Primeiro padre,
primeiro bispo e primeiro cardeal nativo de Moçambique. É assim como o papa
Francisco define o arcebispo emérito Alexandre dos Santos, que morreu no último
dia 29, aos 103 anos, em Maputo, vítima de doença. Os restos mortais de
Alexandre dos Santos foram depositados, esta quinta-feira, na Sé Catedral de
Maputo, na presença do Presidente da República, Filipe Nyusi, e outras figuras
do Estado, constitucionalmente laico.

Num país que tem sido
pontuado por fracturas permanentes, a morte do arcebispo emérito mereceu um dos
raríssimos momentos de unanimidade na sociedade moçambicana. Partidos
políticos, confissões religiosas, instituições de ensino e sociedade civil
convergiram no elogio ao eclesiástico católico, homem de causas que transcendem
o universo religioso, como a paz social, a educação e busca de bem- -estar
geral. Relação difícil com o Estado Alexandre dos Santos, à frente da igreja
católica de Moçambique, viveu todo o período conturbado das relações inquinadas
entre o Vaticano e o Governo, após a independência do país em 1975. Nesse
período, muitos padres católicos e missionários foram expulsos de Moçambique e
grande parte dos bens da igreja católica, incluindo escolas e hospitais, foram
nacionalizados. Para a normalização das relações, foi negociada a devolução de
parte dos bens, situação extensa a outras confissões religiosas. Moçambique,
como Estado laico, denunciou também o acordo da Concordata, estabelecido antes
da independência entre o governo português e a Santa Sé.
Num telegrama que enviou ao actual arcebispo
de Maputo, Francisco Chimoio, o papa Francisco exprime a sua dor pela morte do
cardeal e sua solidariedade aos “familiares em luto e a quantos, sobretudo
nessa arquidiocese de Maputo, se beneficiaram do serviço deste pastor”.

O chefe
da igreja católica descreve o falecido arcebispo emérito de Maputo como “um
servidor incansável do evangelho e da igreja”. Homenageado pela Frelimo O
Presidente Filipe Nyusi lamentou a morte de Alexandre dos Santos, lembrando “o seu
humanismo, alto sentido de ética e cidadania”. Nyusi, também ele católico,
considerou Dom Alexandre como “um combatente do mundo e para o mundo, que
apostou na educação dos cidadãos como um meio de promoção da igualdade,
fraternidade entre os homens”. Para Filipe Nyusi, Moçambique perdeu um dos seus
“melhores filhos”, um religioso que se destacou pelo seu “empenho para o bem da
humanidade, independentemente da posição social, raça, ou outras formas de
distinção”. “Encarnou um elevado sentimento patriótico ao aderir ao processo de
pacificação de Moçambique”, acrescentou Filipe Nyusi. Também a Frelimo e Renamo
lamentaram a morte de Alexandre dos Santos. “A Frelimo inclina-se perante o seu
corpo inerte, Moçambique perdeu um dos seus melhores filhos”, referiu o
comunicado do partido no poder. Além da Frelimo, a Renamo, principal partido de
oposição, manifestou também as suas condolências.

“Dom Alexandre José
Maria dos Santos foi um clérigo notável na evangelização e na construção de uma
sociedade mais justa e humanizada”, frisou a Renamo. Alexandre dos Santos foi o
primeiro moçambicano negro a ser ordenado padre, em 1953, quando o país ainda
estava sob domínio colonial português. Chegou ao cargo de arcebispo de Maputo
em Dezembro de 1974, numa altura em que o Vaticano estava em pânico com a
chegada da independência e precisava de, estrategicamente, colorir a hierarquia
católica local. Nesta altura, os portugueses estavam em debandada, após uma
aparente narrativa incendiária da Frelimo. O discurso oficial denunciava a
igreja católica como instrumento ao serviço do colonialismo português.
Em 2003 foi nomeado
cardeal pelo Papa João Paulo II. Em Setembro de 1988, já como cardeal,
Alexandre dos Santos recebeu João Paulo II em visita pastoral a Moçambique.
Figura de consensos na igreja católica em Moçambique, Alexandre dos Santos,
visto como próximo da Frelimo, por oposição ao sentido crítico sempre expresso
pelo bispo da Beira, Jaime Gonçalves, participou também na mediação das
negociações que culminaram com a assinatura do Acordo Geral de Paz entre o
Governo e a Renamo, em 1992. Alexandre dos Santos era um entusiasta da educação
e formação, tendo dinamizado a criação da Universidade São Tomás de Moçambique
(USTM). Um chope entre os Franciscanos Alexandre José Maria dos Santos nasceu
em Zavala, na Diocese de Inhambane, a 18 de Março de 1924. Concluiu os
primeiros estudos na escola dos missionários Franciscanos. Depois de frequentar
o seminário menor franciscano de Amatongas, em Manica, foi enviado para
Nyassaland - actual Malawi - para fazer o curso de filosofia com os Padres
Brancos (Missionários da África), pois naquela época, ainda não existia
seminário maior em Moçambique. Em 1947 entrou no noviciado da Província
Franciscana Portuguesa de Varatojo, perto de Lisboa. Frequentou o curso de
Teologia em Lisboa.

Ali foi ordenado
sacerdote a 25 de Junho de 1953. Regressado à sua terra natal em 1954, foi
trabalhar nas missões franciscanas na região de Inhambane. Em 1972 tornou-se
Conselheiro da Custódia Franciscana de Moçambique e Reitor do novo Seminário
Menor do país em Vila Pery, hoje Chimoio. Foi nomeado, pelo papa Paulo
VI, arcebispo de Maputo em 23 de Dezembro 1974, tendo sido sagrado bispo a 9 de
Março do ano seguinte, antes da independência de Moçambique, ocorrida a 25 de
Junho de 1975. Dom Alexandre fundou a Caritas de Moçambique e foi o seu
primeiro presidente. Em 1981 fundou a Pia União das Mulheres com o nome de
Franciscanas de Nossa Senhora Mãe de África, um instituto religioso que tem por
objectivo difundir o catolicismo e as actividades assistenciais desta confissão
religiosa, mormente junto das comunidades pobres.