Com
a devida vénia, transcrevo dois depoimentos de personalidades da sociedade
moçambicana que mão amiga me fez chegar aqui, longe da Pátria, e que, a meu
ver, constituem importante contribuição para o amplo debate sobre o problema,
que se impõe ao país:
1)
Senhora Presidente
Como
deve ter acompanhado a bancada da Frelimo chumbou o projecto das autarquias
provinciais.Nao existia outra alternativa que nao fosse o seu chumbo embora a
forma como ele tivesse sido feito nao me parecesse o mais conciliatorio e
dialogante.
Esperava
ouvir da bancada o reconhecimento da incontornabilidade da
descentralizacao,convidando a Renamo a retirar o seu projecto propondo a
criacao dum grupo parlamentar para ,em conjunto,discutir o assunto ,e assim
conduzir a discussao para a descentralizacao e nao para o projecto da Renamo.
Este
assunto nao e tecnico nem juridico.E sobretudo politico e social.Recordo que
quando introduzimos o Multipartidarismo,ele ,a luz da constituicao ,era
inconstitucional.O que fizemos entao? Tornamo lo constitucional!
Eu,pessoalmente,independentemente
das questoes constitucionais que o projecto levantava nao perfilho desse
caminho para a descentralizacao.Antes,para uma maior descentralizacao do poder
central para o poder local defendendo que ,no futuro,os governadores sejam
eleitos e nao designados centralmente.Poderiamos ,nessa altura,falar de regioes
administrativas que,apesar de nao existirem formalmente,na pratica,servicos do
Estado,se organizam respeitando as regioes centro,norte e sul.
E
preciso,saber quais os factores socio politicos e historicos e que estao,por
detras da proposta da Renamo?
Queremos
descentralizar para que? Para o poder ter acesso a recursos para fins pessoais?
Ou queremos descentralizar para construir mais cidadania,mais participacao,mais
responsabilizacao,mais transparencia ,mais desenvolvimento equilibrado?
E
a resposta a este segunda questao que nos orientara,entao,de como fazer a
descentralizacao.
A
Renamo deu dois meses para o Parlamento reconsiderar.Mais uma vez ,nao e
o,projecto da Renamo que me preocupa.Mas deveriamos aproveitar este momento
para fazer um debate serio,descomplexado sobre a decentralizacao,como
cidadadaos e como responsaveis.A Frelimo deveria tomar iniciativa,com ideias
mais ousadas e novas.
Deixo
o desafio no ar.O que fazer? Como fazer? Com quem fazer?
Abdul
Carimo (antigo deputado da Frelimo,jurista)
2)
Partilho na integra as preocupações apresentadas pelo Lourenço Rosário e Abdul
Carimo . Estive a fazer alguns exercícios sobre o impacto ao nível de Orçamento
Provincial da proposta da Renamo de autarquias provinciais e cheguei á
conclusão que o problema não era financeiro nem orçamental , mas sim de poder
politico; por exemplo , se Conselho Provincial para gerir a autarquia
provincial respondesse perante a Assembleia Provincial e se o Directores
Provinciais continuassem a ser nomeados pelo Ministro , teríamos uma situação
insustentável e, de igual modo , se os Directores Provinciais fossem nomeados
ou sancionados pela Assembleia Provincial e de confiança de Presidente ,
corria-se o risco de um caos administrativo e financeiro , pois é necessário um
trabalho de preparação minucioso o que não dá para descentralizar em dois meses
como pretende o Líder da Renamo .
Obviamente
qualquer que seja a solução , há riscos políticos e não apenas esses . Contudo
o risco politico de imobilismo é muito maior , porque existe a percepção ao
nível da população do Norte e do Centro que a cidade de Maputo absorve uma
parte importante de recursos ( o que , na essência é verdade , para isso basta
constatar que para a cidade de Maputo e arredores estão consignados mais de 2
bilhões de usd de investimento público , certamente mais do que o resto do País
)
Não
havendo soluções fáceis , o processo de ampla discussão torna-se mais
importante , para além de que o problema de descentralização deixa de ser
monopólio da Frelimo ( pela negativa ) e sobretudo da Renamo ( que certamente
ficou surpreendida com adesão popular a autonomia que infelizmente é confundida
com o desenvolvimento económico e social )
Para
o processo tenha impacto politico é necessário que seja o mais amplo possível ,
e para isso alguma organização com legitimidade deveria iniciar o processo de
debate , ainda que mais tarde pudesse criar uma Comissão de Coordenação com
representante de varias organizações - por exemplo a FDC ou mesmo o Centro de
Documentação de Samora Machel poderia dar o pontapé de saída ?
Cumprimentos
cordiais
Magid
Osman (Ministro na presidência de Samora Machel)
3)
Saí de Maputo no dia da seca resposta ao projecto. Também eu penso que o
projecto, assim como foi submetido, não tinha pernas para andar, porque a
questão é complexa e exige madura reflexão por parte de todos nós.
Porém.
isso não elimina o fato de que o problema da descentralização existe e é
sentido, bem ou mal, por grande parte dos moçambicanos. Por isso, um NÃO seco a
uma proposta não pode encerrar o indispensável debate nacional.
É
minha opinião também que o debate, como acima foi proposto, decorra
independente das estruturas partidárias, marcadas por paixões e inevitáveis
esforços de instrumentalização (o que quer dizer, tão longe quanto possível dos
apetites de poder). Ele deve desenvolver-se no quadro das organizações da
sociedade civil e, ele próprio (o debate) tão descentralizado (geográfica e
socialmente) quanto possível.
É
evidente que as instituições não serão alheias a essa reflexão, mas é
importante que elas não a comandem e não exerçam as pressões coercitivas que
lhes são intrínsecas.
Só
deste modo se pode pensar uma descentralização que, como diz o dr. Abdul
Carimo, sirva a "construir mais cidadania, mais participação, mais
responsabilização, mais transparência ,mais desenvolvimento equilibrado".
Queremos
ou não uma democracia que não seja um mero regulamento no papel, mas um efectivo
exercício cidadão? Queremos ou não uma sociedade cada vez mais inclusiva para
benefício sempre mais alargado dos moçambicanos? Queremos ou não um país em paz
para nós, para os nossos filhos e para os nossos compatriotas?
José
Luís Cabaço (NA FOTO/Ministro na presidência de Samora Machel)
0 comments:
Enviar um comentário