sábado, novembro 05, 2011

Gémeos culpados pela derrota em 1947

A prática secular de oferecer gémeos recém-nascidos para adopção, seguindo a crença de que gémeos trazem má sorte e violência entre os pais e no seio da comunidade, está a dividir os residentes da cidade costeira malgaxe de Mananjary.A crença de que gémeos recém-nascidos não devem ficar com os pais biológicos é perpetuada pelos descendentes dos Mpanjakas, uma família real local cujos 10 chefes eleitos reforçam a sua autoridade cultural. O tabu contra gémeos é baseado numa percepção cultural de um desastre histórico.Os anciãos de Mananjary culpam gémeos pela derrota da revolta contra as autoridades coloniais francesas em 1947, como exemplo da sua crença. Diz-se que uma rainha fugiu da luta mas esqueceu um dos gémeos. Ela mandou soldados de volta para trazer a criança e foram massacrados. Não há prova histórica de tal ocorrência.“Não existe nenhuma razão real para este costume, e se eu pudesse decidir de novo eu teria ficado com os meus filhos,” disse Marie Louise Zisllene, directora de escola local. Os seus gémeos foram adoptados por uma família canadiana em 1988 e ela não teve mais contacto com eles desde então, mas ela diz que eles tiveram provavelmente uma educação melhor daquela que teriam tido em Madagáscar.O professor Ignace Rakoto, co-autor, com Gracy Fernandes e Nelly Ranaivo Rabetokotany, de um recente estudo sobre a rejeição de gémeos, intitulado “Gémeos de Mananjary, entre abandono e protecção”, disse que “o tabu causa grande sofrimento no seio das famílias”. Ele pertence a um clã que não tem esse tabu.“Eu cresci nesta zona sem saber que isto (dar gémeos para adopção) acontecia, porque nunca ninguém falou disto. Algumas pessoas ficaram embaraçadas quando começámos a investigar,”, disse Rakoto. “Eles nos perguntavam porquê queriamos divulgar isso na imprensa.”Rakoto, que é antigo Ministro da Educação, disse que os chefes encaram o tabu como “parte da sua identidade – Eu tento dizer-lhes que não se pode construir uma identidade à volta de uma tradição errada.”Quando Voangy Razafy, de 31 anos, teve parto de gémeos ela tentou convencer a sua família de que ela deveria ser autorizada a criar os seus filhos, mas o avô de Razafy, um chefe do cã de Antambahoaka, recusou quebrar a tradição.“No fim, mesmo a minha mãe se voltou contra mim e mandou-me embora,” disse ela. O custo de desafiar o tabu significou que teve que ir viver numa outra parte da cidade, onde ela passa extremas dificuldades financeiras, e é ostracizada pela sua própria família. “Eles disseram que os meus filhos um dia vão se virar contra os progenitores quando cresceram.”A tradição dita que os gémeos devem ser abandonados à nascença e deixados para morrerem; aqueles que tiverem sorte são achados e recolhidos por outras pessoas. Na cidade, gémeos abandonados são dados para adopção e esta prática pode causar profundas divisões.“Aconteceu um caso em que gémeos foram achados junto a um contentor de lixo. Uma família de um outro grupo étnico levou uma das meninas. Anos mais tarde, quando os pais biológicos viram a menina queriam tomá-la de volta, mas ela recusou. Mesmo agora, como adulta, ela não quer nenhum contacto com a sua família biológica,”dizem os autores.Em 1987 foi criado o Centro para Adopção de Gémeos, mas foi recebido com muito ressentimento pelos membros da comunidade. “Quando acabávamos de abrir o centro, os vizinhos queixaram-se de que o vento que soprasse sobre o centro lhes provocava doenças. Tivemos que sair e viemos para este lugar, longe da cidade,” disse Julie Rasoarinanana, que gere o centro.Alguns membros da família dela também não concordavam com a ideia do centro e avisaram-na que ela seria proibida de entrar na casa real, conhecida como Tranobe, porque “eu toquei em gémeos”.O centro já providenciou a adopção de 300 crianças desde que abriu, e tem enfrentado crescentes dificuldades com a entrada em vigor de novas regras de adopção, para tentar controlar o tráfico de menores.

0 comments: