Parece não ter sentido que
os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez
mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e
Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas
nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com
ela interligada.
António Guterres disse
hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê?
Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não
completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também
porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio
militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as
próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está
enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá
qual.
É imperioso sair do
impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes
no apoio que dão à Ucrânia - essa é, aliás, a expressão essencial do seu poder
neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial directa com Moscovo. Um
conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar
dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana
acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação
militar no seu terreno.
O envolvimento negocial
ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro
os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de
ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas,
decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas
decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à
sua terra. Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de
que o momento óptimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por
virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários países europeus.
Macron mantém o número de
telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um
caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua
fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de
Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a
chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus
lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a
guerra.
A História mostra que,
para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia
não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se
fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo
corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.
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