso. Temos as nossas críticas ao IPAJ
e fazemos em fóruns apropriados, mas não queremos extinguir. Como podemos
substituir o trabalho do IPAJ nos distritos, se nós nem estamos lá? A Ordem não
está nos distritos, porque os advogados estão essencialmente concentrados nas
capitais provinciais. Então, seria extremamente precipitado e, se calhar,
irresponsável nesta altura pensar em erradicar o IPAJ.
A
morosidade processual é um dos maiores desafios da nossa justiça. Como torná-la
mais célere?
A morosidade
processual é um dos maiores cancros que temos e esta não é uma crítica feita
apenas pela Ordem dos Advogados. É uma realidade que é conhecida pelo poder
judicial, pelo Ministério Público, por nós outros que representamos a defesa e
mesmo pelo cidadão comum. Esta morosidade tem a ver com uma série de assuntos.
Primeiro, nós não temos plena cobertura territorial, com tribunais,
procuradoria… ainda temos distritos que não têm um tribunal ou procuradoria a
funcionar. Será que temos meios humanos suficientes? Não, não temos. Essa é uma
das razões que nos levam a não ter todas estas instituições instaladas em todos
os distritos. Mas há vezes em que temos recursos humanos e não temos condições
para ter lá estas instituições a funcionar. Portanto, há ainda estes
constrangimentos que têm estado a contribuir para a morosidade. Mas também
temos o facto de nem sempre as decisões serem tomadas em tempo útil, e não é
por falta de pessoal. Precisamos, de facto, de melhorar o desempenho em todos
os pilares da justiça. Estamos a ver a avaliação dos magistrados, e da
avaliação que lhes é feita, depende a progressão da carreira. E há alguns que,
por causa de uma avaliação negativa, ou foram despromovidos ou tiveram outro
tipo de penalização ou foram convidados a sair. Portanto, este processo tem
estado a ajudar-nos a crescer, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.
Há
quem diga que a criação dos tribunais superiores de recurso veio ajudar a
descongestionar o Tribunal Supremo. Até que ponto houve ganho em termos de
celeridade da justiça?
Houve ganhos. Isso eu
garanto, porque, antes da criação dos tribunais superiores se recurso, nós
éramos capazes de ficar sete, oito ou mais anos à espera de uma decisão do
Supremo. Hoje, já conseguimos ter diversas decisões dos tribunais superiores de
recurso a saírem em muito menos tempo, vamos dizer, dois anos. Já houve
decisões que saíram em menos tempo, mas a diferença é muito grande. O que veio
a acontecer é que, como, em simultâneo, os tribunais de nível provincial também
passaram a ser tribunais de recurso dos tribunais distritais, eles ficaram
entupidos. Significa que os juízes e procuradores que estão afectos a nível
provincial estão sobrecarregados com o processo normal das acções em primeira
instância, entretanto, recebem umas tantas em recurso. O esforço que está a ser
feito, e tem quer ser acelerado, é assegurar que nestes tribunais provinciais
há juízes, procuradores que estão exclusivamente afectos aos recursos.
Defende
que os tribunais comunitários são inoperantes. Como fundamenta esta tese e como
torná-los mais prestativos?
Não sei se em algum
momento disse que os tribunais comunitários eram inoperantes. Mas, se calhar, a
diferença entre o dizer e o que acontece não deve ser muito grande. Os
tribunais comunitários são inúmeros, ao longo do país. Existe uma lei que
define as regras de funcionamento, mas não há um acompanhamento claro do que
acontece nos tribunais comunitários. Era necessária uma uniformização efectiva…
mas quero acreditar que ninguém está em condições de dizer muito sobre os
tribunais comunitários. Impõe-se um estudo para ir ao terreno e verificar o que
está a acontecer. Há espaços, inclusivamente, em que encontramos tribunais
comunitários na linha dos órgãos locais regidos por um partido e outros regidos
por outro partido.
Disse
alguma vez que o acesso à justiça não se confunde com acesso aos tribunais. E
disse no mesmo documento que a Ordem e o Tribunal Supremo estabeleceram uma
parceria para encontrar novas formas de resolução de conflitos. De que parceria
se trata, como é que actuam e que resultados já foram alcançados?
De facto, nós temos
esta justiça formal, os tribunais. Falamos há pouco da morosidade processual.
