O maior problema, diz
o antigo Arcebispo da cidade da Beira, que integrou a comissão de mediadores no
processo de paz em Moçambique, "era a falta de confiança entre ambos os
lados".Marta Barroso falou com Dom Jaime Gonçalves sobre o que foi assinar
a paz a 4 de outubro de 1992 e como Moçambique se desenvolveu desde então.
MB: O que sentiu
quando finalmente viu a paz assinada?
D. Jaime Gonçalves
(DJG): Já ali senti uma grande alegria e fomos às cerimónias da assinatura do
Acordo e falou o Presidente da República, falou Dhlakama, que de Roma deu
ordens às tropas de não avançarem para nenhum lado e de não fazerem guerra e de
não dispararem contra ninguém e aí comecei a ver que afinal a paz é possível em
Moçambique. Já imaginava a alegria que o povo moçambicano havia de sentir com a
notícia de que a guerra terminou. Estava já a imaginar os cantos, danças e
viagens.E de facto foi o que aconteceu: o povo moçambicano aceitou o Acordo Geral
de Paz, viveu a ideia do abraço entre o Presidente da República e Afonso
Dhlakama e o povo não quis vingar-se de ninguém, porque o povo sofreu com a
guerra. Da parte do governo, porque o governo também tinha a sua gente que
fazia desordens, é claro, a RENAMO, como eram guerrilheiros, também faziam
desordens. Mas nem a RENAMO se vingou da FRELIMO nem a FRELIMO se vingou da
RENAMO.“O povo viveu a ideia
do abraço entre FRELIMO e RENAMO”
MB: Falou das
desordens cometidas por ambas as partes durante a guerra. Acha que os
moçambicanos recuperaram dos traumas de guerra?
DJG: O trauma de que a
guerra pode voltar, esse para o povo moçambicano acabou. O Acordo prevê
democracia, um sistema pluripartidário, talvez ali haja um trauma que ainda não
acabou. Estabeleceu-se um pluralismo partidário no país, estabeleceram-se
eleições como dizem, livres e justas e transparentes.Mas na realidade, quando
vamos às eleições, acabamos alguns a perguntar: "Essas eleições foram
livres? Essas eleições foram justas? Essas eleições foram transparentes?"
A resposta é diversificada. Então, aí podemos dizer que ainda não se desfez
aquele nó que nos levaria a dizer: "Acabamos de fazer eleições justas,
livres e transparentes". Isso ainda nos falta. Mas já é uma vantagem que
existam muitas eleições, isso é democracia.
MB: Quando olha para a
democracia em Moçambique, o que vê?
DJG: É preciso chegar
a um ponto em que as pessoas, pelo menos 80%, 70% possam dizer: "As
eleições foram livres, as eleições foram justas, as eleições foram
transparentes, portanto o seu resultado é aceitável".
MB: Entretanto já lá
vão 20 anos. Como vê este período de paz?D. Jaime Gonçalves diz que ainda nem
todos estão contentes com a democracia em Moçambique.
DJG: Para a paz, já
tem uma grande base a partir do próprio governo, a partir do próprio povo, que
de facto acredita na paz e que a vida social, a vida nacional depende muito da
paz.Agora tem partes que é
preciso desenvolver: problemas de caráter económico. A democracia sem nenhuma
economia não é praticável, portanto o desenvolvimento económico do país, aí
ainda há muito que fazer e muito que organizar. E isso pode influenciar a segurança
da paz. Demasiada pobreza não garante muito a paz, leva as pessoas a uma
ambição desmedida, porque a pobreza acaba por ser absoluta.
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