segunda-feira, agosto 29, 2022

O que é, na realidade, a governação do comum?

É aquela que não deixa ninguém para trás. A que agrega valor ao colectivo. O fio condutor da felicidade de um povo. Exemplificando, estamos a falar concretamente daquela que, para além da Lei, impõe limites morais à governação. A que não admite políticas cujos efeitos sejam contraproducentes. A que assenta nos estímulos intrínsecos para a construção do bem público. A que valoriza as autoridades independentes pela defesa da imparcialidade.

Um povo que vota tem o dever de exigir que as promessas se cumpram. Tem o dever de fiscalizar quando a governação não o inclui. Tem o dever de seguir o rasto do seu voto porque a prática tem demonstrado os "dotes mágicos" de quem os conta.

Em democracia, um dos maiores garantes de estabilidade é o Consenso, que é sempre um indicador de sabedoria e inteligência. Sem consensos para as questões estruturantes, o que sobra é a morte do fortalecimento da coesão nacional.

É necessário desconstruir qualquer realidade que restrinja, que iniba ou que amedronte as pessoas. Angola precisa de ideias novas. Durante todos estes anos, o povo foi compreensivo. Obedeceu a tudo quanto lhe impuseram. Assentou a sua existência na máxima "vamos fazer mais como, então...". Aceitou tudo e raramente se zangou. Todo o ódio é um retrocesso. O povo mais jovem sabe disso. São, infelizmente, os velhos com a barriga cheia que estão a desenterrar os machados acreditando que esta mensagem ainda é válida. Felizmente não é.

Há demasiado tempo que se sente uma relação de desilusão generalizada com a governação. Mas agora essa relação é de impaciência, irritação pelo estado amorfo em que sobrevive a nossa democracia. O verdadeiro centro emocional do protesto está no abuso da falta de respeito com que o povo é tratado até hoje.

Apenas quem conseguir chegar à outra margem, a margem onde se nada contra a injustiça social, onde vive a maioria do povo que vota, vencerá estas eleições. O povo já não quer saber do passado. A maioria dos eleitores tem menos de 35 anos e já provou que não quer mais nenhuma governação telepática, instantânea e sem qualquer humildade. Também não aplaude a prepotência, a arrogância nem a manipulação. Estes jovens querem participar numa narrativa política com lógica, aquela que detectou o erro e, a tempo, aprendeu a corrigir a rota. Sentem-se sozinhos num País que se virou contra o seu povo, numa atitude de indiferença absoluta e inexplicável.

O povo está a falar em diferentes vozes, mas em uníssono sobre as suas dores e a sua saturação, nas redes sociais, na família, na rua e nos transportes públicos, chamando a atenção para o desnorte da sua situação, da ausência de debates que permitiriam avaliar o argumento dos candidatos na defesa das suas propostas. O povo pode não entender os conceitos económicos, mas entende, sem dúvida, o som do seu estômago colado às costas. E, por isso, gostaria de ouvir os candidatos a conversarem, de forma urbana, mostrando cada um os seus trunfos para construir dignidade social.

O povo heróico e generoso tem voz. Nunca se calou, apesar de existir em silêncio. Escreveu, cantou, fez poesia nos momentos mais difíceis, dançou ao som das suas lágrimas. Mas nunca desistiu do País. Acreditou que um dia seríamos felizes e ainda acredita. "Governar sem as pessoas" tem sido o principal factor de decadência da nossa democracia. A opinião dos cidadãos nunca é considerada, sobretudo quando é contrária aos interesses dos "negócios públicos". Os meios de comunicação públicos, de forma desonesta, são a cereja em cima do bolo.

Daí a atenção generalizada que estão a ter estas eleições, não obstante a consciência das inúmeras nuvens negras que estão a ensombrar o processo porque faltam, novamente, a transparência e o respeito pelo eleitor, o que também já não é novidade. Estamos a ouvir discursos radicais que apelam ao ódio que deixaram de fazer sentido depois dos acordos de Luena. É na ética da governação e nas práticas isentas de repreensão que se constrói a Unidade Nacional. Ouvir a voz do povo é ouvir a verdade da realidade e quem não ouve a realidade jamais poderá governar com sabedoria. É necessário reorientar a nossa democracia para a justiça social assente nos pequenos sistemas: a aldeia, o bairro, a rua e a família, para isso serão imprescindíveis as eleições autárquicas que foram sovieticamente adiadas, não obstante terem sido um dos principais compromissos do candidato do partido do governo.

O mundo mudou. Mas nenhuma destas mudanças está para além do alcance da política. Mudaram as relações de mercado, as relações pessoais, os modelos económicos, a velocidade da comunicação, mas a nossa democracia continua estática e convicta de que para existir basta que se convoquem eleições. É visível o excesso de políticos angolanos que pararam no tempo. Serão necessárias políticas certas que ajudem a redistribuir a riqueza e a fazer subir o nível de vida dos cidadãos. E estas políticas não são simples e por isso não podem ser atreladas ao discurso populista que serve apenas para caçar votos. É exactamente pelo constante apelo ao populismo, anunciando soluções superficiais e simplistas que muitos partidos perdem a credibilidade e nunca mais a recuperam.

A internet permite que milhões de pessoas se reúnam à volta de uma ideia e a multipliquem. Isto tem vindo a mostrar as fragilidades da democracia em países com governos autoritários e longevos que se desviam sistematicamente da necessidade de governar para o povo e envenenam a confiança nas instituições.

Quando um sistema político prevalece durante décadas é natural que aqueles que nunca conheceram outra realidade acreditem que ele é imutável. É por esta razão que a manutenção do modelo interesseiro de apelo ao voto vai falhar para quem não aprendeu a falar olhos nos olhos e sem mentirem conseguirem mostrar um caminho credível para a felicidade colectiva. Que não prometam nada que não possam cumprir porque o soberano cresceu e deixou de acreditar na mesmice.

Queremos mentes brilhantes que sejam conduzidas pelo espírito de missão, que assentem a sua existência numa visão que permita reiniciar um futuro capaz de curar as nossas feridas e consiga criar o conforto e a dignidade que todos os angolanos merecem e desejam. Só o poder das ideias, que prevejam o bem comum, será capaz de conferir grandeza a Angola.

(in Novo Jornal)

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