Quando se vai ao tribunal, salvo essencialmente em aspectos de natureza criminal,
a primeira coisa que o juiz faz é ver se consegue encontrar uma solução
amigável entre as partes em conflito. O que a Ordem e o Tribunal Supremo
fizeram foi buscar a possibilidade de se instalar, junto dos tribunais, uma
forma de resolução de conflitos antes do tribunal. Nos mecanismos alternativos
de resolução de conflitos, que têm menos formalidades, o juiz não está lá. Um
advogado ou alguma pessoa que tenha formação para as ajudar a se encontrarem na
solução do conflito leva as pessoas a chegarem a uma determinada conclusão, que
é depois remetida ao juiz para efeitos de homologação. Uma vez homologada, tem
o valor de sentença, isso está previsto na Constituição. Nós estamos na parte
final deste processo e acredito que, em menos de dois meses, começará a
funcionar a título experimental, no Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. E só
não iniciou porque houve algumas alterações no formato da organização do
parceiro que financiou este projecto.
Atendendo
à excessiva onerosidade da justiça, existe algum acordo com o Governo para o
patrocínio jurídico de pessoas carenciadas?
Este aspecto das
custas judiciais é complicado e constitui, de facto, um obstáculo à justiça.
Nós temos estado a discutir isso com o Estado, com o Governo, através do
Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos e creio que existe
sensibilidade do lado do Governo para a necessidade de se repensar o código das
custas judiciais. E iremos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que
isso aconteça neste mandato do Governo, porque é um assunto urgente. Em virtude
das custas judiciais, as pessoas acabam por ter dificuldades de acesso à
justiça. As custas judiciais devem ser repensadas. O Estado é responsável por
assegurar que haja justiça, e em tempo útil.
Acha
que há corrupção no sistema judiciário?
Corrupção há em todos
os sítios. Existem algumas coisas para as quais não encontramos explicação. Se
determinado assunto está esgotado e dentro do prazo de 15 dias tem que ser
tomada uma decisão, esta decisão não é tomada e o assunto fica a ‘marinar’ por
um, dois anos… então, temos que começar a desconfiar que há aí qualquer coisa.
O
que a Ordem tem feito para evitar comportamentos que manchem a classe
judiciária?
Temos estado a fazer
referência a isto nas nossas intervenções. Temos estado a fazer pressão aos
juízes que têm assuntos parados. Mas é preciso reconhecer que nem sempre tem
estado a ser feito tudo para assegurar que as coisas corram como deve ser, e
não excluo a possibilidade de existirem advogados promotores dessa corrupção.
Não estou a dizer que corrupção no sistema judiciário é dos juízes, não. Hão-de
ser os juízes, advogados, procuradores, oficiais de justiça. Por exemplo, se
formos à secção de instrução criminal do tribunal… e tenho um despacho do juiz
a conceder a liberdade provisória a um arguido mediante pagamento de caução X,
eu sou capaz de ir lá até cinco vezes, o pessoal do cartório não me notifica
deste despacho do juiz. É uma pouca-vergonha. Por que o pessoal do cartório
retém este despacho, se há extrema urgência, em virtude de estar em causa um
direito fundamental, que é o da liberdade? Eu só posso assumir essa retenção do
despacho como mecanismo para forçar alguém a meter um ‘envelope’.
Falou
da liberdade como um direito fundamental. A liberdade que é a regra e a
privação dela a excepção. Como é que vê a actuação dos órgãos de Polícia, ao
optarem por prender para investigar?
Isto é muito
complicado. É uma das coisas que quebram o coração de qualquer pessoa que
entende o Direito e quer agir como profissional.
E
não está a ser ferido, também, o princípio de presunção de inocência?
Naturalmente que sim.
Mas o que nós temos legislado e o que nós temos de jurisprudência, no caso
vertente do Conselho Constitucional, é clareza de que há pressupostos para a
prisão preventiva fora do flagrante delito e nós continuamos a ter a Polícia a
prender fora do flagrante delito e a levar à legalização. O juiz, no seu
despacho, diz que embora não tenha sido detido em flagrante delito e não tenham
sido observadas as formalidades, legaliza. Mas a pessoa esteve detida
ilegalmente. O que nós queremos é que, em resultado desta prisão ilegal, este
agente que ordenou a prisão responda em processo-crime por prisão ilegal.
