É a primeira grande
entrevista em que ‘abre o jogo’ abertamente sobre os processos críticos que
herdou na gestão da TAAG. Peter Hill, britânico de
nacionalidade, é um consultor internacional de empresas de aeronáuticas, com
especialidade em ´start-ups’ aéreos e ‘rebranding’. No seu longo ‘currículo
aéreo’, constam os cargos de PCA das linhas aéreas de Oman, (2008-2011), Sri
Lankan Airlines (1999-2008), além de várias consultorias prestadas a FlyDubai,
GM Commercial. É membro fundador da Emirates, a companhia que o trouxe à TAAG. Hill,
o britânico que gere a companhia aérea de bandeira angolana desde Setembro do
ano passado, explica como desfez negócios “intocáveis” e por que razão apenas
um estrangeiro seria capaz de tornar a TAAG numa empresa rentável. Mais ao fim,
não deixou de mencionar a meta histórica de médio prazo: elevar as receitas ao
nível das despesas da companhia.
Já
se passaram 12 meses à frente da TAAG. Qual é o balanço possível? É
verdade. Foi há15 de Setembro de 2015 que eu e minha equipa, porque somos uma
equipa, tomá- mos posse da gestão da TAAG. Entretanto, o plano de negócios que
vimos executando, concebido pelo Governo em colaboração com a Emirates, para
ser implementado nos próximos 10 anos, foi desenvolvido na primavera de 2014.
Nessa altura, o país estava numa situação muito diferente, em relação à
situação em que se encontrava em Setembro de 2015, quando tomamos posse, e que
se arrasta até agora. Em 2014, o país ainda estava numa plataforma muito
positiva. O petróleo ainda estava a vender perto de 100 dólares o barril e a
vida era boa. Todo o mundo estava ansioso para mais expansão económica, maior
desenvolvimento, mais investimentos, assim por aí. Passou-se um ano e a coisa
toda mudou. E foi nessa altura em que assumimos a gestão da TAAG. Acho que não
se poderia ter escolhido uma turbulência pior para assumir o comando.
Em que estado encontrou a
empresa? A empresa
atravessa por um período de grande expansão. Novas aeronaves, novos
equipamentos, foi removida da lista negra, de modo que novas rotas foram
iniciadas e tudo caminhava a bom ritmo. Era assim há vários anos. Quando
começámos a olhar para os livros, para o modo como a forma de gestão como foi
concebida, tenho de dizer que foi uma confusão. Não necessariamente por culpa
de alguém em particular, mas apenas porque estava fora de controlo. Por isso,
tivemos de segurar e estabilizar o navio. Tivemos de analisar as contas, a
organização e, basicamente, remodelá-la para tentar adequa-la ao que
esperávamos que viesse a tornar-se uma empresa sólida. É o que temos vindo a
fazer desde então. Houve uma atenção especial à questão financeira, certamente.
Reformulámos completamente a situação financeira da empresa. Agora podemos
dizer, com segurança, que sabemos exactamente quem somos e que dinheiro
devemos. Sabemos o que está no banco e sabemos para onde estamos a ir, em
termos do nosso desempenho financeiro. Sabemos o que temos de aprovisionar, à
medida que vamos para frente. É um quadro muito diferente do que herdamos.
Agora recebo um extracto mensal das contas, verdadeiras e factuais. Estou muito
confiante em que o Governo está muito feliz com isso, os nossos credores
também, e, certamente, a equipa de gestão está confortável com isso.
Sentiu necessidade de manter
algumas práticas anteriores, já que se trata de um negócio do Estado e que, por
isso, encerra outras preocupações de cariz social, por exemplo? Relativamente à organização, nós tivemos
de racionalizá-la. Reconhecemos que isto é um negócio do Estado, logo há
pressupostos a manter. Há muitos trabalhadores na organização que não estão
necessariamente nas posições adequadas. Temos de reconhecer isso e tomar as
medidas adequadas para tentar ou retreiná-las ou mudá-las para outras áreas.
