............ Samora Machel
Júnior. A CNE deliberou que os quatro cidadãos que manifestaram intenção de
desistir da lista da AJUDEM devem, no prazo de 10 dias (a contar a partir da
data em que a CNE afixar as listas definitivas), formalizar essa pretensão em
carta reconhecida notarialmente e com cópia para seus mandatários. Se isso
acontecer, a AJUDEM perde sua capacidade legal de concorrer a 10 de Outubro,
enterrando o sonho do filho de Samora. Mas dr o os quatro mantiverem o seu nome
na corrida, Samora Júnior vai poder desafiar Eneas Comiche nas urnas a 10 de
Outubro. Nos próximos dias, a Frelimo e Samora Junior começam o seu primeiro
grande braço de ferro: o partido vai lutar para que os quatro concretizem a
desistência; Samora vai lutar para que todos os quatro desistam da....desistência.
O requisito legal obriga a que a lista apresente 64 candidatos e 3 suplentes.
Menos que isso não passa. Ontem, o maquiavelismo da Frelimo não vingou. Não foi
desta que Samora Júnior foi derrotado. Os quatro cidadãos em causa, agora no
centro de um furacão de luta pelo poder, são: Yolanda Raquel Hilário, Roberto
Luis Sipechele, Anastácia Sigaúque Uamusse e Gaspar Inrebo Marques.
(Se a Frelimo perder a autarquia de Maputo em
Outubro, a legitimidade Filipe Nyusi para ser re-nomeado para as presidenciais
de 2019 sem eleições internas fica limitada)
No plano meramente das hipóteses, o desvio de Samora Júnior em
relação ao dirigismo central na Frelimo encerra duas situações: i) uma
recomposição de alianças entre as principais famílias da elite partidária; ii)
um confronto decisivo entre a corrente radical, que tem o poder nas mãos, e a
corrente lite que, pela primeira vez, encontra expressão prática da sua
tentativa de remoralizar o partido contra sua perda de relevância na sociedade.
A corrente radical da Frelimo representa hoje o coração do
partido; é socialmente conservadora; uma conjura de militantes de base
comandados pela geração mais castrense da luta armada e do ancien regime,
herdeiros do autoritarismo de Samora Machel (na foto) e loyalistas de Armando Guebuza;
defensores de um Estado centralizado e de uma limitada inclusão política e da
noção do Estado como propriedade do Partido; uma franja da elite partidária
enraizada no rent seeking e protectora dos responsáveis pela dívida oculta. Na
corrente radical se encontra também encrustada uma elite burocrática que
controla o tachismo nas empresas públicas e participadas, empresários de
espírito rendeiro, ancorados na manipulação do procurement público, e atuando
dentro de uma visão de capitalismo de rapina.
A corrente lite da Frelimo é a herdeira da vertente moral e
progressista de Samora Machel, socialmente liberal, urbana e defensora do
crescimento inclusivo e de uma obediência ferrenha à Constituição da República;
é a reminiscência do samorismo mais avesso à corrupção e ao enriquecimento
ilícito; combateu o guebuzismo quando este tentava uma opção Obasanjo de
permanência no poder; é contra um forte dirigismo top down, que coarcta a
vontade das bases, reduzindo a democracia local dentro do partido; defende a
reforma do Estado e advoga uma maior descentralização; tem também seus
representantes nos negócios, antigos governantes de Samora e Joaquim Chissano,
hoje entrincheirados no sector financeiro, alguns com posições de relevo na
banca comercial. Nos conclaves da Frelimo, a corrente lite representa um
contrapeso frágil em oposição a corrente radical.
Samora Machel Junior não era necessariamente um representante da
corrente lite. Ele é oriundo de uma fornada de herdeiros da veterania da
Frelimo, que tentava embarcar num projecto de poder imune das vicissitudes do
passado, ou seja, dessa clivagem latente entre radicais e lites. Por isso, ele
era o ponto de interceção entre as duas correntes: controlando a OJM e
suportado pela OMM e pelos veteranos de guerra, por um lado, e recebendo também
um apoio dos filhos de destacados samoristas da corrente lite, por outro. Ao
optar por confrontar o dirigismo central em nome do respeito pela democracia
local, Samora Junior acabou dando expressão concreta à retórica moralizante da
corrente lite, originando uma recomposição de alianças entre os filhos das
principais figuras da Frelimo.
Quando foi anunciado que ele era cabeça de lista fora da Frelimo,
os filhos de alguns destacados antigos combatentes bateram-lhe com a porta
atrás. E os filhos dos representantes da corrente lite se mantiveram fieis. Ou
seja, a "deserção" de Samora Junior inaugurou uma nova clivagem entre
os herdeiros das principais famílias do Partido. Nos próximos dias vamos a
assistir a uma maior clarificação de quem seguirá apoiando o samorismo de
Samora Júnior (na foto) ou a proposta de Eneas Comiche, que foi cooptado pela corrente
radical da Frelimo desde a saga do endividamento oculto.
Até quando esta clivagem vai durar, ainda é uma incógnita. Assim
como ainda é cedo para se adivinhar até que ponto ela poderá originar uma
fissura maior no partido. Luísa Diogo e Teodoro Waty afastaram, em declarações
citadas pelo Savana, a possibilidade de a "deserção" de Samora Júnior
causar danos maiores, referindo que, no passado, a Frelimo sempre soube vencer
esse tipo de dissabores. Ontem, em Tete, Filipe Nyusi disse que a Frelimo
acabará vencendo.
No passado, a Frelimo venceu, é certo, contra quem confrontou
abertamente o dirigismo central mas isso aconteceu num contexto de luta armada,
primeiro, e de um regime autoritário, depois. Hoje, o contexto é diferente.
Primeiro, Samora Júnior representa uma família poderosa no partido, com a
capacidade de arrastar para si uma vasta franja de militantes; segundo, ele não
violou os estatutos da Frelimo e não pode ser expulso (sua expulsão causaria
mais problemas).
Por isso, a gestão deste dossier é um grande dilema, sobretudo
porque, ao tomar a opção de concorrer contra o candidato Eneas Comiche,
escolhido a dedo por Filipe Nyusi, Samora Junior assumiu o risco de confrontar
directamente o presidente. Esse confronto não se ficará pelas eleições de
Outubro em Maputo. O horizonte da luta é maior. O que está também agora em jogo
é, pois, o regresso da corrente lite ao poder. Uma coisa parece desde já certa:
se a Frelimo (Comiche) e Samora Junior perderem a eleição em Maputo para
Venâncio Mondlane, quem perderá será apenas a Frelimo e não Samora Júnior. Para
Samora Júnior, se ele ganhar estará ganhando; se ele perder e Comiche não
ganhar, ele também estará ganhando. Ou seja, se Frelimo perder Maputo a
legitimidade de Nyusi ganhar uma renomeação para as presidenciais de 2019 sem
eleições internas fica reduzida. E Samora entrará nessa corrida com todas as
armas. De modo que, pela primeira vez desde que assumiu o poder, Nyusi começa a
sentir na pele que sua renomeação não são favas contadas.
E para a Frelimo, esta situação é um grande desafio à sua
capacidade de transformação. A margem de manobra não é grande. Samora Junior
não pode ser combatido como a Frelimo fez no passado contra quem ousou pisar a
linha da disciplina partidária. A única saída para o partido, hoje, é usar esta
circunstância adversa para se modernizar, aceitando que a disciplina imposta
centralmente contra a democracia interna emanada dos estatutos e das directivas
eleitorais acabou. Chegou o tempo de a Frelimo se tornar num partido onde
distintas correntes internas podem concorrer para lugares de poder em órgãos do
Estado.
(Marcelo
Mosse in facebook)
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