Porque a improvisação é o cinismo são a mãe do insucesso. Nenhuma das
partes em contenda possui um plano publicamente conhecido.
Uma das características que marcou e ainda marcam as negociações entre o
governo e a Renamo é o secretismo e o minimalismo. Secretismo porque pouco se
conhece o conteúdo e os pressupostos com que se chega aos acordos. Minimalismo
porque para além do que se sabe – a Paz – nada mais. Quando a 4 de Setembro de
2014 assinaram-se os acordos de cessação das hostilidades, os moçambicanos
vibraram de alegria ao ouvir Dhlakama dizer que “a Lei Eleitoral aprovada era
das melhores e que a partir daquela altura o país teria as melhores eleições
multipartidárias de sempre”. Veio a EMOCHIM e foi; vieram as eleições e cá
estamos de novo em guerra, em crescendo.
• A constituição dos termos de referência para os mediadores aconteceu à
porta fechada. O resultado foi um documento hostil aos próprios mediadores, que
se viram obrigados a custear as suas próprias despesas para nos ajudar a
alcançar a Paz.
• O orçamento ractificativo não demonstra nenhum compromisso para com a
Paz. Imaginemos que de facto este ano, os acordos entre as partes resultem num
compromisso alargado e mais forte. Com que linha orçamental se procederá a
desmilitarização da Renamo? Ou se julga que este seria um processo sem custos?
Qual é a provisão orçamental que será destinada ao novo pacote de entendimentos
entre o governo e a Renamo? A falta deste tipo de antevisões demonstra pelo
menos ausência de um compromisso, de um plano concreto para a Paz. E se/quando
a Paz chegar, o estado terá que envolver-se em manobras de desvio de
aplicações, abrindo espaço para um amplo campo nebuloso de corrupção e
descaminho (ir)responsabilizável do dinheiro do povo.
SÍNDROME DE ESTOCOLMO
Síndrome de Estocolmo ou síndroma de Estocolomo é o nome normalmente dado a
um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo
prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor
ou amizade perante o seu agressor.
A síndrome recebe seu nome em referência ao famoso assalto de Norrmalmstorg
do Kreditbanken em Norrmalmstorg, Estocolmo que durou de 23 a 28 de agosto de
1973. Nesse acontecimento, as vítimas continuavam a defender seus raptores
mesmo depois dos seis dias de prisão física terem terminado e mostraram um
comportamento reticente nos processos judiciais que se seguiram. O termo foi
cunhado pelo criminólogo e psicólogo Nils Bejerot, que ajudou a polícia durante
o assalto, e se referiu à síndrome durante uma reportagem (Sherwood, 2006).
Temos um grave problema neste país que é o primado da violência sobre
outras formas de resolução de conflitos. Este estágio prolongado de convivência
com os agressores minimizou as nossas perspectivas de Paz ao ponto de nos
transformar em maiores cúmplices desta guerra. Cada vítima apoia o agressor com
quem vive. Não há pontes, nem comunicação. Se está em Maputo, a culpa é de quem
apoia a Renamo lá em “Gorongosa” ou “nas redes sociais”. Se está em Gorongosa,
a culpa são destes tipos de Maputo que mandam os soldados para a qui. O
resultado é uma sociedade dividida e polarizada que insiste nas mesmas
metodologias falhadas nos últimos 20 anos.
QUEREMOS PAZ, QUE PAZ?
Infelizmente, a única coisa séria que esta a acontecer neste país é a guerra.
Nos pontos de agenda em debate, não vejo nada sério capaz de nos trazer uma Paz
eterna. Na primeira parte desta série sugeri a reformulação do primeiro ponto
de agenda da Renamo para possibilitar uma maior flexibilidade na abordagem dos
verdadeiros problemas que grassam este país. Os dois pontos subsequentes em
debate também não são sérios ou no mínimo, estão mal formulados. O Governo
colocou na mesa das negociações a desmilitarização/desarmamento da Renamo
enquanto a Renamo colocou a questão da integração dos seus militares nas hostes
do Estado. Estas propostas não passam de sugestões chantagistas e de mútua
acomodação. Já aconteceu isso no passado; a Renamo já recebeu dinheiro para
transformar-se num partido político mas não o fez. O Governo sabia da
existência das armas e dos homens armados da Renamo ao longo dos últimos 16
anos mas não se preocupou em resolver o assunto. Desta vez, parece que voltarão
a perscrutar os mesmos caminhos, com desembolsos avultados e não publicitados
para acomodar as mesmas pessoas, nos mesmos moldes dos dos anos da ONUMOZ.
Se por um lado a desmilitarização da Renamo representa um imperativo para a
Paz, é sobretudo no sistema político e no sistema eleitoral que devem incidir
os esforços dos moçambicanos:
1. Revisão constitucional
2. Revisão do sistema eleitoral
3. Alargamento da descentralização e da municipalização
Os soldados da Renamo são pessoas. Não vão acabar. Só “acabarão” quando
tiverem outras coisas a fazer. E o próprio Dhlakama só ficará sossegado quando
sentir o aproximar de um efectivo sistema democrático inclusivo, onde cada um
ganha mediante o seu esforço e não mediante a pertença ou não de um dos lados
políticos.
SIM, urge uma trégua imediata para que o debate continue. Mas devemos ter
em mente que o que temos na mesa das negociações é mesmo uma entrada e não o
prato principal.
Pode o governo aceitar todas as precondições da Renamo: integrar seus
homens armados e nomear os governadores. Tais medidas seriam de pouca dura. Nas
eleições a seguir, Dhlakama e a Renamo continuariam insatisfeitos.
Porquê?
• Primeiro porque já aconteceu antes. Nos primórdios dos anos da Paz, a
Renamo tinha administradores distritais por si indicados nomeados para os
distritos “sob sua influência”. Estes administradores governavam na base das
leis de Moçambique. A pouco e pouco, Dhlakama e a Renamo aperceberam-se que
aqueles administradores já não respondiam os comandos deles mas às leis de
Moçambique. Da mesma forma que no âmbito do AGP, o Chefe do estado-maior
adjunto Mateus Ngonhamo muito claramente distanciou-se da Renamo quando
Dhlakama tentava manipulá-lo. Isto poderá acontecer de novo. A acomodação não
resolver o problema do país. Apenas minimiza-os.
• Segundo, porque se estes forem nomeados, estarão a mercê do Programa do
governo moldado pela Frelimo. Responderão ao Presidente Nyusi. Qualquer que for
o resultado, será obra de Nyusi e da Frelimo e não da Renamo. Por outra, a
nomeação terá apenas resolvido problemas materiais e de orgulho pessoal de
Dhlakama e não do país em si.
• O que quero dizer com isso? Quero com isso afirmar que a não ser que as
condições legais mudem, pouco valerá nomear governadores em províncias onde a
Renamo ganhou, ou seja, revisitar as três propostas por mim colocadas acima.
Para terminar, o próprio governo parece-me menos sério com relação ao plano
de desmilitarização. Não apresenta nenhum roteiro de seguimento muito menos uma
alternativa ao plano falhado aquando das negociações do Centro de Conferências
Joaquim Chissano - plano, orçamento, calendário, etc. - dando a sensação de
estar a querer queimar tempo.
Até agora, o modelo das negociações adotado parece-se com o daquele casal
que se devem e que para cobrar, vão batendo nas crianças. E porque tudo o que
as crianças anseiam é a Paz, aceitam qualquer solução, desde que haja Paz em
casa. Só que nós não somos crianças da Renamo, nem da Frelimo, muito menos de
Nyusi ou Dhlakama. Haja respeito, somos cidadãos, seus patrões.
• Existem assuntos que a Renamo hesita em discutir porque espera um dia
ganhar eleicoes e governar nos mesmos moldes exclusivistas: descentralização,
poderes do PR, sistema eleitoral, etc.
• Existem assuntos que a Frelimo hesita em discutir com receio de ver o seu
poder diluir-se: descentralização, poderes do PR, sistema eleitoral, etc.
Estes dois “cabeçudos” concordam neste ponto, curiosamente e a sua
indisponibilidade em discutir a descentralização é que perpetua esta
instabilidade. E isto é histórico, desde a tentativa da redacção da terceira
constituição. E é justamente este nó que deve ser desfeito.
Actualmente, a Frelimo está disponível em “satisfazer Dhlakama e seus
homens”, desde que tal não toque no “nosso poder, já ganho”. “O resto,
veremos…lá mais a frente”.
Por sua vez, a Renamo está disposta em receber qualquer coisa a troco destas
acomodações imediatistas enquanto vai se organizando para a vitória eleitoral.
A teoria geral da Renamo é escangalhar o aparelho do estado através da
introdução de seus homens em todas as esferas de decisão. No fundo, trata-se da
bi-partidarização do Estado sem garantias de que tal se torne mais democrática
e inclusiva. E temos visto isso na Assembleia da República: quando é para punir
o MDM, a Renamo e a Frelimo unem-se. É por causa deste tipo de comportamento
que Moçambique está em guerra. (E.Vaz in facebook)
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