Daviz Simango, presidente da autarquia da Beira, é o entrevistado. Daviz diz que um dos maiores desafios é a criação de uma empresa municipal de transportes com fins sociais para acabar com um dos maiores dramas dos beirenses, visto que os actuais Transportes Públicos da Beira (TPB), geridos pelo Ministério dos Transportes e Comunicações, estão a desviar-se dos objectivos da sua criação. Em nenhum momento nos pediu para falar em off, tudo o que disse foi gravado e até comentou sobre a aversão que o chefe de Estado tem do Facebook.
Canal: E por falar em saneamento, senhor presidente. Em 2010 o Presidente da República foi ao parlamento, aquando do seu informe, anunciar – e vou usar as palavras dele – “milhões de dólares para eliminar o crónico problema de saneamento”. Quanto dinheiro o Governo central investiu neste sector na cidade da Beira desde o anúncio até aqui?
Daviz Simango: (Risos) Olha, daquilo que eu, como presidente saiba, nenhum centavo! É preciso compreender, e os moçambicanos devem ter a coragem necessária e dizer o seguinte: os fundos que a Beira recebeu são da União Europeia. Estes fundos são das contribuições de cidadãos europeus que nem conhecem a cidade da Beira, mas por saberem que a cidade da Beira precisava de obras de saneamento, e nós na qualidade de Conselho Municipal, participamos muito nessas negociações de modo a permitir que esse dinheiro viesse e garantimos que esse dinheiro, por causa da nossa capacidade de gestão e transparência, credibilidade interna e internacional que a cidade da Beira tem, permitiu que a União Europeia desembolsasse um dos mais altos encaixes financeiros na África Austral.
Canal: Vamos com calma. Está a querer dizer que o senhor Armando Guebuza, o Presidente da República, faltou a verdade?
Daviz Simango: Esse dinheiro não saiu do cofre do Estado e não existiu dinheiro vindo do Governo Central. O que existiu foi dinheiro da União Europeia, financiado pela União Europeia. Agora é preciso saber que há acordos internacionais entre os Estados, mas em relação a esse dinheiro, foi da União Europeia, fruto da credibilidade da cidade da Beira. O dinheiro não foi do Governo, até porque precisava passar pela Assembleia da República.
Canal: E em relação à erosão costeira?
Daviz Simango: É preciso também compreender que a própria cidade da Beira, com os problemas da erosão costeira, e porque todos os mangais que existiram na altura foram simplesmente destruídos com alegação de que estavam a promover o crime. Na altura os que estavam a governar ignoraram a importância dos mangais, não só em termos de protecção costeira, mas também é um viveiro quer para o camarão assim como para o caranguejo. A cidade da Beira, que é extremamente rica em produtos do mar, acabou não tendo viveiros do seu grande produto que é o camarão. Hoje há zonas que eram praticamente intransitáveis e hoje já não há isso. Há zonas onde as pessoas tinham receio de construir por temer invasão das águas, mas hoje estão tranquilas. A cidade da Beira era propícia a inundações, com a União Europeia conseguimos melhorar o sistema de saneamento. Estamos a falar de uma rede que foi construída na década de 60. Hoje é possível fazer o escoamento das águas sem muito obstáculos. Os sistemas de saneamento estão a funcionar sem problemas. Mas, por outro lado, também se conseguiu provar que eventuais inundações, que possam acontecer na cidade da Beira, serão controladas. Criaram-se comités de risco e esses comités de risco espalhados num mapeamento dentro da cidade conseguem alertar ao cidadão comum de eventuais subidas de níveis de água que possam provocar inundações e assegurar a evacuação dessas pessoas em tempo útil.
Canal: E consta-me que há um prémio das Nações Unidas em relação à protecção costeira…
Daviz Simango: As Nações Unidas acabaram por premiar a cidade da Beira de entre 30 cidades abaixo do nível do mar e Beira acabou ganhando este prémio e vai receber o galardão na Suíça.
