A Ethiopian Mozambique Airlines
(EMA) arrancou suas operações no país com dois aparelhos Bombardiers Q400 New
Generation, de 70 lugares, matriculados em seu nome, mas sua estrutura
logística é toda da Ethiopian Airlines, que opera com o código de vendas ET
071. No Aeroporto de Mavalane, a venda de bilhetes é feita nos balcões da
Ethiopian. Todo o pessoal comercial é da empresa de bandeira da Etiópia.
Gestores e pilotos começaram a trabalhar alegadamente sem visto laboral. E o código de vendas coincide com o da ET. A
EMA (uma empresa direito moçambicano, parceria entre a Ethiopian Airlines
Group, com 99%, e a Malawian Airlines, com1%) opera em Moçambique com suporte
total da companhia de bandeira doutro país, levando a que especialistas do
sector considerem que este é um caso único em África de alegada cabotagem
(situação em que uma operadora estrangeira entra noutro país para fazer
transporte aéreo em rotas domésticas).
Cabotagem?
“Não, a EMA é uma empresa de direito moçambicano”, afirma
perentoriamente o Comandante João Abreu (reformado
da LAM,onde pilotou B737,767,DC10,Fokker 27 e 100,Embraer 190) , Presidente do Instituto de Aviação
Civil de Moçambique (IACM), órgão regulador do sector. Abreu rechaça quaisquer
alegações sobre um eventual relaxamento do Estado para permitir a entrada da
Ethiopian em Moçambique, numa situação que pode levar a falência ou regeneração
das Linhas Áreas de Moçambique (sociedade anónima entre o Estado moçambicano,
com 80 %, e a Vintelam, o grupo de trabalhadores da companhia, com 20%). O
processo de certificação da EMA, diz Abreu, levou 9 meses, tendo seguido os
passos exigidos para que a empresa satisfizesse todos os requisitos da
legislação nacional. Em 2011, através do Decreto 39/2011, de 2 de Setembro, o
Governo liberalizou o espaço aéreo para que empresas estrangeiras viessem cá
disputar o exíguo mercado doméstico de pouco mais de 700 mil passageiros por
ano. Para além da LAM e da Mex (uma subsidiária da primeira) já estava a voar
no eixo dorsal das rotas domésticas (Maputo-Beira-Nampula-Pemba) a Fastjet,
operada pela Solenta, também uma empresa de capitais estrangeiros. A
certificação de um operador aéreo envolve um check list que contém critérios de
legalidade, de idoneidade financeira, de estudo de mercado, de operações,
manutenção e segurança. Isso tudo foi verificado minuciosamente, diz Abreu.
Na quinta feira passada, a EMA fez
um voo inaugural para Beira. E no sábado arrancou seu serviço regular com voos
para Beira, Nampula, Pemba. Sua frota ainda é limitada a dois aviões e a base
das suas operações será mesmo Maputo, e não Nacala, como foi ruidosamente
ventilado pelo PCA dos Aeroportos de Moçambique, Emanuel Chaves, há dois meses
atrás. Ontem, Chaves disse à “Carta” que
a Ethiopian desistiu de montar sua base operacional em Nacala pois não
obteve uma coisa que procurava: facilidades fiscais inerentes à Zona Económica
Especial. Para beneficiar dessas facilidades, a EMA tinha de estar baseada em
Nacala e manter fortes ligações empresariais com a economia local. Mas ela está
essencialmente voando longe dos ares do “elefante branco” da cidade portuária.
O início das operações da
EMA no sábado foi interessante. O balcão da Ethiopian, onde a EMA vende as
passagens sob o código ET estava apinhado. É o único ponto de vendas em Maputo.
Ontem, no mesmo balcão, o serviço da EMA estava um caos. Parecia uma típica
empresa moçambicana. “Não há sistema”, diziam os funcionários. Ninguém soube
explicar a razão da falha do sistema informático. No balcão estavam apenas dois
funcionários, manipulando um único computador. Esse balcão da Ethiopian
localiza-se no Terminal 2, para voos internacionais. Os passageiros para voos
domésticos têm de se deslocar para esse terminal, adquirir a passagem e
regressar para embarcar na doméstica. Um mal menor. O preço da EMA compensa,
como vamos ver. Pelo menos bate os da LAM.
