Filho de um líder
tradicional, o régulo Mangunde, Afonso Macacho Marceta Dhlakama, de seu nome
completo, nasceu a um de Janeiro de 1953, em Mangunde, distrito de Chibabava,
na província de Sofala, centro de Moçambique. Em 1974 junta-se à Frelimo, mas
porque cedo compreendeu que Moçambique só podia ser efectivamente dos
moçambicanos se estes fossem livres de escolher os seus destinos, abandonou o
partido de orientação do leste que implantou o monopartidarismo em Moçambique e,
em 1976, junta-se à Resistência Nacional de Moçambique (Renamo).
Com apenas 23 anos de idade, toma parte da guerrilha para lutar,
de armas em punho, contra a política marxista da Frelimo. Com a morte em
combate, a 17 de Outubro de 1979, de André Matsangaíssa, o primeiro comandante em
chefe da Renamo, Afonso Dhlakama assume, aos 26 anos de idade, a liderança da
então guerrilha, no auge da guerra civil no país. Depois de longas negociações,
Dhlakama, politico e militar revolucionário, assina, em 1992, em Roma, capital Italiana,
o Acordo Geral de Paz (AGP), com Joaquim Chissano, então president da
República, num acto histórico que colocou fim a 16 anos de uma fratricida
guerra civil.
Percursor da democracia em Moçambique, viria a concorrer para a
presidência da República nas primeiras eleições multipartidárias, em 1994, num
pleito vencido por Joaquim Chissano, da Frelimo. E nas segundas eleições
gerais, em 2009, esteve perto de assumir a presidência de Moçambique, ao
alcançar os históricos 47,71 % de votos contra 52,29% da Frelimo, numa eleição
ensombrada pelo espectro da fraude, o cancro da história eleitoral do país. Percursor
e lutador incansável pela democracia, foram curtos os momentos da vida que
gozou com a família. Passou quase toda a vida nas matas a defender a liberdade
de escolha dos moçambicanos, mesmo para aqueles que o vigarizaram e o
catalogaram de “bandido armado”, ele que foi muitas vezes incompreendido. A
situação agravou-se com a chegada ao poder, em 2005, de Armando Guebuza, um
homem da linha dura da Frelimo e menos dialogante, contrariando o estilo mais
aberto de Joaquim Chissano. Vendo a democracia porque lutou a sofrer revezes com
a governação de Guebuza, o líder do maior partido da oposição viu-se obrigado a
regressar às matas para defender aquilo pelo que tinha sacrificado toda a sua
juventude.
Foi assim que, em 2012, abandona a capital do país e instala-se em
Nampula, para pressionar o Governo da Frelimo a abrir o jogo da democracia, mas
em resposta, Armando Guebuza envia forças militares para as proximidades da
residência do líder da oposição, na “Rua das Flores”. Encurralado, Dhlakama
decide abandonar a chamada capital do norte, um bastião por excelência da
Renamo, para se estabelecer em Satungira, localidade de Vunduzi, distrito de Gorongosa,
em Sofala, a província que o viu a nascer.
Mas porque o regime da Frelimo estava, claramente, apostado numa
estratégia à moda Savimbi, eis que a 21 de Outubro de 2013, forças armadas
governamentais atacam o santuário de Satungira, obrigando o líder da oposição a
se refugiar em parte incerta, numa operação que vitimou o então deputado da
Assembleia da República, Armindo Milaco. O incidente levou o país a regressar,
21 anos após o AGP, às hostilidades militares que tiveram como epicentro o distrito
de Gorongosa, na província de Sofala, antes de se alastrarem pelo país adentro.
Foi necessário a Renamo recorrer às armas para forçar Guebuza a assinar, a
cinco de Setembro de 2014, o Acordo para a Cessação das Hostilidades Militares,
um entendimento que permitiu a participação de Afonso Dhlakama nas eleições
gerais de 2014. Mas o acordo teve pouca dura porque logo depois das eleições de
15 de Outubro de 2015, o fantasma da fraude eleitoral voltou a precipitar um
conflito pós eleitoral, que ficou conhecido como a reedição de “Muxúnguè”.
No início de 2015, com Filipe Nyusi declarado presidenteda
República, Dhlakama reúne-se, por duas vezes, com o novo estadista, em Maputo,
para encontrar saídas para o conflito pós eleitoral. O partido de Afonso
Dhlakama e x i g i a governar seis províncias, o n d e reclamava vitória, nomeadamente,
Sofala, Tete, Manica,Zambézia, Nampula e Niassa. Pe r a n t e uma Frelimo
relutante , Dhlakama, um líder com charisma comprovado, pôs-se à rua e, de lés
a lés,percorreu o país i nteiro,prometendo a p o p u l a ç ão a go v e r nar o
centro e o norte à força. P o r onde passasse Dhl k a ma confirmava a sua popu-
laridade, orientando c o m í c i o s populares abarrotados de milha res de
pessoas, que aguardavam o “messias” por horas à fio, faça sol, faça chuva. Foi
durante essas digressões que, por duas vezes, 12 e 25 de S e t e m b r o de
2015, escapou à morte, ao sofrer atentados na província de Manica, quando suas
caravanas foram metralhadas, provocando p sadas baixas na sua guarda pessoal,
operações atribuídas às alas conservadoras da Frelimo que sempre defenderam na
eliminação física de Afonso Dhlakama.Depois de escapar a morte por duas vezes
em menos de um mês, decide regressar à parte incerta, de onde viria a sair,
duas semanas depois, a oito de Outubro, numa operação testemunhada por
individualidades nacionais e internacionais. No dia seguinte, 09, tinha
agendado uma conferência de imprensa para às 9horas, mas não chegou a acontecer
porque a sua casa, na Beira, seria assaltada, logo pela manhã, por diversas
unidades das Forças de Defesa e Segurança (FDS) que, desarmaram a sua guarda pessoal.
Estratega militar que era, dias depois conseguiu driblar o exército
que vigiava a sua residência, na rua dos “Sem Medo”, regressando às matas, onde
perdeu a vida, esta quinta-feira. Depois do falhanço das equipas de negociações
do Governo e da Renamo, Dhlakama e Nyusi decidem liderar, pessoalmente, as
negociações até que, em finais de 2016, o presidente da Renamo concede uma trégua
militar determinada que viria a prolongá-la, de forma unilateral, em Maio de
2017, para tempo indeterminado.
Em Agosto de 2017 encontra-se com Nyusi na serra da Gorongosa.
Depois de uma segunda reunião falhada por questões logísticas, em Dezembro de
2017, voltaram a falar em Fevereiro último. Na mesa estava a descentralização
administrativa e a desmilitarização das forças residuais da Renamo. Aos 65 anos
de idade, consegue forçar o Governo a fazer cedências na descentralização do
país, um future pelo qual lutou mas, quis o destino, não irá experimentar. Aos
65 anos de idade, Afonso Macacho Marceta Dhlakama parte deixando viúva e 7
filhos. A oitava filha perdeu a vida, ano passado, e Dhlakama não conseguiu participar
no seu funeral por estar nas matas da Gorongosa a defender o edifício da
democracia de um país que muito lhe deve. (A. Nhantumbo)
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