São pessoas, digamos, complicadas. Não por culpa delas, mas, se calhar, por
culpa da gestão anterior. De qualquer forma, não despedimos ninguém. A única
coisa que fizemos, em termos de redução da força de trabalho, foi olhar para
todas as pessoas que estão acima da idade de aposentadoria e certificar-se de
que elas se aposentassem. Nem todo o mundo quer reforma, mas eu tenho a
obrigação de criar espaço para as pessoas novas entrarem.Os mais jovens precisam
de ser promovidos, é sua prerrogativa, seu direito e temos a certeza de que é
possível.
Como primeiro PCA
não-angolano, na história da TAAG, enfrentou resistência por esse facto? Ou
terá sido pelas reformas que aplicou? Esta não é a primeira vez que assumo um cargo, como estrangeiro. Estive em
Omã, no Sri Lanka e fiz parte da equipa que fundou a Emirates. Logo, isso não é
novo para mim e não o é para a maioria da minha equipa também. Em termos de
TAAG, isso foi completamente novo. O pessoal ficou realmente um pouco
preocupado que isso tenha ocorrido. Tive conversas com ministros e vários
funcionários do Governo. É muito mais fácil para um estrangeiro chegar a uma
empresa aérea, como a TAAG, e implementar políticas que realmente têm efeitos
benéficos sobre o negócio. Elas podem até perturbar as pessoas em Angola, mas a
pessoa encarregada de as realizar, no caso eu, não tem qualquer pressão que não
seja a pressão de ser o CEO da empresa.
Deve depreender-se que a
TAAG não avançaria com angolanos à frente? Pelas razões que referi, é mais fácil para mim
implementar a mudança, do que seria para um angolano. Porque o angolano seria
pressionado por todos os tipos de pessoas e interesses externos. Quanto a mim,
eu realmente tive a vida facilitada. Quando se coloca algum tipo de pressão de
alguém do Governo para fazer determinada coisa, respondo: eu tenho um mandato
do Presidente, que me diz que isso tem de acontecer como um negó- cio. Eu
simplesmente indico isso, quando alguém me desafia, inquirindo por que faço
isso ou aquilo. Quando lhes digo isso, eles recuam. E eu acho que isso é
benéfico. Se quem estivesse sentado na minha cadeira fosse um angolano, acho
que seria muito mais difícil para ele. Mesmo para mim, não é simples, mas eu
não tenho essa pressão. Por isso, acho que empresas como esta, quando se estão
a reorganizar, devem talvez trazer um estrangeiro por um período de tempo,
apenas para assentar as coisas, nivelar a empresa, colocá-la num melhor curso,
e depois devolvê-la a um angolano qualificado, para assumir o comando.
Recentemente, disse à imprensa que a TAAG conseguiu poupanças de 70 milhões de
dólares em um ano.
Que despesas teve de cortar? Os 70 milhões de dólares é o montante que
conseguimos economizar desde a nossa chegada. Na realidade, no total são 120
milhões de dólares, porque há ainda os 50 milhões de dólares que tivemos de
aprovisionar para as contas deste ano e do ano anterior.
Como fizeram isso? Tivemos de passar pente a tudo.
Analisámos os contratos e a forma como estes foram concebidos. Será que
precisamos de todos eles? Tínhamos contratos de consultoria em quase todas as
áreas da nossa actividade. E eu perguntava-me: se eu tenho um gestor aqui que
deve desempenhar a sua função, por que razão tenho um consultor sentado ao lado
dele a fazer o mesmo trabalho? Ou o gestor faz o trabalho ou o consultor! Não preciso de duas
pessoas para o mesmo trabalho.
Era assim em toda a empresa. Por isso, tivemos
uma grande racionalização em ambas as áreas. Ou dispensámos o consultor, o que
foi invariavelmente o caso, ou dissemos ao gestor: se não é capaz de fazer,
sinto muito, vamos ficar com o consultor até ao momento em que podermos colocar
o nosso próprio funcionário e aí o consultor sair. Por conta disso, nesse
momento, temos muito poucos consultores. Na verdade, a empresa gastava muito
dinheiro com consultores, estamos a falar em milhões de dólares. Esse processo
começou no topo e estendeu-se a todas as áreas: operações, finanças,
tecnologias de informação, etc. Não conseguia acreditar na quantidade de consultores
que trabalhavam para esta empresa. Essa foi a primeira coisa.