Por isso, a vinda da EMA está a
ser aclamada por uma boa parte dos consumidores, que querem eficiência e
melhores preços. E também algumas compras locais. Há coisas garantidas. “Carta”
apurou que o catering da EMA vai ser fornecido pela SMS (LAM e Aeroportos
controlam a empresa em partes iguais), o que é uma boa perspetiva para a
empresa, que nos últimos anos viu sua capacidade de produção cair
drasticamente. Uma das razões desse descalabro eram as dívidas da LAM.
Garantida também está uma maior competição nas tarifas. Ontem, era praticamente
substancial a diferença entre a EMA e a LAM, em termos de tarifas. “Carta” fez
reservas para Maputo/Nampula/Maputo e Maputo/Tete/Maputo, para 5 dias.
Na LAM, a primeira estava a
21.380,00 Mts e na EMA a 19.207, 00 Mts. No segundo caso, a LAM estava a cobrar
28.808,00 Mts e a EMA 17.842, 00 Mts. Um funcionário da EMA disse à “Carta” que
a perspetiva é venderem passagens à metade dos preços da LAM. A operação com o
código de vendas ET implica que todos os pagamentos feitos eletronicamente
sejam diretamente canalizados para as contas da empresa-mãe, em Addis-Abeba,
ficando pouco na banca local. Um dado notável é que os preços da EMA estão
indexados ao USD. Ou seja, toda a reserva é calculada em USD embora seja paga
em Mts. O efeito da entrada da EMA no bolso do consumidor vai ser imediato e,
pelo menos ao nível das tarifas, um enorme desafio para a LAM. A EMA já bate a
LAM no preço. Mas ainda não na eficiência.
As duas companhias vão lutar
aguerridamente para controlar maior porção do osso do eixo dorsal. É provável
que o espaçamento dos seus voos no “time slot” venha a ser mínimo. Para já, não
há margens estabelecidas acima do mínimo dos 2 minutos que o Aeroporto de
Mavalane estipula para partidas e chegada de aeronaves. Em tudo o resto, de
acordo com Emanuel Chaves, as duas companhias podem competir. O terminal doméstico tem 14 balcões de “check
in” e 4 portas de embarque. “Check in” e embarque podem acontecer ao mesmo
tempo. Isso depende da capacidade de “handling” que, no caso de Maputo, existe.
Problemas identificados anteriormente como, por exemplo, a diminuta sala de
embarque em Nampula e a falta de escadas na Beira estão, para Chaves,
ultrapassados. Ele lembra que o aeroporto de Nampula tem um restaurante no
primeiro andar (que pode servir de sala de espera) e que, no caso das escadas,
os Bombardiers da EMA vêm com elas incorporadas. Na semana passada, e
antecipando a entrada da EMA no mercado, o DG da LAM, João Pó Jorge, veio dar
perspetivas animadoras para a companhia, as quais passavam por uma substancial
redução de custos, e eventualmente uma injeção de fundos do maior acionista, o
Estado. Até que ponto o Estado está interessado numa LAM competitiva, essa é
ainda uma incógnita.
Apanhado no fogo por causa do seu
papel de regulador, João Abreu garante que não houve e nem está a haver
qualquer favorecimento das autoridades à Ethiopian. Para Abreu, a EMA vender
bilhetes no balcão da Ethiopian não é um grande drama. “É apenas um arranjo comercial”. E o uso pela
EMA do código de vendas ET é “pacífico”.
A Mex também usa o código TM,
da LAM, rebate ele. Abreu não gosta de ouvir a ideia de que a EMA é apenas um
ardil de nome usado pela Ethiopian para dominar os céus de Moçambique, fazendo
jus à sua visão estratégica 2025: dominar os céus de África. Moçambique seria
um passo nessa direção, a seguir ao Togo e ao Malawi. A diferença é que nestes
dois países, a Ethiopian entrou nas estruturas acionistas das empresas locais de
bandeira, para robustecê-las.
No caso de Moçambique, ela aparece
como o principal suporte de um projeto de “capitais privados estrangeiros”
local em direta competição com a principal linha aérea do país. Abreu diz que a competição é saudável e que,
da sua parte, ele não fez mais do que aplicar a legislação. E destaca o facto
de que a EMA vai trazer mais do que transporte: manutenção, fabricação de peças
e formação. Seja como for, perante um
concorrente robusto, o futuro da LAM está com os gestores da empresa. Mas parece
fundamental o Governo clarificar o que quer fazer dela: deixá-la sucumbir ou
recuperá-la para se alavancar no boom do gás do Rovuma.
(Marcelo Mosse, com Marta Afonso)
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