Isso
já se tem verificado?
Isto ainda não
aconteceu, mas é isto que tem que acontecer. Porque, quando começar a
acontecer, teremos a Polícia a preocupar-se em instruir o processo como deve
ser, o Ministério Público vai promover, o juiz vai ordenar e eles vão executar.
Uma
das atribuições da Ordem é defender o Estado de Direito democrático, os
direitos e as liberdades fundamentais. No contexto da exploração dos recursos
naturais, como o carvão de Tete, o gás de Palma, como é que a Ordem se
posiciona para garantir que as comunidades não fiquem negativamente afectadas
no processo de reassentamento?
O básico de que o
homem precisa para viver é aquilo que tem a ver com a essência da pessoa
humana. Temos boas leis. A lei estabelece que não pode ser retirada a terra sem
se observar determinados processos. Se tiver que se transferir uma comunidade
de um sítio para outro, têm que ser criadas condições apropriadas de habitação,
de saneamento, de saúde, de acesso e, sobretudo, de continuidade de
desenvolvimento de actividade de sustentabilidade das comunidades ou
desenvolvimento de uma outra actividade. O Importante é que as pessoas tenham
renda resultante de uma actividade. O que temos estado a assistir um pouco por
todo o lado em que ocorrem estes processos é que as empresas fazem o mínimo que
podem e, de algum modo, nós não encontramos o pulso do Estado forçando as
empresas a fazer o que devem a bem das comunidades.
E
como se faz sentir o pulso da Ordem para forçar o Estado assumir o seu papel?
Antes do pulso da
Ordem, vamos para o pulso do Estado. Por exemplo, a Lei de Minas estabelece que
numa situação de um projecto tem que haver uma negociação entre o investidor, a
comunidade e o Governo. E o Governo, no processo das negociações, tem que
garantir as melhores condições possíveis para a comunidade. É aqui onde as
coisas falham, porque em muitas situações, senão na maior parte delas, acabamos
sendo levados por propostas dos investidores, enquanto o Estado devia dizer
não, você tem que fazer isto, garantir mais aquilo, porque só assim é que vamos
efectivamente autorizar os investimentos. Como Ordem, estamos a fazer esforço
no sentido de corrigir esta situação e evitar que surjam situações idênticas.
Contactamos os governos provinciais, as empresas, os ministérios envolvidos, no
sentido de obter informação e esclarecimentos sobre aspectos que constatamos na
visita ao terreno que nos são revelados pelas comunidades e que nós próprios
constatamos. Isto é no âmbito extrajudicial. Também já colocámos questões em
nome dessas mesmas comunidades ao provedor da Justiça, que, em seu tempo,
também inquiriu os governos e outras instituições, instando-os a seguir
determinada conduta.
Teve
efeitos?
O provedor de Justiça
diz que deve ser feito isto e aquilo, mas não é o tribunal. Esses papéis todos,
incluindo alguns pareceres da procuradoria provincial sobre uma e outra
situação, sobre a legalidade ou não de um determinado processo, têm sempre
utilidade, porque em algum momento podemos usar em fase de contencioso
administrativo.
No
âmbito das actuações do provedor da Justiça, faz sentido a sua existência?
Faz. O que temos que
mudar são as nossas mentalidades. Não é o provedor da Justiça que está a mais,
nós é que devemos assumir que o provedor da Justiça, que tem um assento
constitucional, é um órgão importante para garantir o Estado de Direito. Quem
tem que mudar são as pessoas que estão no Governo, que estão nas empresas.
Esses é que devem mudar de mentalidade, porque não é o provedor da Justiça que
está a mais. Nós é temos mente com algum défice.
A
procuradoria ilícita constituía um dos grandes desafios da Ordem. Que avanços
se registou para conter o recrudescimento dessa prática?
O primeiro exercício
que nós fizemos neste particular foi de constituir uma comissão que se dedica a
esta actividade em concreto. Esta comissão já apresentou um plano de acção, já
temos um número significativo de denúncias de situações de procuradoria
ilícita. Optamos por começar não por atacar este e aquele caso isoladamente,
mas por sistematizar. A procuradoria ilícita apresenta-se nas formas X, Y e Z.
