A Frelimo está em guerra silenciosa interna. Em causa está o poder. O problema é que o actual presidente da Frelimo e, simultaneamente, Presidente da República quer continuar a manter-se no poder para poder controlar e governar o país, através do partido, mesmo depois de terminar o mandato. E apoio de peso não lhe falta. Mas há também aqueles que defendem a manutenção da tradição, de que “só é presidente do Partido quem é simultaneamente Presidente da República”. Foi essa tradição que foi pregada por Guebuza e seus apoiantes para forçar a saída de Joaquim Chissano da presidência do partido.
Guebuza sabia que detém o poder, ao nível do nosso país, o presidente do partido que governa (Frelimo). Aliás, o secretário-geral da Frelimo, Filipe Paúnde, deixou bem claro, na entrevista de quinta-feira ao jornal “O País”, sobre quem tem o poder em Moçambique: “o partido é que orienta o Governo. (…) O presidente receberá instruções da Comissão Política, ele irá implementá-las na Presidência (da República)”. Ora, o partido e a Comissão Política são liderados pelo presidente do partido (Frelimo), o que lhe dá poder de influenciar as decisões a serem implementadas pelo Governo.
Nesse contexto, Chissano, sendo o presidente do partido, iria sobrepor-se ao Presidente da República, neste caso, Armando Guebuza, que ficaria desprovido do poder. Quer dizer, Chissano, apesar de ter deixado a Presidência da República, continuaria mais poderoso que o seu sucessor, Armando Guebuza. O que aconteceu é que Guebuza não queria sujeitar-se a esta situação. Ora, se não se quis sujeitar a esta dependência, também deveria ser coerente no sentido de rejeitar a decisão de se candidatar para mais uma presidência do partido; travar a onda de apoio a mais uma candidatura à presidência do partido. Tem de fazer o que fez quando alguns dos seus apoiantes tentaram forçar o seu terceiro mandato: sair publicamente a dizer que não se irá candidatar, porque a constituição assim não permite. Este silêncio em relação à intenção de continuar a presidir ao partido, para além de 2014, é sintomático de que ele, de facto, é que está a agitar a água para medir a reacção dos membros da Frelimo e da classe académica moçambicana. Não se pode calar perante esta intenção, porque terá reflexos directos na governação e no futuro do país, conforme demonstrarei mais adiante.
Se ele, juntamente com seus apoiantes, obrigaram Chissano a renunciar ao cargo, alegando que “desde a proclamação da independência de Moçambique, em 1975, e a introdução do regime de partido único no país, o presidente da Frelimo foi simultaneamente o chefe de Estado moçambicano”, tal como justificou Manuel Tomé, na altura porta-voz da IV sessão do Comité Central da Frelimo (Março, 2005), então, Armando Guebuza deveria, hoje, recordar aos seus apoiantes, como Filipe Paúnde, que essa tradição ainda existe e não quer pontapeá-la. O que não está a acontecer, deixando entender que se está a preparar para revelar a sua incoerência.
Mais: Manuel Tomé disse, nessa conferência de imprensa, que: “Este princípio verifica-se quer na nossa região, em países como África do Sul e Tanzania, quer na Europa, como na Inglaterra e em Portugal, onde o dirigente máximo do partido encabeça o Governo”.
Se esses exemplos foram usados para justificar a renúncia de Chissano, então também devem ser usados para esclarecer a Guebuza que “este princípio ainda se verifica (não caiu em desuso)”, pelo que não deve sonhar em manter-se na presidência do partido.
A acontecer a violação da tradição do partido, estaríamos perante uma situação semelhante à da Rússia, em que Vladimir Putin, após ter cumprido os oito anos de mandato, ao invés de abandonar o Governo, sugeriu que ocupasse o cargo de primeiro-ministro, entregando a presidência a um fantoche Dimitri Medvedev. Durante oito anos, Putin manteve o controlo do poder, embora estivesse nas mãos do outro. É este cenário que Guebuza está a desenhar, uma vez que o presidente da Frelimo e simultaneamente da Comissão Política do Partido é uma figura que estará acima de um eventual Presidente da República. Dito de outras palavras: Guebuza continuaria, na verdade, a governar o país, através do partido, uma vez que o presidente do partido sobrepõe-se ao Presidente da República.
Os estatutos da Frelimo, no artigo 63, n.ºs 2 e 5, também são claros relativamente à superioridade do presidente do partido em relação ao Presidente da República: “São membros da Comissão Política o Presidente do Partido, o Secretário-Geral e o Secretário do Comité de Verificação do Comité Central”; “O Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro, quando membros do Frelimo têm assento na Comissão Política, sem direito a voto”. Ou seja, o futuro Presidente da República não terá direito a voto, contrariamente ao presidente da partido.
