Num painel assinalando os 30 anos da Fundação Friedrich Ebert (FES) em
Moçambique, Óscar, membro sénior da Frelimo ligado a várias pastas
governamentais entre os anos 1974 e 92, defendeu que a precipitação dos
acontecimentos nos anos 90, que levou a maior parte dos países africanos a
adoptar o sistema multipartidário, conduziu ao descrédito e abandono do que
podia ser útil de experiências anteriores, não se dando sequer tempo para se
pensar em alternativas. Segundo Monteiro, a democracia e a sua componente
eleitoral no continente africano foram adoptadas sem uma madura reflexão, isto
porque se há valores que se podem dizer gerais,como a liberdade, a igualdade e a
não discriminação, não se pensou suficientemente nos processos de escolha de dirigentes.
Esses processos que deviam ajudar a escolher os melhores para governarem estão
a ser condicionados por outras forças desde o clientelismo, ao assistencialismo
puro, o marketing político, os golpes televisivos de última hora, ou seja,
ganha eleições quem tem mais punjança financeira. O veterano da Frelimo aponta
que o processo que culminou com a mudança do sistema político em Moçambique na
década 1990, de monopartidarismo para multipartidarismo, não foi tão fácil
tanto quanto é visto hoje em dia, pois havia prós e contras, principalmente pelo
facto de o povo não saber quais as vantagens e desvantagens de um e outro
sistema. Numa opinião contraversa, ele considerou que a Constituição posta a
debate em 1990 não estava ligada ao desenrolar dos contactos com a Renamo fora
do país. Para Monteiro, considerado um dos elementos da “nata ideológica” em torno
de Samora Machel, o mundo estava a conhecer um período de profundas mudanças
dos sistemas de governação que em algum momento não respeitaram o passado dos
países. No nosso país, há a ideia, às vezes, de que a vida política começou
somente em 1992 e para trás ficou um amontoado cinzento de partido único,
autocracia, ausência de liberdade e participação. Os sistemas são o produto dos
tempos, defendeu o académico da Frelimo e apontou que as mudanças não podem ser
tão bruscas, é preciso aproveitar as experiências positivas de um sistema e
introduzi-las noutro porque não existe um sistema perfeito. Os governos são os
responsáveis pelas mudanças dos sistemas, mas o povo sempre tem algo a dizer,
pois é o principal sujeito do referido sistema de governação.
Monteiro considera também que nem sempre os governantes, envolvidos que
estavam na solução dos problemas prementes do povo, se deram conta de que o
mundo não era feito apenas dos problemas de Estado, que os cidadãos também
tinham as suas próprias preocupações que não se confundiam com as do Estado,
que a razão do Estado não podia sempre prevalecer e que o Estado de excepção virtual
no qual vivíamos era algo de suportável durante um tempo limitado apenas. Foi
neste prima que começou a surgir um sentimento de que o modelo vigente estava
esgotado, mas em contrapartida o mesmo sentimento estava carregado de
cepticismo porque em 1986 já havia um projecto de revisão constitucional
elaborado e já pronto, mas barrado à última da hora porque, alegadamente, não
trazia nada de novo e estava desfasado em relação ao momento. De acordo com
Óscar Monteiro, foi nesse momento que entra em Moçambique a Fundação Friedrich Ebert,
uma organização alemã ligada ao partido Social Democrata (SPD) que, respeitando
os princípios socialistas, apresentou muitas ideias inovadoras sem pretensão de
se impor e um diálogo de iguais. Moçambique era nessa altura (1984) o principal
aliado africano da RDA (República Democrata- Alemã) que mantinha no país um
largo contingente de técnicos, havendo, por seu turno, moçambicanos que
trabalhavam naquele país do leste da Europa. “Queiram ou não ficou a noção de igualdade,
que a pobreza não é uma condição fatal, hereditária e inevitável, que as
pessoas têm direitos e o Estado não pode ser um Leviathan mesmo quando bem
intencionado, que a sociedade deve ser um espaço de alegria, o fundamento a
longo termo da democracia”, disse. Num ambiente em que tudo caminhava para o
estabelecimento de uma paz duradoura em Moçambique, na conjuntura
internacional, viviam-se os primeiros anos da queda do muro de Berlim e a
adopção do multipartidarismo como forma de abrir espaço a todos os sectores da
sociedade para exporem o seu pensamento acabou por vincar, mas lamenta o facto
de não ter havido um debate maduro quanto às alternativas da democracia. De
acordo o antigo ministro de Informação (no período de transição), neste
horizonte, o mais importante era paz, o que pressupunha a liberdade de opinião
e em nenhum momento havia se pensado na liberdade de imprensa que mais tarde
veio a ser acoplada.
Retornando ao multipartidarismo como sistema governativo, entrou na dinâmica
continental e apontou que a precipitação dos acontecimentos que levou a maior
parte dos países africanos a adoptar o sistema multipartidário, imposto por
modelos europeus que viajavam pelo continente com as constituições
pré-redigidas nas suas capitais, levando ao descrédito e abandono o que podia
ser útil das experiências dos modelos anteriores, com destaque ao facto de não
se ter dado tempo para pensar em alternativas. “Foi adoptado sem madura reflexão
o sistema dominante, o da democracia e a sua componente eleitoral. Ora, se há
valores que se podem dizer gerais, comuns como a liberdade, a igualdade, a não
discriminação, não se pensou suficientemente nos processos de escolha de
dirigentes”, disse. De acordo com Monteiro, os montantes dispendidos nas
eleições em alguns países são prodigiosos e fazem com que ganhe quem tiver mais
aliados financeiros. No entanto, disse que para o caso de Moçambique, “não estamos
tão mal, ainda vamos nas camisetas”. Monteiro fez questão em frisar que foi
esquecido que uma política dirigida à
equidade social é uma componente essencial da igualdade e que a democracia
postula. Neste prisma, aponta a existência de dois caminhos, sendo o primeiro o
do influxo de cima para baixo que, no seu entender, nunca vai resolver os
problemas porque a demanda sempre será insaciável. Outro, o do desenvolvimento
das capacidades produtivas existentes na sociedade, uma melhoria de rendimento daquilo
que é o saber existente na sociedade, um dos caminhos sendo a economia social,
associações, cooperativas, produção em blocos. Óscar Monteiro entende que não
se pode votar direitos e homens e não ver as necessidades do povo. Pelo que é
preciso que os governos não se esqueçam da base económica das suas populações
que é a agricultura e não os recursos minerais.
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