É formada em Antropologia pela Universidade de
Manchester. Actualmente, exerce a política como Vice-ministra dos Negócios
Estrangeiros e Cooperação. A sua vida fica transformada aos sete anos quando
seu pai perde a vida. Nessa altura, a menina de pouca idade viu-se a obrigada a
crescer depressa.O choque tinha sido grande. Havia que trabalhar o lado
emocional de uma criança que pouco entenderia de morte provocada por um
livro-bomba. “Precisavam explicar-me
por que razão o meu pai não morreu num acidente de carro, afogado…mas sim vítima de bomba” . Foram momentos difíceis: “doeu-me muito, perdi um amigo”. Mesmo assim, a intenção do inimigo que
tirou a vida do seu pai foi subvertida ao se apegar no fundamento de que o
sonho de Eduardo não tinha morrido e teve como epílogo a independência do povo
moçambicano: “Então, se valeu o
sacrifício como filha que ficou órfã, não valeu, nunca pode valer. Mas como
moçambicana valeu absolutamente”.A sua formação académica criou a possibilidade de desenvolver um trabalho
com uma componente antropológica. Tratava-se de uma matéria que iria compor o
acervo histórico dos trabalhadores dos CFM. Mas, o interesse era também
pessoal. “A minha motivação veio de uma informação
escrita por meu pai, na qual afirmava que estava à procura do irmão mais velho,
estivador no cais dos Caminhos de Ferro”.O irmão de Eduardo Mondlane teria participado das
obras da Sé Catedral. Era um exercício árduo. Desumano. “Meu pai ficou traumatizado. Era um trabalho que exigia
que pessoas(moçambicanos)ficassem amarradas uma às outras, desde o cais até ao
ponto em que se erguia o edifício em causa. Era a réplica daquele sistema
antigo egípcio em que se passavam ou empurravam os toros de madeira ou pedras
fazendo chegar ao local da construção. No caso das obras da catedral, os
portugueses vigiavam os moçambicanos em cima de cavalos e de chicote em mão
para açoitar os que não conseguiam manter o ritmo. Meu pai diz na carta que
nunca entraria nessa catedral. E não entrou mesmo”.São informações encontradas em cartas.
Missivas trocadas com a sua amada, Janet Mondlane, utilizando-se de códigos,
principalmente para iludir quem estava contra a relação. Daí que a filha de
Mondlane declara: “Sou produto
de muito amor entre duas pessoas. Os meus avós maternos não aceitavam a relação
entre os meus pais. Nyeleti era o código; Nyeleti era o amor da vida dele”.
A sua eleição para Assembleia da República (AR) pela
Província da Zambézia, em 1994, despertou a atenção de alguns moçambicanos que
desconheciam a veia política de Nyeleti Mondlane. Afinal, “desde pequena tive o
privilégio de estar envolvida intimamente com o partido FRELIMO, com a
política”. É actualmente vice-ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.
Revela que a AR foi (e tem sido) uma grande escola para si, pelas oportunidades
encontradas de percorrer o país para actuar em questões relativas a Autoridade
Local e Administração Pública e também por ter feito parte do gabinete que
representa o fórum da mulher parlamentar, que contribuiu para que passasse a
“entender melhor o que são os nossos desafios como mulheres, o que são as
nossas responsabilidades”. No pelouro que dirige vários são os planos,
entretanto, interessa ao país fazer mais amigos, reforçar a cooperação
económica e assegurar que os compromissos que Moçambique tem ao nível
internacional sejam cumpridos. Ao longo da entrevista revela o que pensava
quando petiz: “Meu sonho de infância era ser hospedeira ou professora. Queria
muito ser professora porque ficava impressionada ao vê-las a darem aulas no
centro educacional do Tunduro”. Siga a entrevista em discurso directo.
Que factor foi determinante para a sua eleição como
deputada da AR?