Houve mais? Sim, os contratos com os fornecedores. Tínhamos
todo o tipo de fornecedores, poucos bons, alguns não tão-bons e outros ainda
inacreditáveis (risos..). Uso essa palavra “inacreditável” e deixo-o pensar o
que pensar. Reavaliámos todos esses fornecedores, renegociámos tudo, até mesmo
os bons. Novamente, houve milhões que foram poupados. A TAAG é relativamente uma pequena
companhia aérea, mas há muitos anos que comprava coisas de que realmente não
precisava. Temos grandes excedentes de equipamentos em todas as áreas. Estamos
a tentar dispor de excessos, onde podemos, pelo menos as coisas de que não
precisamos. Alguns desses módulos temos de viver com eles, outros tentamos eliminar.
Não é uma tarefa fácil, mas estamos a tentar remover todos os processos
duplicados e os processos excedentes que existiam. No fundo, analisámos os
processos e emagrecemo-los. Assim, a gestão, de certa forma, ficou muito mais
simplificada.
Hoje, o pessoal vê o que é, enquanto, antes, tínhamos tantos
processos na empresa, que era difícil saber o que era válido e o que não era. A
redução dos processos permitiu-nos também encontrar maneiras de fazer com que
muitas pessoas executassem diferentes tarefas muito melhor do que eram capazes
antes. Deixou de fazer sentido, por isso, a quantidade de consultores que
forneciam informações que não eram usadas. Foi-me dito, entretanto, que
eliminar alguns desses contratos não seria fácil.
Por que razão lhe disseram isso? Porque havia muitas empresas locais,
agentes locais, todo o tipo de pessoas envolvido por trás desses processos,
desses contratos. Eu respondia ‘ok’, mas o meu mandato é para cortar custos,
sempre que for possível e é o que venho fazendo. E isso foi apenas uma vez, em
todos esses processos, que me foi dito que havia processos intocáveis. A
realidade é que as pessoas que me disseram que se oporiam, não se opuseram. E,
no fim de contas, fomos capazes de sanear muita coisa, o que produziu enormes
poupanças.
Voltando à questão dos
recursos humanos. Admite a possibilidade de baixar salários? Não necessariamente. Apenas racionalizar o
trabalho, olhando para a taxa de trabalho no mercado actual. Muitas empresas
estão a fazer isso agora. Quando não se está a ganhar tanto dinheiro quanto
antes, tem de se certificar que a força de trabalho seja acessível. Se não for
acessível, então tem de se fazer algo. Podemos ter de encontrar um mecanismo de
oferecer um esquema de afastamento voluntário. Dessa forma, podemos ter de
oferecer às pessoas um pacote de pagamento que vai encorajá- -lo a pensar se
quer ficar ou partir. Quem partisse seria devidamente compensado. Esta empresa
já fez isso antes, certas posições foram eliminadas, mas depois foram
recrutadas novamente. Não é muito inteligente fazer isso.
Sobre as rotas da TAAG,
fala-se em algumas não rentáveis. Considera fazer cortes? Há certas rotas que não têm sido rentáveis
quanto gostaríamos que fossem. O voo para Cabo verde, por exemplo, leva 5,5
horas no meio do oceano Atlântico. É uma rota muito cara, pois custa-nos 2,5
milhões de dólares por ano, para transportar apenas, em média, 20 pessoas por
voo. O 737 faz ida-e-volta com a carga toda. Falando claramente, não podemos
dar-nos a esse luxo. Então, Cabo Verde vai sair da programação.
Claro, que se o
Governo nos disser: “queremos que mantenha o voo e estamos preparados para
subsidiá-lo”, nós aceitaremos. Se o governo de Cabo Verde disser: “vamos
dar-vos concessões, reduzir as taxas de aterragem, o custo do combustível, etc,
etc, se chegarmos a algum tipo de assistência, vamos continuar a rota como um
serviço público. Mas, até lá, as pessoas que me desculpem, a empresa tem de
ganhar dinheiro.
E voos domésticos são
rentáveis? Não sei. Têm o
seu custo, digamos assim. Estamos a operar uma abrangente rede de voos
domésticos, melhoramos um pouco nos horários. Alguns desses voos têm ligação
com as rotas que deixam Luanda para outros destinos, como Lisboa. Lisboa é
muito popular na nossa rede, por isso é útil que alguns desses voos conectem,
para que possam fornecer mais ligações a Lisboa e Porto e vice-versa.
Realmente, tivemos de analisar a programação nacional e internacional e é
curioso notar que, se olharmos para as rotas internacionais, o que acontecia
era que os voos são Angola para outros lugares, e de outros lugares para
Angola. Não é esse o potencial de Luanda. Luanda é um ponto importante e
estratégico para os serviços aéreos ao sul do Sahara e precisamos aproveitar
isso. Por outras palavras, precisamos trazer os voos provenientes da América do
Sul, Europa, China, que liguem Luanda a outros pontos em África, de modo a que
pessoas viagem de uns destinos para outros e possam usar os nossos voos para
isso. Isso é algo que nunca foi feito antes.
Porquê? Primariamente, é preciso ter um visto
para transitar por Angola. Quando chegámos aqui, reunimo-nos com oficiais do
departamento de migrações, altos funcionários ministeriais e dissemos-lhes:
“olhem, Luanda é uma potencial placa giratória, não precisam pedir vistos a
quem entra em Angola”. E eles concordaram e estão a eliminar a maior parte dos
vistos de trânsito para as pessoas que apanham voos de ligação dentro de 24
horas, e os resultados do sucesso já são significativos. Embora o mercado
angolano não cresça de momento, estamos a conseguir trazer os clientes dos
mercados ao redor, o que aumenta a nossa carga dentro e para fora de Angola em
voos internacionais. Por exemplo, quando, em Março ou Abril, começámos a ligar
Joanesburgo e Cidade do Cabo, para os nossos voos para Lisboa e Porto, tínhamos
6,7 passageiros. Seis meses depois, estamos receber entre 80 e 90 passageiros
que vêm através daqueles destinos que conectam com o nosso voo para Lisboa e
Porto. Neste inverno, ligaremos para o nosso voo para o Brasil, Havana e talvez
Dubai. São essas coisas que irão aumentar o nosso negócio daqui para frente. E
isso permitiu-nos manter voos diários duplos para Portugal todo o tempo, mesmo
no Inverno, quando, no passado, teríamos de reduzir o número de frequências
nessa altura, por falta de demanda.
Onde vê a TAAG chegar sob o
seu comando? A Emirates
tem um contrato de gestão de 10 anos aqui. Eu, provavelmente, vou estar aqui
por mais dois anos, mais ou menos. Até agora, financeiramente esperamos, pelo
menos, atingir o ‘breakeven’ no momento em que sair. Isso é um grande passo,
porque esta empresa nunca o fez ao longo da sua história.
Em segundo lugar,
queremos construir a marca para que as pessoas olham para a TAAG como uma das
transportadora aéreas líderes em África. Esse é o objectivo. Se vamos ser
capazes de o alcançar, vamos ver... De qualquer forma, vou recebendo
declarações positivas de muitos dos nossos clientes regulares que estão a notar
diferenças. Os voos são muito mais pontuais do que eram no passado. O interior
da aeronave é muito mais limpo, muito melhor do que eram. O serviço de chão
começou a funcionar melhor. Não é o ideal, porque não estamos a operar num
aeroporto ideal. É um muito congestionado aeroporto, lotado. Mas tentamos
melhorar os processos que controlamos tanto quanto podemos. O que gostaria de
ver em três anos é as pessoas dizerem: “Há aí o voo da TAAG? eu vou com a
TAAG”, enquanto, no passado, era: “TAAG? que outra companhia também vai?” (Por
Cândido Mendes)
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