segunda-feira, junho 21, 2021

Ministra da justiça suspende direcçao da cadeia

Uma alma linda partilhou comigo a entrevista em que a Ministra da Justiça anuncia a criação duma comissão de inquérito “independente” liderada pelo seu Ministério para em 10 dias apurar o que aconteceu em Ndhlavela. Percebi agora o que o Júlio Mutisse entende por voz linda. É ter sotaque próximo do tuga...

O conteúdo da entrevista consternou-me um bocado pela aparente desorientação da Ministra. Eis alguns pontos:

1. Uma coisa é a denúncia dum crime (feita pelo CIP). Essa denúncia exige que o SERNIC entre em acção para que depois os tribunais se ocupem disso. Outra coisa é o que esse alegado crime diz sobre a organização do sistema prisional e, dum modo geral, de justiça. Para isto faz sentido criar uma comissão de inquérito. Ao que tudo indica, a Ministra misturou as duas coisas. Não sei se isso faz sentido.

2. A comissão de inquérito por ela anunciada parece-me pesada, complexa e propensa a se ocupar consigo própria do que com o problema. Não sei porque no nosso país não temos o hábito (como, por exemplo, na vizinha África do Sul) de confiar estas comissões a juízes jubilados (temos os Carrilhos*, Trindades, Hunguanas, ex-procuradores gerais, etc.) que conhecem o nossos sistema de justiça de dentro para fora, gozam da confiança da classe jurídica, têm traquejo político sólido e têm idoneidade suficiente para montar uma boa equipa e investigar estas coisas na perspectiva de sugerir reformas ao sector. Não estou a ver essa comissão de inquérito anunciada pela Ministra a fazer um trabalho sólido em dez dias. Em 2017 o Comandante Geral da Polícia anunciou que ia acabar com a insurgência em três dias...

3. Durante a entrevista a Ministra deixou ficar a impressão de estar surpreendida com o que aconteceu. Achei isso estranho. Das duas uma: ou ela não tem sensibilidade para os problemas do sector e, por isso, não consegue imaginar que essas coisas sejam possíveis, ou então ela fez reformas importantes que não funcionaram (daí a surpresa). Se for a última hipótese, era importante que ela dissesse ao público que o Ministério havia tomado medidas que, ao que parece, não funcionaram e, por isso, ia criar uma comissão de inquérito para rever o próprio processo de tomada de decisões.

4. Já para o fim da sua alocução, a Ministra fez um apelo estranho. Pediu às reclusas e aos familiares para informarem sempre que algo anormal acontecer. Isto pareceu-me o cúmulo da desorientação (no meu comentário da TV esta noite abordo este problema da nossa cultura governativa). É claro que não deixou o seu número de telefone (espero que seja da Vodacom). Mas a sério. A questão é: que condições é que o Ministério criou para que as pessoas se protejam da arbitrariedade dos órgãos do Estado? Que mecanismos institucionais existem (fora duma caixa de sugestões ou reclamações) para que quem se encontra em posição vulnerável possa pedir socorro a quem de direito? Este é para mim um dos maiores problemas do nosso País. O cidadão não tem como ser ouvido, ou como se fazer ouvir. Está entregue. Tenho em mim que é obrigação número um dum governo criar condições para que isto seja possível.

5. A Ministra não deixa de estar de parabéns por ter reagido com tanta celeridade. Coisas destas, ainda que vergonhosas, sempre podem acontecer. Contudo, ouvi-la a enfatizar a necessidade de punir quem deve ser punido faz-me espécie. Sim, é necessário. Mas essa não me parece ser a principal preocupação duma governante (dos tribunais, sim, das vítimas também). A preocupação duma governante é de garantir que estejam criadas condições para que seja difícil que essas coisas aconteçam, mas que se acontecerem existam meios para que as vítimas se defendam, para que os órgãos competentes sejam alertados e para que se corrija o que na máquina não está a funcionar.

6. Para terminar, repito aqui um refrão que aprendi da observação da governação em Moz. Passo a chamá-lo de “DTC Gaza2040” porque é assim que imagino que essa província se adiantou no tempo. Governa-se melhor quando se tem o hábito de Definir bem os problemas, Tomar decisões correspondentes à definição do problema e, acima de tudo, Criar condições para que as medidas tomadas sejam de facto eficazes. DTC. É com este esquema à prova de tolos que analiso, praticamente, tudo o que tem a ver com governação. É na base dele que constato pontos críticos em muitas das coisas que os nossos governantes fazem, desde programas de fomento agrícola, passando por combate à Covid-19 até ao desastre de Cabo Delgado.

(por professor Elísio Macamo)

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