Uma alma linda partilhou comigo a entrevista em que a Ministra da Justiça anuncia a criação duma comissão de inquérito “independente” liderada pelo seu Ministério para em 10 dias apurar o que aconteceu em Ndhlavela. Percebi agora o que o Júlio Mutisse entende por voz linda. É ter sotaque próximo do tuga...
O conteúdo da
entrevista consternou-me um bocado pela aparente desorientação da Ministra. Eis
alguns pontos:
1. Uma coisa é a
denúncia dum crime (feita pelo CIP). Essa denúncia exige que o SERNIC entre em
acção para que depois os tribunais se ocupem disso. Outra coisa é o que esse
alegado crime diz sobre a organização do sistema prisional e, dum modo geral,
de justiça. Para isto faz sentido criar uma comissão de inquérito. Ao que tudo
indica, a Ministra misturou as duas coisas. Não sei se isso faz sentido.
2. A comissão de
inquérito por ela anunciada parece-me pesada, complexa e propensa a se ocupar
consigo própria do que com o problema. Não sei porque no nosso país não temos o
hábito (como, por exemplo, na vizinha África do Sul) de confiar estas comissões
a juízes jubilados (temos os Carrilhos*, Trindades, Hunguanas, ex-procuradores
gerais, etc.) que conhecem o nossos sistema de justiça de dentro para fora,
gozam da confiança da classe jurídica, têm traquejo político sólido e têm
idoneidade suficiente para montar uma boa equipa e investigar estas coisas na
perspectiva de sugerir reformas ao sector. Não estou a ver essa comissão de
inquérito anunciada pela Ministra a fazer um trabalho sólido em dez dias. Em
2017 o Comandante Geral da Polícia anunciou que ia acabar com a insurgência em
três dias...
3. Durante a
entrevista a Ministra deixou ficar a impressão de estar surpreendida com o que
aconteceu. Achei isso estranho. Das duas uma: ou ela não tem sensibilidade para
os problemas do sector e, por isso, não consegue imaginar que essas coisas
sejam possíveis, ou então ela fez reformas importantes que não funcionaram (daí
a surpresa). Se for a última hipótese, era importante que ela dissesse ao
público que o Ministério havia tomado medidas que, ao que parece, não
funcionaram e, por isso, ia criar uma comissão de inquérito para rever o
próprio processo de tomada de decisões.
5. A Ministra não
deixa de estar de parabéns por ter reagido com tanta celeridade. Coisas destas,
ainda que vergonhosas, sempre podem acontecer. Contudo, ouvi-la a enfatizar a
necessidade de punir quem deve ser punido faz-me espécie. Sim, é necessário.
Mas essa não me parece ser a principal preocupação duma governante (dos
tribunais, sim, das vítimas também). A preocupação duma governante é de
garantir que estejam criadas condições para que seja difícil que essas coisas
aconteçam, mas que se acontecerem existam meios para que as vítimas se
defendam, para que os órgãos competentes sejam alertados e para que se corrija
o que na máquina não está a funcionar.
6. Para terminar,
repito aqui um refrão que aprendi da observação da governação em Moz. Passo a
chamá-lo de “DTC Gaza2040” porque é assim que imagino que essa província se
adiantou no tempo. Governa-se melhor quando se tem o hábito de Definir bem os
problemas, Tomar decisões correspondentes à definição do problema e, acima de
tudo, Criar condições para que as medidas tomadas sejam de facto eficazes. DTC.
É com este esquema à prova de tolos que analiso, praticamente, tudo o que tem a
ver com governação. É na base dele que constato pontos críticos em muitas das
coisas que os nossos governantes fazem, desde programas de fomento agrícola,
passando por combate à Covid-19 até ao desastre de Cabo Delgado.
(por professor Elísio
Macamo)
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