segunda-feira, outubro 11, 2021

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Primeiro padre, primeiro bispo e primeiro cardeal nativo de Moçambique. É assim como o papa Francisco define o arcebispo emérito Alexandre dos Santos, que morreu no último dia 29, aos 103 anos, em Maputo, vítima de doença. Os restos mortais de Alexandre dos Santos foram depositados, esta quinta-feira, na Sé Catedral de Maputo, na presença do Presidente da República, Filipe Nyusi, e outras figuras do Estado, constitucionalmente laico.

Num país que tem sido pontuado por fracturas permanentes, a morte do arcebispo emérito mereceu um dos raríssimos momentos de unanimidade na sociedade moçambicana. Partidos políticos, confissões religiosas, instituições de ensino e sociedade civil convergiram no elogio ao eclesiástico católico, homem de causas que transcendem o universo religioso, como a paz social, a educação e busca de bem- -estar geral. Relação difícil com o Estado Alexandre dos Santos, à frente da igreja católica de Moçambique, viveu todo o período conturbado das relações inquinadas entre o Vaticano e o Governo, após a independência do país em 1975. Nesse período, muitos padres católicos e missionários foram expulsos de Moçambique e grande parte dos bens da igreja católica, incluindo escolas e hospitais, foram nacionalizados. Para a normalização das relações, foi negociada a devolução de parte dos bens, situação extensa a outras confissões religiosas. Moçambique, como Estado laico, denunciou também o acordo da Concordata, estabelecido antes da independência entre o governo português e a Santa Sé.

Num telegrama que enviou ao actual arcebispo de Maputo, Francisco Chimoio, o papa Francisco exprime a sua dor pela morte do cardeal e sua solidariedade aos “familiares em luto e a quantos, sobretudo nessa arquidiocese de Maputo, se beneficiaram do serviço deste pastor”. 

O chefe da igreja católica descreve o falecido arcebispo emérito de Maputo como “um servidor incansável do evangelho e da igreja”. Homenageado pela Frelimo O Presidente Filipe Nyusi lamentou a morte de Alexandre dos Santos, lembrando “o seu humanismo, alto sentido de ética e cidadania”. Nyusi, também ele católico, considerou Dom Alexandre como “um combatente do mundo e para o mundo, que apostou na educação dos cidadãos como um meio de promoção da igualdade, fraternidade entre os homens”. Para Filipe Nyusi, Moçambique perdeu um dos seus “melhores filhos”, um religioso que se destacou pelo seu “empenho para o bem da humanidade, independentemente da posição social, raça, ou outras formas de distinção”. “Encarnou um elevado sentimento patriótico ao aderir ao processo de pacificação de Moçambique”, acrescentou Filipe Nyusi. Também a Frelimo e Renamo lamentaram a morte de Alexandre dos Santos. “A Frelimo inclina-se perante o seu corpo inerte, Moçambique perdeu um dos seus melhores filhos”, referiu o comunicado do partido no poder. Além da Frelimo, a Renamo, principal partido de oposição, manifestou também as suas condolências.

“Dom Alexandre José Maria dos Santos foi um clérigo notável na evangelização e na construção de uma sociedade mais justa e humanizada”, frisou a Renamo. Alexandre dos Santos foi o primeiro moçambicano negro a ser ordenado padre, em 1953, quando o país ainda estava sob domínio colonial português. Chegou ao cargo de arcebispo de Maputo em Dezembro de 1974, numa altura em que o Vaticano estava em pânico com a chegada da independência e precisava de, estrategicamente, colorir a hierarquia católica local. Nesta altura, os portugueses estavam em debandada, após uma aparente narrativa incendiária da Frelimo. O discurso oficial denunciava a igreja católica como instrumento ao serviço do colonialismo português.

Em 2003 foi nomeado cardeal pelo Papa João Paulo II. Em Setembro de 1988, já como cardeal, Alexandre dos Santos recebeu João Paulo II em visita pastoral a Moçambique. Figura de consensos na igreja católica em Moçambique, Alexandre dos Santos, visto como próximo da Frelimo, por oposição ao sentido crítico sempre expresso pelo bispo da Beira, Jaime Gonçalves, participou também na mediação das negociações que culminaram com a assinatura do Acordo Geral de Paz entre o Governo e a Renamo, em 1992. Alexandre dos Santos era um entusiasta da educação e formação, tendo dinamizado a criação da Universidade São Tomás de Moçambique (USTM). Um chope entre os Franciscanos Alexandre José Maria dos Santos nasceu em Zavala, na Diocese de Inhambane, a 18 de Março de 1924. Concluiu os primeiros estudos na escola dos missionários Franciscanos. Depois de frequentar o seminário menor franciscano de Amatongas, em Manica, foi enviado para Nyassaland - actual Malawi - para fazer o curso de filosofia com os Padres Brancos (Missionários da África), pois naquela época, ainda não existia seminário maior em Moçambique. Em 1947 entrou no noviciado da Província Franciscana Portuguesa de Varatojo, perto de Lisboa. Frequentou o curso de Teologia em Lisboa.

 Ali foi ordenado sacerdote a 25 de Junho de 1953. Regressado à sua terra natal em 1954, foi trabalhar nas missões franciscanas na região de Inhambane. Em 1972 tornou-se Conselheiro da Custódia Franciscana de Moçambique e Reitor do novo Seminário Menor do país em Vila Pery, hoje Chimoio.   Foi nomeado, pelo papa Paulo VI, arcebispo de Maputo em 23 de Dezembro 1974, tendo sido sagrado bispo a 9 de Março do ano seguinte, antes da independência de Moçambique, ocorrida a 25 de Junho de 1975. Dom Alexandre fundou a Caritas de Moçambique e foi o seu primeiro presidente. Em 1981 fundou a Pia União das Mulheres com o nome de Franciscanas de Nossa Senhora Mãe de África, um instituto religioso que tem por objectivo difundir o catolicismo e as actividades assistenciais desta confissão religiosa, mormente junto das comunidades pobres.

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