A medida que o tempo passa parece-me que os
moçambicanos estão ficando cada vez longe da informação e banham-se em ondas
moralistas do não à guerra. Se por um lado é bom dizer sempre NÃOA GUERRA, é
por outro, sempre importante não esquecer os problemas que propiciam esta
guerra.
Este pequeno texto visa refrescar a memória
daqueles que parece-me terem esquecido das causas fundantes desta violência. Alguns
moçambicanos chamam a este conflito de CONFLITO PÓS ELEITORAL. É errado. Este
conflito não é pós-eleitoral. Esta é a crise da reconciliação pós-conflito ou
simplesmente crise da democracia moçambicana; a oscilação de um ciclo de
história, ou seja, a conjuntura. Voltarei a este tema mais adiante; para já
deixe-me despachar o que querem “ir directo ao ponto”.
Existem dois problemas concretos que vistos pelas
partes beligerantes, parecem três.
PRIMEIRO PROBLEMA: A questão militar. Para o
governo, é importante que a Renamo desmilitarize de uma vez por todas para que
finalmente o país tenha o Estado como o único detentor da força armada. Para a
Renamo, apesar de concordar, é importante resolver alguns aspectos pendentes,
nomeadamente (a) a questão da marginalização dos homens provenientes da Renamo
e que se encontram incorporados nas hostes militares; a questão do entendimento
sobre os modelos de integração militar e ou desmobilização e reinserção militar
e a questão da paridade nas forças de defesa e segurança. Portanto, são as duas
faces de uma mesma moeda.
SEGUNDO PROBLEMA: A justiça eleitoral. Este é
quanto a mim um menor problema pois 50% deste já está resolvido: as
instituições saídas das eleições estão em funcionamento. Nada mais evidente,
apesar da retórica militarista e mutuamente excludente. Mas aqui o problema é
garantir como os processos eleitorais não se tornem em motivo para violência
pós-eleitoral, e já agora, com recurso as armas. Enquanto a Renamo continuar
com as armas, a violência pós-eleitoral será armada.
• A solução para os dois problemas passa pelo
aperfeiçoamento do aparelho institucional e de dinheiro, acima de tudo,
principalmente para o primeiro problema.
Vamos por partes, começando pelo SEGUNDO PROBLEMA.
A experiência das eleições e dos problemas que nos
oferece sugere a reformulação do estado e da forma como o poder está
distribuído. Na verdade, as eleições são em Moçambique, produtoras de relações
de exclusão e não necessariamente de inclusão. O figurino constitucional não
permite que cada partido sobreviva de acordo com o seu desempenho. Igualmente,
o pacote eleitoral é disfuncional e poroso na sua eficácia de combate a fraude.
O parlamento e a sociedade podem desempenhar um papel importante na solução
destes problemas, discutindo e aprovando as necessárias emendas sem
eleitoralismo. Estas reformas passam também por ver como o poder saído das
eleições é proporcionalmente distribuído pelos partidos, de acordo com o
desempenho de cada um. Refirmo-me para além das assembleias municipais e
municípios, a imperiosidade de repensar na descentralização, nas assembleias
provinciais e no poder dos governadores, por ai em diante.
Vou avisando: dificilmente podemos antever uma
desmilitarização total da Renamo sem que tais reformas garantam a este partido
alguma comparticipação no jogo de poder, mesmo que seja nas próximas eleicoes.
Portanto, só podemos antever a desmilitarização da Renamo num cenário onde (1)
os processos de reforma lhe garantem algum poder e (2) com garantias reais de
integração de seus homens nas forças de segurança e defesa. EM termos
temporais, isto pode levar mais uns três a quatro anos e estamos logo em 2019!
Já o PRIMEIRO PROBLEMA muito dificilmente poderá
ser resolvido agora. Infelizmente. Estou aqui a tentar ler o pensamento do
Lider da Renamo e ocorre-me o seguinte:
• Se a reforma constitucional consegue garantir
que os governadores sejam eleitos e se nas próximas eleições autárquicas a
Renamo consegue alguns municípios, uma forma mais simples de a Renamo integrar
seus homens seria eles próprios formarem sua polícia camarária e influenciar o
processo de integração de novos policias nas províncias onde obtiver a maioria.
Em cinco anos não restaria nenhum homem nas matas!
Mas este cenário é optimista demais. Assim,
tomando a situação actual, a solução da questão militar passa por um
compromisso de ambas as partes:
• Ou o governo recua nas suas intenções em
desarmar compulsivamente a Renamo e convida a Renamo para retomar os pontos
sobre a questão militar, com cedências largas, a troco da PAZ, ao mesmo tempo
que se trabalha na revisão da constituição e no pacote eleitoral – algo que me
parece a única solução sustentável para ambos;
• Ou reedita-se o AGP na sua totalidade, por via
do qual tem lugar a renovação completa da constituição da República, da Lei
eleitoral, das Instituições Públicas, etc.
No fundo, este é o pensamento do Presidente
Dhlakama, que acredita que para se alcançar o ideal da democracia pelo qual
lutou, é preciso reinventar a democracia que desta forma, por mais emendas
sejam feitas, dificilmente se alcançará a justiça social e democrática.
Ora, entre a primeira e a segunda opção eu prefiro
a primeira: é rápido, muito flexível e na mesma relança Moçambique para ao
segundo inter-ciclo da sua História da democracia.
Pois, referi-me do segundo inter-ciclo da História
da democracia moçambicana. Este é o termo que a ciência histórica usa para
designar processos históricos de curta duração (ciclo=conjuntura) em oposição
aos processos de longa duração (estrutura).
Se estiver cansado pode parar por aqui. Eu
continuo.
Os últimos 40 anos da História de Moçambique foram
denominados pela violência armada, com alguns intervalos de paz. Este
quase-ciclo (50 anos) ficou caracterizado por dois interciclos; primeiro o da
experiencia socialista e o segundo o da democracia multipartidária. Estamos a
fechar o primeiro interciclo da democracia multipartidária e em História é
comum processos mal-acabados colapsarem nos primeiros 25 anos. A solução
derradeira desta crise vai implicar a reconfiguração das estruturas que
sustentam as actuais relações políticas e sociais e económicas. Não se trata de
matar Dhlakama ou golpear Nyusi apenas. Trata-se isso sim, de uma total
reconfiguração da forma como a democracia é feita, vivida e praticada em
Moçambique. De uma coisa tenho certeza: o sucesso desta crise passa pelos dois
contendores concentrarem-se em problemas de fundo. Nós como povo temos
problemas de fundo. A nossa democracia tem problemas de fundo. Devemos resolver
estes problemas. Só que existe também um outro problema: o nosso interlocutor
precisa ser concreto e focado. O problema da Renamo é que quanto senta à mesa
das negociações pede de uma vez só sete, oito, nove a dez coisas, entre as
quais “bens perecíveis”. Aqui a causa de pedir deve ser coesa, blindada, de tal
sorte que o seu resultado terá efeitos em cascata sobre o resto.Agora quando
começamos a negociar e a meio começamos a pedir carro, despesas de
representação, meios de locomoção, casas, subsídios deste e daquele,
facilidades “naquele terreno”, convites para pescar, etc., os outros começam
também a pensar noutras coisas, inclusive em divertir, cooptar, trair, dilatar,
etc. Eu sei que não devia ter escrito este parágrafo. (Egídio Vaz/Historiador)
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