Nunca será demais repeti-lo: a liberdade de
expressão é a pedra de toque de qualquer regime que se pretenda
democrático.
A liberdade de expressão está consagrada na
Constituição da República de Moçambique como um direito fundamental,
interpretado pela doutrina como sendo, mais do que uma prerrogativa, uma
garantia institucional, significando que este Estado assegura dignidade aos
seus cidadãos!
A liberdade de expressão oferece a todo o cidadão a
oportunidade de considerar uma larga variedade de opiniões acerca de assuntos
que dizem respeito a toda a sua comunidade, seja local, seja nacional, e ajuda
aqueles que tomam decisões a ter consciência dos pensamentos e sentimentos dos
governados, que são os seus eleitores. Cidadãos bem informados e uma imprensa
livre são condições essenciais para que os eleitores e os cidadãos de um modo
geral possam escrutinar o desempenho dos seus servidores, independentemente do
nível em que estes se situem. Os governos que tomam decisões de acordo com os
princípios da maioria apenas se tornam legítimos se todos os cidadãos tiverem
tido oportunidade de expressar livremente as suas ideias sobre qualquer que
seja o assunto, usando todos os meios ao seu dispor.
A liberdade de expressão é uma questão de lei; mas é
também uma questão de ética e moralidade. Ela contextualiza-se nos valores e
crenças fundamentais de cada sociedade, em cada etapa da sua história. Contudo,
ainda que se erga com o estatuto esmagador de direito fundamental, a liberdade
de expressão não é um direito absoluto – já que não existem direitos
infinitamente elásticos!
O seu exercício, por pleno ou robusto que seja, terá
que se harmonizar com a prevalência e o exercício de outros direitos, quer
sejam também fundamentais, quer não. E porquê? Porque tais direitos
fundamentais não são atribuídos aos indivíduos como pessoas isoladas, vivendo
sozinhas no deserto; não! São-lhes atribuídas enquanto membros de uma
sociedade; enquanto seres inseridos na sociedade, com a qual partilham deveres
irrenunciáveis: os de, através da sua conduta, contribuírem para um convívio
social são e harmonioso!
Por isso a Constituição da República estabelece
que o exercício destes direitos é regulado por lei, impondo-lhe limites em dois
sentidos: do respeito pela Constituição e pela dignidade da pessoa humana (nº6
do art.48).
Isto porquê? Exactamente porque expressões podem
infligir danos a indivíduos, grupos de pessoas e sociedades, o que pode dar
origem a demandas por intervenções para limitar a liberdade de expressão.A
liberdade de expressão é consagrada como um direito fundamental exactamente
para, assim protegido, ser garante de espaço para os membros de uma sociedade
debaterem de forma livre e aberta aqueles assuntos que dizem respeito à sua
vida, enquanto comunidade. Portanto assuntos revestidos de interesse geral. Daí
que o seu exercício tenha como alguns os seus limites (expressos ou imanentes)
a reserva da vida privada e da vida intima privada – o que, por sua vez,
dá sentido material ao conceito de dignidade da pessoa humana. Associados
a este limite geral, juntam-se os princípios éticos da cordialidade e da
elevação no próprio discurso argumentativo, pois apenas em contexto de
reconhecimento pratico de igualdade em dignidade é que duas pessoas podem
debater, com argumentos válidos, qualquer assunto. De outro modo, porque a Lei Fundamental de uma nação
haveria de consagrar um direito tãro robusto, se este se destinasse a promover
expressões menores, expressões de baixo-relevo social, de baixo recorte moral e
ético, do género “baixeza” e insultos pessoais?
Ai, a liberdade de expressão encontraria o seu fim
absolutamente desvirtuado e corrompido. Ai ela poderia reduzir-se a mero
instrumento de cometimento de crimes graves. Como o de assassinato de
carácter!
Vem isto a propósito de muitos textos que têm vindo
a circular, nos últimos tempos, em redes sociais, em que os seus autores, a
pretexto de exercício da liberdade de expressão, exprimem seus ódios e asco
sobre outras pessoas, incluindo titulares de cargos públicos, confundido a
pessoa com o cargo que ocupa!
A pretexto de discutirem assuntos de governação –
portanto assuntos do interesse da comunidade – atiram-se em espumas de raiva
canina contra tais figuras, tentando, a todo o custo, devassar a sua vida
privada, incluindo lançando-lhes estigmas de doenças infecto-contagiosas, insinuando
que as terão contraído como consequência de condutas promíscuas.
Uma de tais cartas, ora em circulação nas redes
sociais, mostra como seu autor Sérgio Vieira: considerando a narração
apaixonada de factos verosímeis da história politica contemporânea de
Moçambique, desde a liderança de Eduardo Mondlane até à presente liderança de
Filipe Jacinto Nyusi, é de presumir que se trate do único Sergio Vieira
veterano da política moçambicana, desde a independência do país, em 1975.
“Presumir”…apenas!
Ora, coroar o Presidente da República com os mais
vis insultos pessoais; procurar invadir a sua vida íntima privada, incluindo
através de atribuição de doenças graves; pinta-lo, enquanto homem, com as mais
bizarras tintas, para depois vir exprimir receios de que você mesmo possa vir a
ser agredido ou mesmo morto…não tem absolutamente nada a ver com o exercício da
liberdade de expressão! Longe disso! Tem a ver, isso sim, com o exercício de
uma outra “liberdade”: a liberdade de insultar, muito cultivada entre os
protagonistas de um pseudo desporto chamado wrestling! Aqui, com uma clara
finalidade: provocar a baixa autoestima do adversário; vexando-o!
Ora, a liberdade de expressão é uma conquista de
longas e permanentes lutas de muitos povos, incluindo o povo moçambicano!
Permitir que ela seja instrumentalizada e desvirtuada é oferecer trunfos e
justificações aos seus inimigos para a banirem! É atrair, sobre nós, a ira das
trevas e da opacidade!
Assim, dizemos: liberdade de expressão sim;
liberdade de insultos, não!
(Por: Tomás Vieira Mário)
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