Assinalou-se este
sábado 45 anos após o massacre de Wiriamu, em Moçambique. Historiadores dizem
que as atrocidades cometidas pelo exército português foram escondidas pela
censura.
Este sábado, 16
de dezembro, assinalam-se os 45 anos do massacre de Wiriamu, em Moçambique
- acontecimento que despertou a atenção do mundo face às atrocidades
cometidas por Portugal durante as guerras coloniais em África.
De acordo com a
investigação realizada pelo académico moçambicano Mustafah Dhada, professor de
História Mundial e Estudos Africanos radicado nos Estados Unidos, as tropas
portuguesas dizimaram um terço dos 1.350 habitantes de cinco povoações da
província de Tete, no centro do país. Fernando Rosas,
historiador português que esteve recentemente naquela povoação – onde foi erguido
um monumento a assinalar os acontecimentos ocorridos em 1972 –, diz que as
operações contra os movimentos de guerrilha de libertação nacional eram
consideradas "contraproducentes"."Mesmo
pelos sul-africanos e pelos rodesianos que colaboravam nessas operações",
ressalta o historiador, acrescentando que "no fundo, a guerrilha não
estava lá. Estava lá a população: homens, mulheres e crianças que eram vítimas
daquela violência brutal e inconsequente".
Documentário:
historiador Fernando Rosas quer desconstruir na televisão portuguesa os mitos
da colonização.
Os crimes
perpetrados pelas tropas portuguesas nas aldeias da província de Tete
despoletaram fortes críticas internacionais e fomentaram a contestação contra a
guerra colonial. Mas, passadas mais de quatro décadas, como é visto em Portugal
este período sombrio da história colonial portuguesa?
Para Fernando
Rosas, "estes acontecimentos fazem parte de uma espécie de apagão da
memória do colonialismo que se verificou em Portugal"."Em
Portugal continua muito vivaz uma certa nostalgia do império e uma narrativa
sobre o colonialismo, que é uma narrativa 'desculpabilizadora'", critica o
especialista.Este género de
mensagem, acrescenta Fernando Rosas, continua até no discurso oficioso do
Estado português. Na série em transmissão na televisão pública portuguesa (RTP2),
intitulada "História a História: África", o historiador tenta
desconstruir "mitos ainda vivazes da pseudo bondade do colonialismo
português", de modo a "não permitir que [acontecimento como Wiriamu]
passe em branco".
Ao analisar a
dimensão política do massacre, o historiador José Antunes afirma, por sua vez,
que este foi um dos símbolos mais fortes da repressão durante a guerra
colonial. No entanto, discorda que tenha sido um genocídio, como referem alguns
investigadores.Segundo
Antunes, "ao considerarmos um genocídio, estamos a pô-lo em pé de
igualdade com o Holocausto, com os massacres dos hutus ou dos tutsis".
"Para falar de genocídio naquela circunstância – estamos a falar numa
situação de contexto militar, de guerra; há um massacre justificado pelas
autoridades portuguesas pela necessidade de controlar as aldeias em que os
guerrilheiros tinham algum tipo de apoio e fez-se aquele e alguns outros
massacres", justifica.
Entretanto,
José Antunes ressalta que "são situações que claramente fogem aquilo que é
a guerra dita 'limpa', como se isso alguma vez existisse, e mostram o que foi,
de facto, a imposição de uma forma brutal das forças armadas portuguesas sobre
os grupos de libertação".O historiador
português José Antunes, formado em História de África com foco no período
colonial, diz que hoje há já mais informação sobre o que aconteceu em Wiriamu.
E questiona se o número de mortos chegou aos milhares.
"Isso só
por si já é uma questão importante. Portanto, temos ali detalhes também da
própria forma de operar das Forças Armadas portuguesas e da política. Quer
dizer, isto foi ou não deliberado, isto foi ou não mandado pelas chefias? Tudo
isso é importante saber-se".
Irene Pimentel,
outra historiadora portuguesa e uma das críticas em relação ao silenciamento,
também reconhece que ainda há factos a investigar sobre Wiriamu. Ela afirma que
hoje se pode recorrer aos sobreviventes em Moçambique para resgatar as memórias
daquela época, "para que, finalmente, os sobreviventes e familiares das
vítimas possam fazer o seu luto".Fernando Rosas
também considera necessário e indispensável que assim seja em respeito à
memória. "Porque", sublinha, "sem memória não há democracia".
O historiador considera que "há um trabalho de memória muito importante a
fazer também cá", aconselha.
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