No passado chamou-se American
Board, mas hoje leva o nome de Igreja de Cristo Unida em Moçambique. Poucos,
sobretudo as novas gerações, ouviram falar dela, mas nem por isso foi menos
preponderante no movimento nacionalista moçambicano. Tal como a glorificada
igreja presbiteriana, ligada à elite da Frelimo do sul de Moçambique com Eduardo
Mondlane como dos principais rostos, a ex-American Board, associada pelo regime
dominante a “perigosos reaccionários” oriundos do centro de Moçambique, como
Nkamba e Uria Simango, foi determinante na luta contra a opressão portuguesa, o
que lhe custou perseguição por um sistema colonial intolerante para com as
chamadas igrejas protestantes. Nós, no SAVANA, fomos revisitar a história,
ouvimos testemunhas vivas e, nas próximas linhas, tentamos contar esse passado
sinuoso, de torturas e sangue, que a história oficial, simplesmente, ignora. No
seu livro intitulado “Toward African Church in Mozambique”, qualquer coisa como
“Rumo à Igreja Africana em Moçambique”, uma obra que traça o percurso da
ex-American Board, da América à África do Sul, passando pelo então Império de
Gaza até ao Zimbabwe, o historiador americano, Leon Spencer, refere que foi em
Julho de 1892 que os primeiros missionários americanos, liderados por Fred
Bunker, chegaram à Beira. Tratava-se dos primórdios de uma igreja que só viria
a se fixar, oficialmente, em 1905. Com a presbiteriana fortemente presente no
sul de Moçambique, a ex- -American Board centrou as atenções na região centro,
precisamente, nos antigos distritos de Manica e Sofala, hoje províncias. Num
contexto de colonização, para além do evangelho, a igreja alargou a sua acção
para a consciencialização das comunidades contra a opressão portuguesa. Com
Manica e Sofala, na altura sob domínio da Companhia de Moçambique, que submetia
as populações a grandes plantações de açúcar e algodão, a ex-American Board,
que nos seus cultos dava ênfase à liberdade dos homens, foi a primeira igreja a
denunciar Portugal na então Sociedade das Nações, hoje Nações Unidas, acusando
Lisboa de actos de escravatura em Moçambique. Reza a história que, por força da
conjuntura do século XIX, marcada pela propagação dos ideais do liberalismo,
que preconizava a liberdade do homem, Lisboa declarou, oficialmente, a abolição
da escravatura, em 1878. Mas o certo é que Portugal continuava a escravizar os
“indígenas” nas suas colónias. Assim, um contundente relatório-denúncia
submetido em Nova York pela ex-American Board fez com que o mundo se revoltasse
contra Portugal, o que azedou as já tensas relações entre aquele país europeu e
a igreja de origem americana. Nem mais: Portugal intensificou a perseguição
contra a igreja que chegou a ser banida. Foi mesmo na tentativa de escapar das
masmorras do colonialismo que os seus membros decidiram mudar de A ex-American
Board e o nacionalismo moçambicano A igreja que a história oficial preteriu Por
Armando Nhantumbo designações. Assim, de American Board, em 1905, passa a
designar-se, em 1935, como Associação Evangélica Portuguesa; em 1944 como
Conselho Intermissionário da Beira; em 1947 como Igreja de Cristo em Moçambique
- Ramo Manica e Sofala e só em 1985, depois da independência, é que passou a se
designar Igreja de Cristo Unida em Moçambique (Ex-Missão American Board). No quadro do seu papel no nacionalismo moçambicano, a
American Board enviou jovens para se juntarem à Frelimo na Tanzânia, o berço da
Luta de Libertação Nacional. Feliciano Gundana, natural
de Sofala, que já
desempenhou as funções de Adjunto chefe do Departamento de Defesa e Segurança,
governador de Inhambane, Zambézia e Nampula, ministro dos Combatentes e da
Presidência para Assuntos da Casa Militar, assim como outros crentes, estudou
na escola da ex-American Board e foi pela mão desta igreja que rumou à Tanzânia,
onde se juntou à Frelimo. Deolinda Guezimane, igualmente antiga combatente e
ex-secretária-geral da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), o braço
feminino da Frelimo, mais tarde deputada na Assembleia da República e
Conselheira de Estado, é também uma das muitas jovens que “cresceu” na
ex-American Board, de onde mais tarde seguiu para a Tanzânia. Lucas Chomera,
deputado da Frelimo na Assembleia da República, onde preside a Comissão da
Administração Pública e Poder Local, foi também um dos vários jovens que hoje a
igreja diz terem sido “filhos de casa”. Entretanto, quis o destino que, em
Moçambique, a igreja tivesse como precursores “inimigos jurados” da Frelimo.
Um
deles foi Nkamba Simango, o primeiro moçambicano doutorado nos Estados Unidos
da América (EUA), muito antes de Eduardo Mondlane celebrado pela histó- ria
oficial como o primeiro doutor em Moçambique. Natural de Machanga, por volta
dos anos 1890, Nkamba Simango, descrito na obra de Leon Spencer, investigador e
docente de história africana, como um “líder religioso bem treinado”, teve os
primeiros laços com a ex- -American Board na Beira e Monte Selinda (em
território zimbabweano), mas essa ligação ficou fortalecida nos EUA, onde para
além de se formar em Sociologia e Psicologia, ensinou, mais tarde, Chindau no
Departamento de Antropologia da Universidade de Columbia, entre vários outros
títulos que obteve. Fazendo da religião um instrumento para a liberdade humana,
Nkamba Simango já observara, em 1921, que “nos velhos tempos, o homem negro era
detido por indivíduos, enquanto hoje é detido por governos e corporações”,
defendendo que “devemos agir para libertar estas pessoas” em referência aos
escravos. Uma outra geração ligada à ex- -Missão American Board, por sinal a
terceira, integrou o Reverendo Uria Simango, que foi, mais tarde, um dos
fundadores da Frelimo, partido no qual chegou a ser vice-presidente, co- djuvando
Eduardo Mondlane. Tal como Nkamba Simango, Uria teve a sua vida,
intrinsecamente, ligada a esta igreja de que pouco se fala. Em “Uria Simango,
um homem, uma causa”, Barnabé Lucas Nkomo retrata a “história da penosa
trajectória política de um missionário revolucionário, cujo empenho e dedicação
à causa da libertação do seu povo foram negados pela memória colectiva da história
recente do seu país”. Também natural de Machanga, Uria acabaria, barbaramente,
assassinado entre Maio de 1977 e Junho de 1980, no campo de reeducação de
M´telela, distrito de Majune, província do Niassa. (por : Armando Nhantumbo)
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