Desde miúda tive o privilégio de estar envolvida
intimamente com o partido FRELIMO, com a política. Até porque, em 1971, houve
uma decisão do presidente Samora e da minha mãe (era um momento de alguma
insegurança e incerteza) segundo a qual, nós, os filhos de Mondlane devíamos ir
para um lugar seguro e eu fui à Escola da Frelimo em Bagamoyo, nessa altura só
tinha 8 anos. Portanto, passei a compreender, desde cedo, o que era a Frente de
Libertação de Moçambique e outros assuntos ligados à política.E representar os
moçambicanos na AR tornou-se muito nobre, para além de que a Assembleia da
República foi e é uma grande escola. No Parlamento, tive a oportunidade de
pensar no futuro deste país, fazendo parte de uma comissão que lidou com
assuntos relativos à Autoridade Local e administração Pública. Percorri todo o
país para entender que desafios existiam, o que era necessário fazer em prol do
desenvolvimento do país. Por outro lado, havia a componente comunicação social
onde tive a oportunidade de entender os desafios da comunicação social em
Moçambique e na região da SADC, onde se procura estabelecer regras,
procedimentos, ou seja, maneiras comuns de estar; viajei por outros países
procurando compreender o que é uma lei de imprensa, o que é uma lei de
informação, o que é segredo de estado, entre outros aspectos.
No Parlamento fez parte do Gabinete da Mulher…
Sim, fiz parte do gabinete da Mulher parlamentar,
um gabinete criado pela AR em 2008 e por senhoras deputadas de grande visão.
Com a equipa deste gabinete passei a entender melhor o que são os nossos
desafios como mulheres, o que são as nossas responsabilidades. Aliás, andamos
de província em província para falar sobre três leis fundamentais: Lei da
família, lei sobre o tráfico de seres humanos e lei contra a violência
doméstica. Isso significava, em cada lugar, trazer para mesma sala deputadas de
filiações partidárias diferentes, porém unidas pela mesma causa; membros dos
municípios, organizações da sociedade civil, partidos da oposição, judiciária
ao nível da província, procuradoria, polícia. Enfim, um grupo rico de mulheres
e a governação provincial para falar sobre assuntos de interesse fulcral.
Acredita que tenha sido dessas experiências que foi
nomeada vice-ministra?
Não faço a mínima ideia.
Como vê a participação da mulher no campo político
nacional?
À medida que fui crescendo, antes da conquista da
independência, pude estar nas zonas libertadas onde vi mulheres enfermeiras,
mulheres professoras, mulheres guerrilheiras, comissárias políticas, na frente
de produção. Ficou claro que a mulher tinha o seu espaço, mas poderia
estendê-lo e fazer tudo que o homem faz e mais. Desde cedo, durante a nossa
educação política e ideológica, não havia dúvidas de que a mulher tinha um
papel a desempenhar na sociedade. E penso que, Moçambique, comparado a outros
países da região até mesmo ao mundo, é um exemplo. Hoje temos uma presidente da
Assembleia da República, já tivemos primeira-ministra, as chefes das bancadas
são senhoras, temos administradoras, governadoras, economistas, marinheiras,
estamos em todas as vertentes. Agora que é preciso fazer mais é preciso. Que
nós continuamos a ser espancadas pelos nossos pares é um facto. Que quando
morre o marido as nossas crianças são-nos tiradas, também é algo preocupante,
não obstante a existência de dispositivos legais. Por isso um dos grandes
desafios existentes é assegurar que as leis sejam implementadas.
Entrando para a área que a Sra. vice-ministra dirige, até
que ponto é possível pôr em prática a política externa “fazer mais amigos,
defender o interesse nacional”, tendo em conta que a dado passo ocorrem
situações susceptíveis de beliscar relações entre os países?
Vamos separar as águas. A política externa
moçambicana está reflectida naquilo que é nossa história. A Frelimo sempre teve
muitos amigos. Numa altura em que o mundo estava dividido politicamente nós
éramos amigos do povo sueco, do americano, alemão, chinês, russo. Repare-se que
a União Soviética e a China tinham conflitos de ideologia mas os dois povos
ajudavam o povo moçambicano. Portanto, nós temos uma tradição política de
sermos amigos de outros povos.
O que dizer dos ataques xenófobos protagonizados por
alguns cidadãos sul-africanos? Esse facto não macula as relações entre os dois
países?
O povo sul-africano é nosso amigo. Desde os tempos
da luta de libertação nacional os soldados guerrilheiros do ANC treinavam-se
nos mesmos campos que os da Frelimo. Porém, a África do Sul tem um “calcanhar
de Aquiles” que vai levar talvez gerações para ultrapassar, que é o facto de
ter vivido o sistema de apartheid. Foi brutal e pode estar patente no
comportamento dos sul-africanos negros.
