A maioria são rapazes, quase todos com menos de 13 anos. Este é o perfil
mais comum entre as 3677 crianças vítimas de abusos sexuais na Alemanha,
números agora revelados nas conclusões preliminares de um estudo encomendado
pela Conferência Episcopal Alemã, obtidos pela revista semanal “Der Spiegel ” e
divulgados esta quarta-feira. Muitas vezes, as vítimas eram acólitos. Muitas
vezes, os predadores eram padres.Os casos aconteceram entre 1946 e 2014,
envolvendo 1670 clérigos – dos quais cerca de 4% continuam hoje em funções. A
cada seis vítimas, uma era violada. Ou seja, cerca de 580 crianças terão sido
violadas. Todas as outras passaram por alguma forma de abuso sem serem
necessariamente violadas, embora ambas as práticas sejam uma forma de violência
sexual: no abuso é irrelevante se a vítima foi ou não forçada, enquanto na
violação há o pressuposto de que esta foi obrigada, seja pelo uso da força
física ou por ameaça, a ter relações sexuais. Até 25% dos casos de abuso
aconteceram na Igreja ou graças a um relacionamento pastoral com a criança.
Aliás, era frequente que a vítima fosse um acólito e 969 dos casos reportados
dizem respeito a jovens que prestavam apoio aos padres na celebração da missa.
Grande parte dos abusos, os casos nunca chegaram à Justiça. O
procedimento habitual, quando denunciados, passava por transferir o suspeito de
diocese sem explicar o verdadeiro motivo da mudança. Apenas um terço dos
predadores foram julgados segundo a lei canónica e alguns deles foram
sancionados com castigos menores. No total, mais de 38 mil documentos de 27
dioceses alemãs foram investigados ao longo de quatro anos. No entanto, muito
ficou por saber. Aos autores chegou a ser negado o acesso à documentação
original, aspeto que é salientado nas conclusões: “Todos os arquivos foram
revistos por pessoal diocesano ou por advogados designados pela diocese”. Há
provas, também, de que alguns ficheiros foram manipulados ou destruídos.
Os investigadores apontam o celibato obrigatório como “um potencial
factor de risco” para que os abusos a menores sejam perpetrados. E, por este
motivo, apelam a que a questão seja repensada pela Igreja, assim como a
possibilidade de consagrar homossexuais.O estudo final, realizado pelas
Universidades de Mannheim, Heidelberg e Giessen, só deverá ser apresentado a 25
de setembro. A sua publicação e divulgação ainda está pendente.“É deprimente e
vergonhoso para nós”, considerou o bispo Stephan Ackerman, numa nota escrita
enviada ao semanário alemão, em que lamenta que alguns dos resultados tenham
sido publicados antes do previsto. “Sabemos a extensão dos abusos sexuais que
ficaram provados com este estudo. Estamos desapontados e envergonhados.”
Esta não é a primeira vez que a Igreja Católica na Alemanha se vê
envolvida em casos de violência sexual. O próprio pedido do estudo surge no
seguimento de uma série de denúncias em 2010 que, dois anos mais tarde,
terminaram com as autoridades canónicas a pagarem indemnizações às vítimas.Os
números do estudo foram publicados pela imprensa no mesmo dia em que o Papa
Francisco, que tem recusado comentar as diversas acusações que têm surgido,
convocou uma reunião sem precedentes, para a qual chamou bispos de todo o mundo
com o objetivo de discutir a proteção de menores. “O Santo Padre, depois de
ouvir o Conselho de Cardeais, convocou uma reunião com os presidentes das
conferências episcopais de todo o mundo para discutir a prevenção do abuso de
crianças e adultos vulneráveis”, disse a vice-diretora do gabinete de imprensa
do Vaticano, Paloma García Ovejero. O encontro vai realizar-se entre os dias 21
e 24 de fevereiro.Nos últimos tempos, têm surgido várias revelações do
envolvimento de membros do clero em casos de abusos a menores. No mês passado,
por exemplo, foi conhecido um relatório com mais de 800 páginas que mostra como
“padres predadores” de seis de oito dioceses da Pensilvânia (EUA) usaram a fé
das crianças e a confiança neles como líderes religiosos para cometerem abusos
e, em seguida, as silenciarem. Desde os anos 1940, possivelmente muito mais do
que mil crianças terão sido abusadas, de acordo com o relatório, que apresenta
alegações documentadas contra 301 padres. As seis dioceses investigadas
representam cerca de 1,7 milhões de católicos. As restantes não foram incluídas
porque já tinham sido investigadas anteriormente.
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