A Ordem dos Advogados de
Moçambique (OAM) promoveu terça-feira, 1 de Dezembro, uma conferência sobre os
25 anos da Constituição da República de Moçambique (CRM) de 1990 – sucedânea da
de 1975, e que introduziu o Estado de Direito Democrático no país, baseado, essencialmente,
no pluralismo de expressão, na organização política democrática e no respeito e
garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem -, evento que não teve
como não ser influenciado pelas questões actuais do nosso constitucionalismo,
de resto ainda em (re)construção.
Tratou-se, na verdade, de uma discussão oportuna e de relevância
inquestionável, considerando que a CRM de 1990 acha-se, materialmente,
integrada na de 2004, em vigor, por esta última, aprovada por consenso e
unanimidade, ter significado a consolidação do que já se achava consignado naquela.
Ou seja, se é verdade que a CRM de 1990 significou uma alteração profunda naquilo
que era o Estado Moçambicano conforme o seu estatuto jurídico
anterior - Constituição da República Popular de Moçambique, de 1975 -,
designadamente de um sistema monopartidário para um sistema pluripartidário, não
é mesmo verdade que a CRM de 2004 não corresponde a alguma alteração estrutural
à arquitectura do Estado, mas sim a uma consolidação, um aperfeiçoamento, do
que, em ambiente de partido único, fora introduzido em 1990. Além da qualidade
do moderador [Rui Baltazar, antigo, de entre outros, presidente do Conselho Constitucional(CC)]
e dos oradores (Teodato Hunguana, antigo, de entre outros, juiz conselheiro do
CC; Teodoro Waty, professor universitário; e Jorge Bacelar Gouveia, catedrático
em Direito), o debate constitucional desta semana foi igualmente atendido pelas
chefias das bancadas parlamentares da Frelimo e da Renamo na Assembleia da
República (AR), o que se afigura particularmente relevante neste momento por os
deputados terem à mesa uma proposta de revisão pontual da CRM, da autoria da
bancada parlamentar da Renamo.
O ponto aqui não é se se
deve ou não acolher o que se propõe neste momento, e da forma e nos termos em que
se propõe, mas uma reflexão sobre qual deve ser a mecânica, em especial, da
revisão constitucional em Moçambique, e, em termos mais gerais, da revisão de diplomas legais
estruturantes, por se ocuparem de direitos fundamentais, como é o caso do
Código Penal (CPP), aprovado pela Lei número 35/2014, de 31 de Dezembro e em
vigor (o novo CP) desde 1 de Julho de 2015. Do debate desta semana, emergiu uma
proposta, do Professor Teodoro Waty,
que, pela sua pertinência, julgamos que deveria merecer a atenção de todos: a
criação, pela AR, de uma ‘Comissão de Notáveis’, que, não devendo ser partidária,
mas formada com base numa lógica de ‘paridade partidária’, teria como missão,
num prazo concreto, pensar a
Constituição para Moçambique. Findo o seu trabalho, essa ‘Comissão de Notáveis’
submeteria, à AR, o texto do que tiver resultado das suas discussões e
reflexões. Trata-se, na verdade, de uma proposta saudável e que
tem sido, em termos de
espírito, a prática dalguns países, com o que ganham os cidadãos no fim do dia.
Áreas estruturantes e que carecem de uma certa arte e técnica devem ser vistas para
além da mera esfera político-partidária, colocando-se no topo de tudo os
interesses da colectividade. No quadro actual, o risco de a lei fundamental ser revista sem o concurso
sistemático e com ‘valor acrescentado’ à partida de notáveis, com obra pública,
é maior. Sobretudo quando a revisão estiver a ser pensada numa perspectiva
meramente conjuntural, que pode ter a insustentabilidade das opções adoptadas,
a curto prazo, como sua principal marca.
O novo CP, em vigor há
menos de um ano, por exemplo, está já a ser objecto de reprovação nos meios
forenses, devido ao facto de nele abundarem opções jurídico-penais que se acham
completamente incompatíveis com aquilo que é a centralidade da primazia dos
direitos fundamentais num Estado de Direito Democrático. Como resultado disso,
em muito pouco tempo deverá, muito provavelmente,
ser desencadeado um mecanismo visando a sua revisão, o que, em boa verdade,
poderia ter sido, eventualmente, evitado se quadros notáveis e com obra na área
do Direito Penal tivessem sido sistematicamente envolvidos no processo da sua
elaboração. Não se está, conforme foi sublinhado no debate promovido pela OAM, a propor um
mecanismo paralelo de produção e aprovação de leis. Os deputados são, na
verdade, representantes do povo e a AR a ‘Casa do Povo’. Envolver os elementos
mais notáveis do povo no processo legislativo, consoante o domínio em concreto em
que se esteja a intervir, só ajuda no próprio aperfeiçoamento do quadro legal.
Ter um deputado que é
jurista na coordenação do processo de elaboração de uma certa lei nos parece
razoável. Mas se se tiver a sorte de se ter um deputado que é
jurista-constitucionalista na coordenação da revisão da CRM, tal é
potencialmente melhor que se ter um jurista especializado em Direito Bancário a
fazê-lo. E, se antes de tudo, se tiver o suporte de uma ‘Comissão de Notáveis’,
naturalmente que a probabilidade de se ter um produto final de elevada
qualidade e que corresponda aos supremos interesses do país é por demais elevada.(Ericinio de Salema)
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