Isso significa que o facto de os sul-africanos terem
vivido oprimidos na época do apartheid pode ser apontado como um dos factores
para os actos xenófobos por si praticados?
Vejam: no tempo do apartheid o negro tinha o
espaço de circulação limitado. Imagine um cidadão que não pode viver onde quer,
é obrigado a se instalar onde o branco indica.
Isto cria a exclusão económica, social e política,
pode ser por esse motivo que para alguns sul-africanos o estrangeiro não é bem
visto, ao invés de constatar a presença deste como um valor acrescido, olham-no
como uma ameaça. Entende-se por isso a necessidade de se fazer um trabalho do
Governo, da sociedade civil e de todas forças políticas sul-africanas, no
sentido de ultrapassar este legado horroroso que o apartheid deixou. Vai levar
tempo, mas também vai requerer posicionamento firme de quem está na liderança.
E as relações entre Moçambique e a África do sul estão
beliscadas?
Não. As relações entre estes dois países são
soberanas. Em nenhum momento, o Ministério dos negócios Estrangeiros e
Cooperação iria dizer que as relações estão beliscadas. O que sabemos é que
estamos profundamente chocados com o que o aconteceu e compreendemos que o país
irmão tem desafios e vamos ajudar no sentido de ultrapassar esta crise.
Infelizmente somos vítimas, de qualquer forma, estamos a interagir no sentido
de ajudar.
Que avaliação faz do seu novo sector de trabalho?
O Ministério dos Negócios Estrangeiros e
Cooperação tem uma equipa excepcional. São diplomatas, lidam com relações
internacionais no seu dia-a-dia, são extremamente capazes, então o meu ingresso
aqui não foi difícil. Esta é uma grande casa.
Que planos (urgentes) existem no Governo de Nyusi, de
forma especial aqui no seu sector, a serem executados?
Aqui, pretendemos fazer mais amigos, reforçar a
nossa cooperação económica e assegurar que os compromissos que Moçambique tem
sejam cumpridos ao nível internacional. Nós estamos a receber muitas delegações
de uma multiplicidade de países que desejam investir em Moçambique. Outrossim,
as nossas missões diplomáticas e consulares estão a fazer um excelente trabalho
no sentido de levar Moçambique a um patamar desejável, conquistando o espaço
internacional.
O que é que se está a ser feito para acautelar a
ocorrência do crime de xenofobia na África do Sul contra os moçambicanos e não
só?
Nesse momento temos de assegurar que os dois
países estejam em sintonia. Temos estado em contacto diário, para acompanhar o
que o Governo sul- africano está a fazer de forma a mitigar a Xenofobia. Temos
que assegurar que o moçambicanos que desejam voltar ao país regressem em
óptimas condições de segurança.
Antes de entrar para o Governo de Nyusi, a Sra.
Vice-ministra esteve envolvida em projectos, um dos quais, designado por Rostos
e Vozes ligado aos Caminhos de Ferro de Moçambique. Em que é que consistiu esse
programa?
Fiz parte de uma equipa de antropólogos que
desenvolveu um trabalho que consistia em ouvir relatos ou testemunhos de
funcionários dos Caminhos de Ferro de Moçambique, que trabalharam nos CFM nos
anos 40 e 50. Entrevistamos pessoas que desenvolviam as suas actividades no
cais, estivadores, trabalhadores do depósito de enxofre, e outros que estavam
na área de construção e manutenção de algumas linhas e algumas que trabalhavam
na secretaria,
O objectivo dessa acção era recolher experiências
para enriquecer o acervo histórico dos CFM. Esta empresa tem um museu e no
plano de desenvolvimento tem uma componente antropológica, com interesse no
testemunho dos seus trabalhadores.
Há informações que nos remetem à nossa história
como país, como por exemplo a construção da actual cidade de Maputo. A empresa Caminhos
de Ferro de Moçambique desempenhou um papel fundamental na edificação desta
cidade e, duma forma geral, no desenvolvimento do país,
Contudo, não fui até ao fim do projecto, pois tive
outras actividades que levaram à minha retirada. Entretanto, estou,
actualmente, empenhada na Fundação Eduardo Mondlane, instalada na província de
Gaza.
De que forma actua na Fundação Eduardo Mondlane?
Faço supervisão deste projecto criado em 2000 por
Janet Mondlane, com o intuito de fazer a captação e preservação do legado de
Mondlane. Minha mãe tem cerca de 12 mil cartas que Eduardo Mondlane trocou com
ela em vida e também, as que ele trocava com amigos durante a juventude,
mentores da igreja presbiteriana; outras ligadas à Frente de Libertação de
Moçambique, mas o grande número de cartas são trocadas entre os dois, portanto
muitas cartas de amor. Temos, também, imagens, material audiovisual.
Ora, dentre vários objectivos para a criação desta
fundação, sentimos que era nossa responsabilidade fazer alguma coisa para ajudar
a aldeia onde Mondlane nasceu, e eu estou a coordenar essa componente.
Felizmente o Governo gostou da nossa iniciativa daí que estamos, inclusive, a
fazer a gestão conjunta do museu a céu aberto de Nwadjahane, contando
igualmente com a participação da população local. Temos um roteiro
autobiográfico de Mondlane; lá pode se ver o local onde nasceu, onde repousam
os antepassados; o monumento a si dedicado... Tem um acervo fotográfico muito
rico e tem guias que são profissionais membros da aldeia.
A sua formação em antropologia veio a calhar…
Sem dúvida, tendo em conta que ajuda a ter
sensibilidade em relação ao que nos rodeia. De qualquer forma, devo confessar
que a população local e a família Mondlane ajudaram muito, contribuindo com
informações sobre a sua história. É que de uma forma geral, as pessoas sabem,
apenas, que Eduardo Mondlane é um herói. Faltam dados que permitem o seu lado
humano, a infância, que guarda memórias de um menino que percorria a lagoa,
lutava com outros meninos, pastava os cabritos do pai…
E como foi para si passar a sua infância sem o seu pai?
Perdeu-o muito cedo…
Quando o meu pai foi assassinado cresci
rapidamente! E deixem-me também destacar que o meu pai não morreu vítima de
acidente de carro ou afogado ou por um outro motivo. Alguém assassinou-o! A
intenção foi tão brutal que poderia ter tido consequências com dimensões
maiores do que ocorreu. Ele podia ter aberto o livro-bomba em casa, à mesa com
os filhos à sua volta.
Só para exemplificar, quando o meu pai chegava à casa a primeira coisa que
eu gostava de fazer era sentar-me ao seu colo, muitas vezes ele estando a
arrumar documentos.
Ora, quando o meu pai morre, a minha mãe e os
amigos da família tentaram explicar a uma menina de sete anos quem era Eduardo,
a sua participação na política e fazê-la compreender que iriam continuar a
fazer a vida sem o pai. Obviamente, passei por momentos difíceis, mas os
camaradas da Frelimo demonstraram que eram a outra família, ali não tínhamos os
tios biológicos nem do lado do pai nem da mãe, mas tínhamos os tios que eram os
camaradas da Frelimo e estavam preocupados connosco.Mas um dos factores que
contribuíram para minorar a dor é o facto de ter uma mãe espectacular, ela
ficou mãe e pai, e ela continuou firme nas fileiras da Frelimo, buscou apoio
para os soldados, alunos e crianças nos centros profissionais e a buscar amigos
para a Frelimo ao nível internacional e depois da independência continuou
empenhada nas tarefas da Frelimo, do governo, esteve na cooperação
internacional, na Cruz Vermelha, na comissão do combate ao HIV – Sida e agora
na Fundação Eduardo Mondlane.
LEMBRO-ME DOS DEDOS DO MEU PAI
Cresceu no seio da política. Como era a vossa
convivência, tendo em conta que seus pais estavam comprometidos com os assuntos
do país?
Os meus pais passavam muito tempo fora. Ora era o
pai, e ficávamos com a mãe, ou era mãe e ficávamos com o pai. Era difícil
estarem os dois em casa. E quando os dois não estivessem, as camaradas da
FRELIMO tomavam conta de nós.