Apresentando-se desta forma, o nosso modo de actuação é este, para nós podermos
medir o resultado. Ainda não posso falar de resultados palpáveis nesta altura,
mas se perguntar isto daqui a um ano, seguramente vou dizer-lhe.
E
como é que a Ordem garante a ética e deontologia profissional dos membros?
Através de duas
vertentes. Primeiro, temos a preocupação de dar formação nas universidades, aos
finalistas, essencialmente para aqueles que pensam, algum dia, ser advogados.
Formação aos advogados estagiários tem uma componente de ética e deontologia
profissional obrigatória. Não falta nos exames nacionais de acesso
questionamento sobre aspectos relacionados com ética e deontologia
profissional. Sempre que podemos, abordamos estas matérias, quando temos queixa
de violação.
Há
registos de sanções?
Há, sim.
É
atribuição da Ordem participar no estudo e divulgação das leis, promover o
respeito da legalidade, assim como propor as alterações legislativas que se
entendam convenientes. Neste capítulo, a avaliação que faz é satisfatória?
Nem tanto. Mas temos
estado a fazer e é preciso destacar que a Ordem tem estado a receber, quer da
Assembleia da República quer do Ministério da Justiça, essencialmente, pedidos
de pareceres sobre leis e alterações legislativas. E temos estado a ser ouvidos
em sede da Assembleia da República, temos estado envolvidos na discussão de
aspectos antes mesmo da haver uma proposta legislativa, por saberem que somos
um interlocutor válido e podemos trazer alguns subsídios.
Há
apreciação de haver uma luta pelo poder e espaço entre a Ordem e outros órgãos
de administração da justiça. Qual é o seu entendimento?
Acho que não há uma
luta pelo poder. O que existe é um esforço para que estejamos todos alinhados.
É um esforço para que haja respeito entre os três pilares da administração da
justiça, porque temos estado a assistir como que a um desrespeito pelo
advogado. Advogado tem papel, mas não tem poder. Então, o esforço que está a
existir é no sentido de melhoramos a articulação. Cada um faz aquilo que a lei
manda e a máquina da justiça funciona. Não há quem é superior que o outro. E
nos órgãos de administração da justiça, normalmente, os que aparecem são os
tribunais, procuradorias e advogados. Mas temos outros órgãos que têm
importância no sistema.
Foi
membro da subcomissão da reforma pontual do Código Penal. Qual é o seu
entendimento sobre a relevância das penas alternativas à prisão? Não há gente a
mais nas cadeias que pode, com recurso a esta pena, ser salva?
Há muita gente e
estávamos à espera que, com estas medidas de penas alternativas apresentadas,
conseguíssemos desanuviar os estabelecimentos penitenciários. Não está a
acontecer. Eu sei que um dos grandes dilemas que surgiram é aprovámos o Código
Penal, mas não aprovámos nem o código do processo, nem o código de execução de
penas em simultâneo. Isto criou esta situação. Naturalmente que a inexistência
da lei não pode justificar nada. Se o Código Penal estabelece que é possível
adoptar uma alternativa, essa medida tem que ser adoptada. E tem que haver
coragem do juiz de adoptar estas mesmas leis. Outro factor que leva ao
congestionamento nos estabelecimentos penitenciários é o facto de existir gente
com os prazos de prisão preventiva expirados.
Neste momento, como é que a ordem consegue garantir o controlo da actuação de
advogados estrangeiros?
Nós temos advogados
estrangeiros inscritos na Ordem dos Advogados de Moçambique e, relativamente a
estes, não existem problemas. Estão aqui a exercer legalmente a profissão de
advogado. Temos conhecimento de situações de senhores e senhoras com a profissão
jurídica, eventualmente advogados nos seus países de origem, que vêm para aqui
como se viessem para o turismo e estão aí nos hotéis usando ‘wireless’,
preparando consultorias jurídicas, etc.. por isso é que começámos por emitir um
comunicado dando conta de que a procuradoria ilícita era um crime que devemos
combater e denunciar. O nosso plano a curto e médio prazo é de termos maior
agressividade nos órgãos de comunicação social para debater esta questão, de
modo a que as pessoas saibam o que é isso de procuradoria ilícita. Olha que,
muitas vezes, não me refiro a situações em que intervêm advogados estrangeiros,
porque eles não devem estar a prestar assistência a carenciado, que não sabe o
que é isso de procuradoria ilícita. Nós temos procuradoria ilícita praticada
por moçambicanos e aí nós temos que desenvolver um trabalho de divulgação,
conscientização das pessoas sobre o que é procuradoria ilícita, os riscos, como
devem agir quando detectam uma situação dessas. Temos, por exemplo, advogados
estagiários na primeira fase que aparecem a patrocinar causas. É-lhes impedido
por lei, porque isto é procuradoria ilícita. Temos juristas que nem sequer
estão inscritos, nem se quer têm alguma relação com os órgãos de administração
da justiça, isto é procuradoria ilícita.