Mais: “O Presidente (do partido) dirige e preside ao Presidium do Congresso, o Comité Central e a Comissão Política” (artigo 65, nº2). Quer dizer, cabe ao presidente do partido presidir à Comissão Política e ao Presidente da República o papel de simples participante.
Quero acreditar que Guebuza pretenda candidatar-se à presidência do partido apenas para cumprir o mandato, em 2014, ainda como presidente, em cumprimento da tradição do partido. Creio que após as eleições fará o mesmo espectáculo que Chissano: renunciar à presidência do partido para salvaguardar a tradição que vem desde 1975, de o presidente do partido ser simultaneamente o Chefe do Estado, entregando a presidência do partido ao novo Presidente da República. Isso até faz sentido na medida em que a entrada do novo presidente do partido, a partir do próximo mês de Setembro, retiraria, automaticamente, por obrigação estatutária, os poderes de Guebuza como Presidente da República. Teríamos um Presidente da República que estaria sob ordens de um novo presidente do partido nos próximos dois anos do mandato.
Mas por que tanta azáfama por Guebuza?
Eventualmente, esta azáfama seja reflexo do dilema de alguns elementos da Frelimo, sobretudo aqueles devem favores ao actual presidente da Frelimo. Refiro-me aos que beneficiaram da sua governação. De facto, durante sete anos e meio, Guebuza conseguiu resgatar muitos dos seus camaradas do anonimato. Muitos deles são hoje empresários e se não o são, pelo menos estão prósperos.
É que Guebuza preocupou-se mais com o partido do que com o povo, contrariamente a Chissano que tinha prestado mais atenção ao povo do que ao partido. Uniu o partido. Resgatou elementos que já tinham sido esquecidos, sobretudo os antigos combatentes. Elevou os salários da elite militar e dos membros do partido. O resultado é que a Frelimo cresceu exponencialmente com Guebuza do que com Chissano. No entanto, o país registou pouca evolução em relação à redução das desigualdades sociais comparado ao período de Chissano. A pobreza registou subida em 0.8% na governação de Guebuza, após uma redução de 15% no governo de Chissano; os estudos mostram que a corrupção, o clientelismo, o burocratismo agravaram com Guebuza do que com Chissano. Por isso, há uma dívida de favores à Guebuza pela maioria dos membros da Frelimo. São esses que sem olhar a meios nem às consequências futuras defendem a continuação dele à frente do partido como única garantia de que irão manter os seus privilégios.
Guebuza activou o sistema distributivo e desactivo redistributivo. A governação de Guebuza preocupou-se mais em realizar negócios para eles próprios do que negócios que beneficiassem a todos os moçambicanos. O jantar, em casa do presidente da Vale, no Brasil, de que coincidentemente viria a resultar na atribuição de licença definitiva do Uso e Aproveitamento e a concessão de todo o Corredor do Desenvolvimento de Norte (sistema ferro-portuário de Tete e de Nacala) à Vale, nas duas semanas consecutivas, após o regresso à “pátria dos heróis”; e a contratação de créditos para a construção da ponte sobre Katembe são exemplos recentes da política da promiscuidade adoptada pelo actual Governo.
Jantar em casa do presidente da Vale representa uma promiscuidade ao mais alto nível de um governante. O que devia ter acontecido é o presidente da Vale jantar na Presidência da República à convite do Chefe do Estado. Um Chefe do Estado deve saber que é representante do Estado e não dos seus próprios interesses. Se quisesse jantar com o presidente da Vale, na sua casa, Guebuza podia-o fazer durante as suas férias, não aproveitar uma viagem do Estado para recepções anti-éticas.
É inconcebível e inadmissível que um Chefe do Estado de um país “democrático” escolha, dentre várias multinacionais que operam na mesma área (exploração de carvão mineral) dentro do mesmo território, jantar em casa do presidente de uma delas e concessiona-se a espinha dorsal do desenvolvimento do país à revelia do sector empresariado nacional e das outras companhias carboníferas. Como as companhias como Rio Tinto, Talbot State e outras irão interpretar este comportamento? Onde está a ética de quem deveria servir de árbitro em caso de conflitos entre estas multinacionais? Como concessionar um corredor vital para o transporte de carvão a apenas uma das tantas companhias da área?
Face a estas evidências, tenho de reconhecer e concordar com Sua Excelência Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, que, de facto, “a pobreza está nas nossas mentes”.(Lazaro Mabunda)
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