Afirma que a sua mãe é uma mulher espectacular, que
ensinamento lhe transmitiu que provavelmente irá passar para seus filhos?
A resposta cabal para esta pergunta exigiria umas
quatro horas. (Risos) Mas no mínimo direi o seguinte: após a morte do meu pai,
minha mãe poderia com facilidade ter arrumado as malas, pegado em nós, em 1969,
e voltado para casa dela. Aliás essa era a vontade dos meus avós, mas não o
fez. A minha mãe, talvez sem essa intenção, deixou patente em mim que posso
fazer tudo o que quero desde que esteja comprometida com o meu objectivo, isto
cabe naquela expressão que diz “o céu é o limite”. Mas também me ensinou a ter
paciência, compreender os outros, entretanto, sem abdicar dos meus princípios.
Sem contar que sempre esteve do meu lado em tudo, é por isso a considero “a
Nyeleti da minha vida”. Ajudou a criar os meus filhos. Ela é uma avó amiga,
principalmente com o meu filho mais velho que é “marido” dela, pois demos o
nome do meu pai.
Do que é que se lembra do seu pai?
Dos dedos das mãos. Quando voltava do serviço, eu
gostava de ficar entre as pernas dele e ele me abraçava. Lembro-me das
suas mãos entrelaçadas em mim.
Eram amigos…
Muito amigos. E gostava de me fazer cócegas.
Lembro-me também que fazia muita ginástica, e gostava de correr longas
distâncias com o nosso primeiro cão chamado Katembe.
Katembe?!
Sim, meu pai dava nome de rios aos nossos animais.
Tivemos também Lúrio, Save….
Porquê?
Era uma maneira de nos introduzir” um pouco de
Moçambique. Não vivíamos cá, estávamos na Tanzânia.
Que tipo de homem o seu pai era?
Muito afável, e se calhar porque se ausentava de
casa várias vezes. E sendo eu a filha mais nova beneficiava de miminhos
adicionais, comigo ele tinha muita paciência. Mas…
Sim…
Um dia, levei uma tesoura de costura da minha mãe
para brincar de cortar velas. Quando o meu pai soube dessa brincadeirinha mandou a mim e aos meus irmãos perfilar,
tendo de seguida perguntado a cada um de nós quem tinha feito tal coisa.
Perguntou primeiro ao meu irmão, e ele respondeu que não tinha nada a ver com
aquilo. Depois coube a vez à minha irmã, que também se distanciou da
brincadeira. Quando chegou a minha vez, ele fitou olhar em mim e,… desatei a
chorar. Mesmo assim não escapei de umas palmadinhas.
Porque a puseram o nome ‘Nyeleti’?
Era o nome de seu namoro com Janet (mãe). Sou
produto de muito amor entre duas pessoas.
Nome de namoro?!
Sim. Na verdade esse nome foi usado para
identificar a minha mãe nas cartas de amor. Os meus avós maternos não aceitavam
a relação entre os meus pais, chegaram a retirar todo o suporte financeiro que
davam à minha mãe, quando se aperceberam que ela mantinha uma relação com um
negro e essa união estava a fortificar-se. Nyeleti era o código; Nyeleti era o
amor da vida dele.
Seu pai apoiaria a sua formação em Antropologia?
Sim, mas minha mãe não. Até tentou dissuadir-me
dessa ideia quando lhe falei da minha decisão. Justificou-se dizendo que meu
pai sofreu muito, passando a vida nas bibliotecas. Dizia que o nariz dele
estava sempre nos livros como quem diz ‘ele dormia com a cama cheia de livros’.
E por que razão escolheu esse curso?
Sou uma pessoa socialmente curiosa, gosto de
perceber como as pessoas são e vivem, a possibilidade de todos nós sermos uma
comunidade global e ao mesmo tempo sermos diferentes.
Formou-se por que universidade?
Manchester, na Inglaterra.
Era seu sonho de infância?
Não. Meu sonho de infância era ser hospedeira,
professora. Queria muito ser professora porque ficava impressionada ao vê-las a
darem aulas no centro educacional do Tunduro. Sem contar que tive uma heroína,
a minha professora de 2ª classe.
Heroína….?
