segunda-feira, dezembro 18, 2017

"Apagão da memória do colonialismo"

Imagem relacionadaAssinalou-se este sábado 45 anos após o massacre de Wiriamu, em Moçambique. Historiadores dizem que as atrocidades cometidas pelo exército português foram escondidas pela censura.
Imagem relacionada
Este sábado, 16 de dezembro, assinalam-se os 45 anos do massacre de Wiriamu, em Moçambique - acontecimento que despertou a atenção do mundo face às atrocidades cometidas por Portugal durante as guerras coloniais em África.
De acordo com a investigação realizada pelo académico moçambicano Mustafah Dhada, professor de História Mundial e Estudos Africanos radicado nos Estados Unidos, as tropas portuguesas dizimaram um terço dos 1.350 habitantes de cinco povoações da província de Tete, no centro do país. Fernando Rosas, historiador português que esteve recentemente naquela povoação – onde foi erguido um monumento a assinalar os acontecimentos ocorridos em 1972 –, diz que as operações contra os movimentos de guerrilha de libertação nacional eram consideradas "contraproducentes"."Mesmo pelos sul-africanos e pelos rodesianos que colaboravam nessas operações", ressalta o historiador, acrescentando que "no fundo, a guerrilha não estava lá. Estava lá a população: homens, mulheres e crianças que eram vítimas daquela violência brutal e inconsequente".
Resultado de imagem para Fernando Rosas
Documentário: historiador Fernando Rosas quer desconstruir na televisão portuguesa os mitos da colonização.
Os crimes perpetrados pelas tropas portuguesas nas aldeias da província de Tete despoletaram fortes críticas internacionais e fomentaram a contestação contra a guerra colonial. Mas, passadas mais de quatro décadas, como é visto em Portugal este período sombrio da história colonial portuguesa?
Para Fernando Rosas, "estes acontecimentos fazem parte de uma espécie de apagão da memória do colonialismo que se verificou em Portugal"."Em Portugal continua muito vivaz uma certa nostalgia do império e uma narrativa sobre o colonialismo, que é uma narrativa 'desculpabilizadora'", critica o especialista.Este género de mensagem, acrescenta Fernando Rosas, continua até no discurso oficioso do Estado português. Na série em transmissão na televisão pública portuguesa (RTP2), intitulada "História a História: África", o historiador tenta desconstruir "mitos ainda vivazes da pseudo bondade do colonialismo português", de modo a "não permitir que [acontecimento como Wiriamu] passe em branco".
Imagem relacionadaAo analisar a dimensão política do massacre, o historiador José Antunes afirma, por sua vez, que este foi um dos símbolos mais fortes da repressão durante a guerra colonial. No entanto, discorda que tenha sido um genocídio, como referem alguns investigadores.Segundo Antunes, "ao considerarmos um genocídio, estamos a pô-lo em pé de igualdade com o Holocausto, com os massacres dos hutus ou dos tutsis". "Para falar de genocídio naquela circunstância – estamos a falar numa situação de contexto militar, de guerra; há um massacre justificado pelas autoridades portuguesas pela necessidade de controlar as aldeias em que os guerrilheiros tinham algum tipo de apoio e fez-se aquele e alguns outros massacres", justifica.
Entretanto, José Antunes ressalta que "são situações que claramente fogem aquilo que é a guerra dita 'limpa', como se isso alguma vez existisse, e mostram o que foi, de facto, a imposição de uma forma brutal das forças armadas portuguesas sobre os grupos de libertação".O historiador português José Antunes, formado em História de África com foco no período colonial, diz que hoje há já mais informação sobre o que aconteceu em Wiriamu. E questiona se o número de mortos chegou aos milhares.
Imagem relacionada"Isso só por si já é uma questão importante. Portanto, temos ali detalhes também da própria forma de operar das Forças Armadas portuguesas e da política. Quer dizer, isto foi ou não deliberado, isto foi ou não mandado pelas chefias? Tudo isso é importante saber-se".
Irene Pimentel, outra historiadora portuguesa e uma das críticas em relação ao silenciamento, também reconhece que ainda há factos a investigar sobre Wiriamu. Ela afirma que hoje se pode recorrer aos sobreviventes em Moçambique para resgatar as memórias daquela época, "para que, finalmente, os sobreviventes e familiares das vítimas possam fazer o seu luto".Fernando Rosas também considera necessário e indispensável que assim seja em respeito à memória. "Porque", sublinha, "sem memória não há democracia". O historiador considera que "há um trabalho de memória muito importante a fazer também cá", aconselha.

0 comments: