quinta-feira, março 18, 2021

O Mundo Estuda O ‘Paradoxo Africano’

Quando a pandemia foi declarada, em 2020, as autoridades de saúde pública temeram que as infecções em massa pudessem causar o colapso dos sistemas de saúde de África. Treze meses depois, isso não aconteceu. Houve aproximadamente 4 milhões de casos confirmados de COVID-19 e mais de 100.000 mortes no continente, mas o continente evitou o pior cenário possível. O número de mortes, embora trágico, é uma fracção daquilo que outros continentes e alguns países experimentaram, apesar dos recursos médicos limitados de África. É um fenómeno que os epidemiologistas chamam de “O Paradoxo Africano” e ainda têm dificuldades para o explicar.

“Quando o vírus finalmente chegou a África, algumas fatalidades se seguiram, mas a catástrofe que se vaticinava nunca ocorreu, mesmo quando a pandemia alcançou o seu primeiro pico, estabilizou-se e depois diminuiu,” Dr. Yakubu Lawal, da Nigéria, escreveu no seu estudo intitulado “Baixa taxa de mortalidade pela COVID-19 em África: Um paradoxo?” publicado no International Journal of Infectious Diseases, em Janeiro de 2021. “Actualmente está a aumentar de novo em alguns países, embora não tão rapidamente como antes.”

Uma das respostas mais simples é de que os países africanos não realizaram tantos testes como os outros países. Cerca de 37 milhões de testes foram administrados, alcançando uma pequena fracção dos 1,3 bilhões de habitantes do continente. Um estudo, que será publicado em breve no Jornal Médico Britânico, que se centra na testagem de 364 cadáveres, em Lusaca, Zâmbia, mostrou que 1 em cada 5 estava infectado. A maior parte destes morreu antes de ir ao hospital. Nenhum foi previamente testado.

“Será que estamos a contar todas as mortes do continente? Não,” Dr. John Nkengasong, director do Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças, disse aos jornalistas em Fevereiro. “Mas a maior parte das pessoas do continente conhece alguém que já morreu de COVID durante esta segunda vaga.”

Para explicar o sucesso relativo de África em relação à COVID-19, os especialistas frequentemente citam as lições aprendidas de surtos de doenças como o Ébola e o HIV. Alguns países como o Senegal e a República Democrática do Congo foram capazes de adaptar centros de operações já existentes, protocolos de rastreamento de contactos e esforços de alcance comunitários. Muitos governantes receberam elogios por terem encerrado as fronteiras de forma rápida e imposto restrições. Muitos tiveram tempo para se preparar porque muitos dos seus cidadãos vivem longe dos aeroportos onde os viajantes globais propagavam vírus no início de 2020.

Outros factores e teorias podem ser:

Os países com população mais jovem têm a tendência de ter menos casos severos de COVID-19. Apenas 3% da população da África Subsaariana tem 65 anos de idade ou mais. Na União Europeia, isso é 20%. A COVID-19 ainda pode propagar-se em temperaturas mais quentes, mas o clima de África leva as pessoas a passar mais tempo fora de casa. O ar condicionado é menos prevalecente e, por isso, as janelas estão, muitas vezes, abertas. Existem poucos locais de trabalho com fraca circulação e fraca ventilação onde as infecções podem propagar-se facilmente. 

A maior parte da população urbana de África vive em bairros densamente habitados, pode ter sido previamente exposta a outros coronavírus e pode possuir uma imunidade mais forte. “Eu diria que isso é, no mínimo, uma explicação plausível sobre o porquê da existência de níveis diferentes de resistência ao vírus em populações diferentes,” Thomas Scriba, imunologista e director-adjunto da Iniciativa Sul-africana para a Vacina contra a Tuberculose, disse à Reuters, em 2020. O estudo de Lawal concluiu que a baixa taxa de mortalidade pela COVID-19 em África está ligada a população jovem, baixa esperança de vida, baixa taxa de mortalidade pré-pandemia entre pessoas com 65 anos de idade ou mais e “um pequeno número de pessoas que sobrevive e vive com doenças cardiovasculares.” Mas a narrativa do sucesso de África está a mudar com o aumento da taxa de mortalidade da segunda vaga impulsionada por variantes mais contagiosas. “Se alguém me tivesse dito, há um ano, que nós como continente em menos de um ano estaríamos a testemunhar 100.000 mortes causadas por uma infecção nova, eu provavelmente não acreditaria,” disse Nkengasong aos jornalistas. “Mas, cá estamos nós nesse cenário.”

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