Sim. Quando meu pai foi assassinado, minha
professora ajudou-me muito, acompanhando-me em tudo, tendo paciência comigo,
porque por vezes andava “perdida”. Ela conversava comigo e fazia-me perceber
que tinha uma vida pela frente independentemente do que estava a acontecer no
meu meio familiar.
Que mulher moçambicana temos actualmente?
Lutadora, que gosta de si, pronta para ultrapassar
desafios, que monitora a sua família e que quer conquistar para o mundo.
Estando na política, tem auscultado os anseios das outras
mulheres, para as orientar de forma a atingirem um patamar desejável,
principalmente sob ponto de vista socioeconómico?
Sim, acho que como deputada da Assembleia da
República tive uma singela oportunidade de ajudar a mulher, juntamente com as
minhas outras colegas. Agora no meu dia-a-dia sensibilizo-as a darem prioridade
à formação, a não contraírem cedo o matrimónio e/ou a não engravidarem precocemente.
Estas são algumas das várias contribuições.
Ser filha de Eduardo Mondlane contribuiu para entrar para
a política?
Sei que muitas pessoas me tratam com grande
deferência por ser filha de Mondlane. É uma realidade imputável e tenho de
respeitar, agradecer e abraçar. Sou Nyeleti Mondlane. As pessoas tendem a olhar
para mim como filha de Mondlane e é difícil separar-me disso. Não posso esperar
que me olhem sem considerar esse facto. Tenho de viver com essa realidade que
tem suas vantagens e desvantagens...
De qualquer forma, gosta de política?
Muito. Não sei o que é viver sem política. Ela faz
parte de minha vida.
GOSTO DE DORMIR
É casada?
Sim. Meu parceiro é uma pessoa extremamente viva,
amiga e cómica.
Temos dois filhos e um terceiro filho, uma menina, entrou para as nossas vidas em 2007. Adoptamo-la, mas não gosto desse termo. Digo que Deus a colocou no nosso caminho e a nós no caminho dela.
Temos dois filhos e um terceiro filho, uma menina, entrou para as nossas vidas em 2007. Adoptamo-la, mas não gosto desse termo. Digo que Deus a colocou no nosso caminho e a nós no caminho dela.
Com quantos anos passou a fazer parte da vossa família?
Quatro. Eu era a madrinha dela no orfanato depois
os nossos corações decidiram que tínhamos que ficar juntos.
O que costuma fazer quando está em casa com a sua
família?
Durmo (Risos). Gosto de dormir, mas também de me
juntar às amigas e cozinhar.
Pratica desporto?
Praticava.
Quando é que parou?
Quando constitui a minha família. Mas está
definitivamente nos meus planos voltar a treinar-me. Eu fui uma grande nadadora
e jogava basquetebol, só que fiquei preguiçosa e parei.
Chegou a jogar num clube federado?
Sim. Pelo clube Estrela Vermelha, por exemplo. E
fui capitã da equipa nacional.
Quantas línguas fala?
Três: Inglês, Português, Francês.
Changana não?
- Percebo, mas não falo nada bem. Até tento quando
estou com minhas tias paternas. Elas têm muita paciência.
Quando é que conheceu as suas tias?
Em 1975 quando fiz a viagem do Rovuma ao Maputo
com o Presidente Samora Machel. Passamos por Manjacaze e ele apresentou-me à
família. Foi um momento emocionante. Esteve, inclusive, o homem gigante de
Manjacaze.
Gosta de viajar?
Não, por ter que estar longe da família. Mas o meu
actual cargo e as missões que tenho de cumprir pelo ministério, no âmbito das
cooperações diplomáticas, obrigam-me a viajar constantemente.
Nem com a sua família?!
Ah, isso é diferente! Mas temos uma
particularidade, gostamos de viajar para dentro do país, ir às praias. Esses
são os melhores momentos para mim, meu marido e nossos filhos. Gosto das praias
de Inhambane, Chidenguele. Gosto muito do alto mar.
E arrisca-se a nadar no alto mar?
Sim. Eu posso atravessar a Katembe, ir e vir. E
já atravessei a de Bilene com o Presidente Samora.
Verdade?
Sim, fizemos aquelas dunas da praia até ao alto
mar. Sou um peixe dentro da água.
Texo de Carol Banze, Angelina Mahumane e Maria de Lurdes
Cossa
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