Canal: Há um imbróglio entre o Governo central, a Assembleia Municipal local e a edilidade em relação à gestão da empresa Transportes Públicos da Beira (TPB). Como é que está a questão da municipalização dos transportes urbanos ou públicos?
Daviz Simango: Aqui a filosofia é diversa. Uma autarquia para iniciar esta actividade e está previsto na Lei 2/97 de 02 de Fevereiro que as autarquias podem criar empresas autónomas. É interesse do executivo municipal criar uma empresa autónoma. E essa empresa é uma empresa autónoma de transportes. Nós queremos com esta empresa assegurar os serviços básicos de transporte como serviço meramente social para atender os munícipes. Isso passa necessariamente de aprovação na Assembleia Municipal, da constituição da empresa. Continuamos a ser infelizes, a assembleia (dominada pela Frelimo e Renamo) não concorda com o surgimento de uma nova empresa de transportes públicos. Com esta empresa se ela de facto se efectivar, tínhamos duas hipóteses: uma que era negociar com o Ministério dos Transportes e ficarmos com a empresa TPB e outra era ignorar a TPB e adquirir novos meios, sem o factor residual da TPB. Quais são as vantagens e contra vantagens? A TPB tem hoje os problemas que tem. Tem uma série de frotas que devia estar a funcionar na cidade da Beira, que é a razão da existência dos transportes públicos, mas não. Ela transformou-se numa empresa económica no lugar de uma empresa social. Portanto, está preterir os interesses pelos quais a empresa foi criada e exerce actividade económica, movimentando-se fora da cidade da Beira, no lugar de atender os munícipes que são a razão da existência da empresa. O Conselho Municipal tem que inverter esta situação. Tem que ter viaturas disponíveis só para o cidadão. Na hora de ponta fazer a questão de colocar vários autocarros, e nós estamos seguros que isso vai ajudar a acabar com o actual problema de encurtamento de rotas por parte dos operadores privados. Mas estamos com as pernas atadas, porque sem o aval da Assembleia não podemos avançar.
Canal: O município da Beira anunciou recentemente que vai construir um estádio municipal de futebol. Porquê estádio, senhor presidente, não há outra prioridade?
Daviz Simango: Olha, a Beira tem uma tradição desportiva e não só. É preciso compreender que um País como o nosso que enfrenta várias situações de altos níveis de pobreza muitas das vezes temos que saber interpretar como é que nós damos oportunidade ao cidadão de, por si só, assegurar a sua própria vida. Há várias formas. Nós entendemos que a partir do desporto, podemos aliviar muitas crianças de rua. A partir do desporto podemos promover profissionais que no futuro consigam uma careira que sirva para o seu progresso individual.
Canal: E quanto é que vai custar aos cofres do município?
Daviz Simango: Isso já está previsto no nosso orçamento. Pensamos que a autarquia vai gastar 40 milhões de meticais. Não vai ser um estádio robusto. Não vamos construir um estádio igual ao Zimpeto. Vamos construir um estádio com a capacidade de pelo menos 7 a 10 mil espectadores, com pistas para atletismo e outras modalidades. Será um “estádio complexo” para dar lugar a actividade comercial.
Canal: Tendo em conta que temos estádios do Zimpeto e da Machava que não conseguimos rentabilizar transformando-se em verdadeiros elefantes brancos, pergunto-lhe qual é o plano de gestão deste estádio?
Daviz Simango: É exactamente isso. Projectamos um estádio que tem multi-funcionalidades, e com oportunidades de negócio e estamos a trabalhar com vários parceiros. Até aqui tudo indica que vai ser muito rentável. Não estamos a construir um estádio só para aplicação desportiva.
Canal: Há vozes que dizem que no município da Beira há muitos funcionários com ligações familiares ao presidente, numa situação de gritante nepotismo. Isso é verdade?
Daviz Simango: (Risos) Olha, se formos por esses termos diríamos que toda a cidade da Beira é da família de Daviz Simango, mas nós sabemos que não é. O que existe é que pelo progresso das coisas, pelo desenvolvimento da cidade da Beira, pelos sucessos que temos alcançado, acabam procurando por onde atacar, dizendo que é tudo uma elite da mesma família. Mas é preciso compreender que nós na Beira somos extremamente unidos. Se não diríamos o seguinte: há vários homens com apelido Simango, o presidente da autarquia de Maputo é Simango, diríamos também que é meu familiar, o que não é verdade. Mas também é preciso compreender que a nível do Governo de Moçambique temos vários exemplos de irmãos que são dirigentes do topo. Temos a antiga primeira-ministra e actual ministra da Função Pública (irmãs Diogo), tivemos irmãos Gamito, temos irmãos Sumbana, mas ninguém se lembrou de questionar. Mas na cidade da Beira não é assim. Beira é uma cidade pequena, toda a gente se conhece.
Canal: Vai se candidatar para próximas eleições autárquicas?
Daviz Simango: Não sei. Como deve imaginar o partido tem regras próprias. Os órgãos do partido ainda funcionam, o que é muito bom. Penso que na altura própria, os órgãos do partido vão emanar as directrizes e haverá eleições internas e os colegas que acharem por bem concorrer o farão.
Canal: Qual é o nível de relacionamento com o governador de Sofala, o ex-vice-ministro das Oras Públicas e Habitação, o senhor Carvalho Muária, e com a administradora montada pela Frelimo?
Daviz Simango: É preciso compreender que na Beira, nós é que somos o governo local. Os outros são oposição. E eles como oposição vão fazendo o seu papel. Procuram a todo o custo desviar projectos e investimentos, procuram protagonismo para dizerem que fazem alguma coisa, mas preciso que fique claro que enquanto continuarem oposição, vão andar atrás de nós.
Canal: Há projectos municipais que fracassaram por causa dessa tal política de obstrução, gastaria que desse exemplos concretos?
Daviz Simango: Existiram investidores que se interessaram em ir investir na Beira. Simplesmente são encaminhados para outros cantos. E eu vou exemplificar muito bem. A Nestle era para investir na Beira e acabou investindo no Dondo (considerada a segunda cidade da província de Sofala). E não temos nada contra investimentos no Dondo. Diariamente recebo vários investidores que dizem que nós não queremos investir fora da Beira, mas somos obrigados a nos deslocar para os outros cantos. Mas eu lhe garanto que em 2013 essa situação vai mudar.
Canal: O que está a querer dizer. O que vai acontecer em 2013?
Daviz Simango: Quero dizer que o mapeamento político vai ser outro. Hoje o mapeamento político lhes favorece no Dondo, mas nas próximas eleições será nova versão. O MDM vai estar presente na cidade do Dondo.
Canal: Quando a Frelimo anunciou que ia rever a Constituição da República, a Renamo boicotou e o MDM votou contra a ideia. Só que depois o mesmo MDM indicou o deputado Eduardo Elias para fazer parte da comissão ad-hoc. Não há aqui um paradoxo ao fazer parte de uma empreitada que havia votado contra.
Daviz Simango: Não há paradoxo. O MDM tem consciência da sua responsabilidade. Nos dizíamos que não há necessidade da revisão. Não há necessidade de despesas para uma actividade que não é necessária. Há muitas prioridades neste País, mas é preciso compreender que em democracia que a maioria parlamentar funciona. Uma vez que a maioria dita as regras do jogo, nós na qualidade de eleitos pelo povo moçambicano, não podemos de forma alguma nos distanciarmos de os representar. Uma coisa é dizer que vamos fazer uma sala, e dizemos que essa sala não é necessária, mas é nessa sala onde se vai discutir os problemas. É natural que vamos a sala de aula para discutir os problemas do povo. Não podemos assistir a isso, mesmo consciente que essa revisão não é oportuna.
Canal: O que o cidadão Daviz Simango gostaria de ver alterado na Lei mãe?
Daviz Simango: Eu diria simplesmente. O problema do excesso de poder do chefe de Estado. Aí há muita coisa que deve ser alterada. O problema das nomeações desnecessárias. Estamos a falar dos magistrados, dos procuradores, dos reitores, até directores de escolas primárias. Se tu hoje tiveres um director de uma escola primária eleito dentro da comunidade escolar, entre os encarregados e professores, o relacionamento será saudável e forte. Se em uma universidade tens um reitor eleito pela comunidade académica de certeza vais notar confiança e legitimidade na pessoa indicada. Outro aspecto é a despartidarização do aparelho do Estado: tem que estar clara. Um procurador ou juiz do Tribunal Supremo é nomeado pelo chefe de Estado, que fidelidade tem para o combate à corrupção, digamos do presidente? Estas situações todas devem ser alteradas.
Canal: Há bandeiras do MDM a serem destruídas e sedes vandalizadas. O que estão a fazer para levar o Estado a agir perante a tamanha ilegalidade?
Daviz Simango: Aqui é preciso compreender onde é que está o Estado. Isso é fruto da partidarização do Estado. O MDM submeteu toda a documentação necessária junto à procuradoria local e junto a justiça, mas nada andou até aqui, apesar de haver declarações do procurador local de que há ilegalidades, mas o facto de o partido ter golpeado o Estado, a situação prevalece.
Canal: Há vozes que olham para o MDM como projecto político familiar. E são muitas essas vozes. Eu pergunto, por exemplo, porquê é que o chefe da bancada do MDM é seu irmão. Não havia outra aposta?
Daviz Simango: O Lutero é chefe da bancada porque foi eleito pelos deputados eleitos pelo povo. É só por isso. Os deputados foram eleitos, eles têm uma e realizam uma eleição interna. Eu não estou lá. Os documentos oficiais do partido esclarecem que a eleição do chefe da bancada é por via dos deputados que estão lá. Coincidiu que o eleito é o irmão do presidente, mas a sua competência é conhecida. É preciso compreender que há uma cultura de combate à competência das pessoas. Por exemplo, Daviz Simango foi eleito presidente do partido, mas nada impede que um dos irmãos, infelizmente só tenho um, venha a ser eleito a um cargo dentro do partido. Agora o que é grave é o que vimos aqui com Machel. Ele como presidente da República nomeou a esposa com quem vive na mesma casa como ministra da Educação. Tivemos uma primeira-ministra que contribuiu para a nomeação da própria irmã para ministra da Função Pública. Eu daria mais exemplos. Mas Lutero Simango faz política e como deputado há anos. Foi eleito por pessoas credíveis. Quando entrou como deputado não foi indicado por Daviz Simango. O que eu penso é que em certas cabeças, há medo do clã Simango. Há pessoas que estão a ver fantasmas no clã Simango, eventualmente porque estamos a conseguir fazer muitas coisas que outros não conseguiram fazer em pouco tempo. Não sei qual é o nome que daria a isto mas a verdade é que as pessoas estão a ver o nosso trabalho e alguns estão com medo e a única forma de nos combater é nos dar nomes como “grupo de família”.
Canal: Como estão as relações com ex-secretário geral, o deputado Ismael Mussa? Conversam?
Daviz Simango: Olha, o Movimento Democrático de Moçambique tem tantos, mas tantos membros, e a minha relação com os membros é uma relação de trabalho e continuará a ser uma relação de trabalho.
Canal: O Presidente da República, dirigente de todos nós, desaconselha principalmente aos jovens o uso das redes sociais por serem “fábrica dos sonhos inalcançáveis”. Usa as redes sociais e qual é a sua opinião sobre elas?
Daviz Simango: Olha, eu diria o seguinte, este mesmo Presidente da República já desaconselhou muitos moçambicanos a frequentarem as igrejas. Desaconselhou muitos moçambicanos à existência das igrejas e contribuiu para eliminar muitos religiosos neste País. Mas hoje frequenta mesquitas e frequenta igrejas.
Canal: Como assim?
Daviz Simango: Foi sua estratégia no passado. Contribuiu para eliminar muitos religiosos neste País. Portanto, quanto a Facebook, também é uma estratégia. (Matias Guente)
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