X Criminosos atacaram uma viatura da Polícia e
libertaram dois detidos. Tendo em conta a sua passagem pela Polícia de
Investigação Criminal (PIC), por onde começar a investigação de um crime desta
natureza e que hipóteses se pode levantar à partida para iniciar a investigação?
Há muita coisa
estranha neste acontecimento. Primeiro, no caso dos cidadãos condenados a
cumprir uma pena, o interrogatório pela Polícia é feito lá no estabelecimento prisional.
E parece que tem que ter autorização do juiz, porque aquele cidadão que está a
cumprir pena está à guarda do tribunal. Então, tem que requerer a esse juiz
para que este cidadão esteja disponível para poder ser ouvido. Será que foi
feito? Tenho dúvidas, porque, afinal, não ia a tribunal nem sequer foi ouvido
lá. Era para ser ouvido numa esquadra. A outra questão que coloco é: seria esta
matéria da investigação da PRM ou do SERNIC? A terceira questão é que aquelas
celas no Comando da Cidade são uma extensão da cadeia de máxima segurança da
Machava, portanto, pertencem ao SERNAP e não à PRM. Deveriam estar protegidas
pelo SERNAP. O que sabemos é que quem acompanha os reclusos aos tribunais é o
SERNAP. Então, por que PRM? Se formos à viatura, vai reparar que a parte onde
estavam o motorista e eventualmente alguém a proteger, portanto, na cabine, não
há um único tiro. É estranho, porque, normalmente, se vou atacar uma viatura
daquelas, tenho que atacar esses, porque constituem perigo para mim.
Quais
seriam as primeiras hipóteses a levantar?
Não sei, é preciso ter
antecedentes e quem os tiver poderá seguir os diversos cenários, porque até há
tiros que foram dados na parte de trás, correndo o risco de matar as pessoas
que iam ser resgatadas. Deixa-me algumas dúvidas sobre o que efectivamente
aconteceu.
É a primeira vez que
oiço dizer que o carro da escolta parou porque o semáforo ficou vermelho. Vemos
carros de escolta a andarem em contramão todos os dias com sirenes. Essa desculpa
não convence.
X
Falou da Assembleia da República. Em Outubro de 2013, a Assembleia da República
aprovou na generalidade a Lei das Sociedades de Advogados. Passados quatro
anos, sente que esta lei está a corresponder aos objectivos da sua criação?
Está. Mas,
naturalmente, era necessário definir em que moldes é que os advogados se
organizam em sociedade. Nas sociedades comuns, é muito simples, porque as
pessoas funcionam em função da cota, da parte do capital social e, no fim do
exercício, se houver lucros a dividir, é em função da percentagem. Nas
sociedades de profissionais, depende muito do desempenho de cada um. Até pode
ter um capital diferente ou podem ter todos capital igual, mas há regras
próprias entre os advogados, porque as pessoas têm que correr para ter maiores
benefícios. Do ponto de vista fiscal, as sociedades dos advogados têm a
possibilidade de ser enquadradas no regime de transparência. Isto significa que
nós estamos organizados em sociedade só para termos robustez. Mas o que estamos
ali a fazer é lutar pelo rendimento individual de cada um dos advogados e tudo
aquilo que vamos levantando mensalmente é um adiantamento, mas não pode ser, do
ponto de vista fiscal, penalizado. Daí que, neste regime, seja aplicável apenas
o RPS sobre os montantes que são pagos aos advogados e não RPS das sociedades,
porque o que está em jogo é que as pessoas se juntaram, mas o objectivo é o
rendimento do trabalho que cada um está ali a fazer.
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