O “The New York Times” publicou um artigo sem assinatura na sua secção de opinião e
esta será a primeira vez que o faz. O testemunho anónimo, garante o “Times”,
foi escrito por um funcionário da Casa Branca que trabalha numa posição de
responsabilidade e que se diz “parte da resistência” contra as posições
“irascíveis” de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, circunstância que
evoca o "garganta funda", a fonte que durante décadas permaneceu
secreta, mas que foi decisiva na revelação do "escândalo Watergate"
que culminou com a renúncia de Richard Nixon nos anos 1970.
O comportamento “errático” do Presidente,
garante em jeito de tentativa de acalmar os norte-americanos, seria mais
preocupante se não fossem “os heróis anónimos dentro e perto da Casa Branca”
que “se esforçam imenso para conter as más decisões à Ala Oeste, apesar de,
claramente, nem sempre terem sucesso nessa diligência”.Pode até ser “um conforto frio” nesta “era
caótica” mas, cidadãos, estejam avisados: “Há adultos na sala”. Não fica mais
simpático depois disto. A “resistência”, avisa quem escreve o artigo,
não é uma resistência de esquerda até porque a pessoa que assina o texto
considera que a atual Administração norte-americana “tem implementado boas
políticas” que estão a tornar o país “mais próspero e mais seguro”.
Departamentos protegem-se dos
“caprichos” de Trump
Em todas as pastas governamentais, lê-se no
artigo, “existe quem admita todos os dias a sua descrença perante os
comentários e as ações” do Presidente e “a maioria trabalha para isolar dos
caprichos do presidente as operações dos seus departamentos”.
A resistência de que fala o texto é uma
resistência republicana a um presidente que, na opinião do autor das
revelações, abraça poucos dos princípios do Grand Old Party e em quem muitos
dos seus colaboradores mais próximos deixaram de confiar para liderar o país. E
o problema, escreve o alto funcionário anónimo, não é apenas a investigação do
procurador-especial Robert Mueller, que está a tentar estabelecer se houve ou
não conluio entre e equipa da campanha de Trump para as Presidenciais de 2016,
com o objetivo de derrotar Hillary Clinton, e cidadãos russos com ligações ao
Kremlin. Nem que o país esteja “agoniadamente
dividido”. Nem mesmo que os republicanos possam perder a maioria na Câmara dos
Representantes. “O dilema - que ele não entende - é que muitos dos seus
colaboradores mais destacados, na sua própria administração, estão a trabalhar
com muito afinco para frustrar a sua agenda e impedir algumas das suas mais
perigosas inclinações”, escreve a fonte. O texto chega menos de 48 horas depois de a
comunicação social norte-americana ter começado a publicar trechos do novo livro de Bob Woodward, o jornalista
de investigação que, com o seu colega do “The Washington Post” na altura, Carl
Bernstein, derrubou Richard Nixon, ao denunciar o "escândalo Watergate".
As citações às quais os jornalistas já tiveram acesso mostram uma Casa Branca
ora com medo de Trump, ora descrente nas suas faculdades para liderar o país. O Presidente aparece no livro a ofender o seu
procurador-geral, Jeff Sessions, chamando-lhe “débil mental” e “um pacóvio lá
do sul”. E este é apenas um dos parágrafos que mostram a rede rota que parecem
ser as lealdades que envolvem Trump.
“Resistência” tenta preservar as
instituições democráticas
A razão para que este texto seja anónimo,
escreve o jornal nova-iorquino numa nota que antecede o testemunho, passa por
proteger a segurança desta pessoa e porque esta é “a única forma de oferecer
aos leitores uma perspectiva essencial” sobre o que se passa quando Trump se
reúne com os seus homens fortes.
Mas não é por não ser um membro da esquerda
radical infiltrado que a pessoa que escreve não é dura com Trump - é-o mais do
que muitos dos seus críticos. Citando o texto do “New York Times” que elenca as
críticas que outros colaboradores de Trump lhe fizeram em conversas com
Woodward, a fonte diz que “há muita gente nomeada por Trump que luta todos os
dias para preservar as instituições democráticas enquanto tentamos neutralizar
os impulsos de Trump até que ele saia do seu cargo”. A raíz do problema é a “amoralidade do
Presidente”. Qualquer pessoa que trabalhe com Trump, continua, “sabe que ele
não tem uma âncora em qualquer princípio discernível que possa fundamentar o
seu processo de decisão”. Dada a fúria com a qual Trump reage às críticas, é
possível que, depois deste texto, salte mais um pedacinho do verniz da famosa
secretária Resolute.
Trump mostra escassa afinidade com os
ideais conservadores
“Apesar de ter sido eleito como Republicano,
o presidente mostra pouca afinidade com os ideiais partilhados pelos
conservadores: mentes livres, mercados livres, pessoas livres”, lê-se no
testemunho. “Nos melhores dias evocou estes princípios em discursos previamente
acordados; nos piores atacou-os de frente”.
Na opinião deste colaborador, há políticas
bem desenhadas pela Administração Trump que a imprensa escolhe não acompanhar -
“a reforma fiscal histórica, a desregulamentação, um Exército mais robusto,
entre outras coisas” - mas o “sucesso destas directrizes” dá-se “não por causa
de Trump mas apesar dele” até porque é, aparentemente, muito difícil falar com
Trump sobre o que quer que seja. “As reuniões com ele resvalam totalmente para
fora do tópico, ele prende-se em rancores repetitivos e a sua impulsividade
resulta em decisões mal cozinhadas e mal informadas, que temos que reverter
mais tarde”. A situação é particularmente preocupante, diz
esta fonte, na área da política internacional. “Em público e em privado, o presidente
mostra uma preferência por autocratas como o Presidente russo Vladimir Putin ou
pelo líder norte-coreano Kim Jong-un e demonstra uma genuína falta de
consideração pelos laços que nos unem aos nossos aliados, a nações que defendem
os nossos valores”, lê-se na página do jornal.
Relutância em expulsar espiões russos
Especificamente no caso da Rússia, quem
escreve o texto conta que Trump se mostrou “relutante” em expulsar os espiões
que a Rússia mantinha nos Estados Unidos depois de grande parte do mundo
ocidental se ter unido na condenação da tentativa de assassinato de Sergei
Skripal, ex-espião russo, e da sua filha, com o agente químico Novichok, que se
acredita ter sido utilizado por russos em solo britânico.
No golpe final, este homem, ou esta mulher,
próximo de Trump escreve que o dano mais grave não é aquele que é feito à
presidência, mas “aquilo que a nação lhe permitiu fazer”. “Descemos ao seu
nível e autorizámos que desapareçam do nosso discurso todas as notas de
civilidade”
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