“
Cessar-fogo? É complicado! Só saio de Gorongosa depois de um acordo sério.
Estou convicto que vai sair um acordo, mas estou mais preocupado com a sua
implementação, porque os outros (Roma e 5 de Setembro) falharam”. Pronunciou-se
desta forma Afonso Dhlakama quando na tarde desta terça-feira falava em exclusivo
ao SAVANA sobre os últimos desenvolvimentos dos contactos que a Renamo mantém
com o Governo e a chegada dos mediadores/facilitadores, ou terceiras partes na
retórica governamental. Num tom bastante animado, indiciador de que tem
confiança de que desta vez sairá um “acordo sério e duradouro”, Afonso Dhlakama
argumentou, nos seguintes termos, quando o questionámos sobre a possibilidade
de decretar um cessar-fogo, juntamente com o Presidente Nyusi, para que as
negociações decorram num clima mais sereno: “Não é fácil cessar fogo. Muitos
falam de cessar fogo. Cessar fogo é muito bonito falado nos escritó- rios (...)
Isso é muito complicado, sobretudo, para o caso de Moçambique. É bom cessar
fogo depois de resolvermos os problemas que estão a provocar o conflito. Como
ainda não chegamos a um acordo, não nos reconciliámos, não nos entendemos,
significa que meses depois voltaríamos ao conflito militar e estaríamos a
decepcionar o povo de Moçambique”, fundamentou o líder da Renamo, que não é
visto em público desde 09 de Outubro de 2015, dia em que as forças
governamentais assaltaram e desarmaram a sua guarda pessoal na sua residência
na cidade da Beira. “Saio de Gorongosa quando as coisas estiverem bem”,
despediu- -se, convencido de que a chegada dos mediadores propostos pelos dois
lados e o reatar do “diálogo político sério” “trará uma estabilidade e
manutenção de uma paz efectiva em Moçambique”. De seguida, transcrevemos as
principais passagens da entrevista telefónica de 45 minutos em que o líder da
Renamo clarifica outras posições do seu partido. A governação das seis
províncias, onde a Renamo reivindica vitória nas eleições de 2014, ponto
principal da agenda na mesa das negociações, foi incontornável.
Os
mediadores chegaram esta semana a Maputo. Está satisfeito com o curso dos
acontecimentos?
Ainda não começaram as negociações propriamente ditas. O que
houve foi a criação das equipas da Renamo e Governo que negociaram a agenda.
Depois quando falei com o Presidente Nyusi, há um mês, decidimos alargar os
grupos para serem seis. A agenda foi aprovada. Estou satisfeito, porque o
Governo aceitou a mediação internacional, que é o que vínhamos exigindo,
nomeadamente, a União Europeia, a Igreja Católica e a África do Sul. Estou
ainda mais satisfeito, porque parece que pressionámos e o próprio Governo
acabou por propor também a mediação internacional. Duas organizações (Global
Leadership Foundation e Fundação Faith) e o antigo presidente da Tanzânia,
Jakaya Kikwete.
O facto de o Governo ter apenas agora indicado
os “seus” mediadores, depois de durante muito tempo ter recusado a mediação
internacional, não vai atrasar as negociações?
Sabe que o Governo não queria
saber de mediação. Lembra que começamos a falar de mediação em Outubro do ano
passado e eles não queriam saber. Mas pronto, como houve pressão, confrontos
militares, houve tentativas por parte do Governo fazendo várias ofensivas aqui
na Serra da Gorongosa para pressionar, para ver se o Dhlakama podia aceitar o
diálogo sem que haja mediação internacional. Resistimos. Nós é que saímos a
ganhar. O povo saiu a ganhar, porque a mediação é importante. Agora, quanto à
sua pergunta se de facto isto não vai atrasar, fica atrasado sim, porque se
calhar se o Governo tivesse aceitado a mediação em Outubro do ano passado,
talvez já teríamos chegado a um acordo há muito tempo. Mas em política não há
quase nada atrasado, vamos ver o que vai acontecer, porque já chegaram os
mediadores e, brevemente, irá iniciar um diálogo sério.
Tem
confiança nos mediadores propostos pelo Governo?
É muito difícil falar de
confiança, porque o mediador não vem decidir, não vem impor, dar ordens. Vem
aproximar posições. Ajudar. O mediador não impõe posições. Pode até ter uma
inclinação ideológica ou política a favor de um lado. Mas é muito difícil na
mesa das negociações o mediador manifestar uma posição favorável a um lado.
Respondendo directamente a sua pergunta, acredito que, tanto os mediadores que
a Renamo propôs, como os que o Governo apresentou, estão interessados com a paz
em Moçambique. São europeus e africanos e ambos têm interesses em Moçambique.
Querem estabilidade no país. Acredito que eles vão desempenhar um papel muito
importante. A minha preocupação não é de mediadores. É o pós- -acordo. Como
implementar. Assinei um acordo com o Presidente Chissano em Roma. Assinei outro
a 5 de Setembro de 2014 com o Presidente Guebuza. Ambos os acordos não foram
implementados. Será que o acordo que vou assinar com Nyusi é que será
implementado? É aí que reside a minha dúvida. Os mediadores vão ajudar no
geral.
Tem falado
nos últimos dias com o Presidente da República, Filipe Nyusi?
Não, não. Foi há
um mês a pedido dele que conversámos dois dias consecutivos. Foi nessa conversa
que se anunciou que se aceitaria a mediação internacional e as coisas começaram
a andar num outro ritmo. De lá a esta parte não voltamos a falar.
Está
disposto a fazer uma declaração pública unilateral de cessar- -fogo?
Gostaria
que o presidente Nyusi tivesse um posicionamento idêntico? Não é fácil cessar
fogo. Muitos falam de cessar fogo. Cessar fogo é muito bonito falado nos
escritórios. Mas é muito difícil para quem está no mato a disparar, num
confronto militar. Cessar-fogo para mim, com bastante experiência de guerra em
Moçambique, desde 1977, estou a lutar a favor da democracia para este povo de
Moçambique, não é fácil. Cessar-fogo é bonito falar numa sala climatizada, mas
é muito complicado, sobretudo, para o caso de Moçambique. É bom cessar fogo
depois de resolvermos os problemas que estão a provocar o conflito. Se nós
cessarmos fogo, significa que a guerra já terminou. Mas como ainda não chegamos
a um acordo, não nos reconciliámos, não nos entendemos, significa que meses
depois voltaríamos ao conflito e estaríamos a decepcionar o povo de Moçambique.
E é por isso, que, com base na minha experi-ência, não estou interessado num
cessar-fogo, antes de terminarmos com o problema. Vamos negociar o cessar-fogo.
Significa que negociar cessar-fogo já terminamos com os problemas que nos levam
a um conflito militar. Cessar fogo é um sinal da vitória de um e do outro lado.
É um sinal para o povo que a guerra terminou.
Continuam os
bombardeamentos na Serra da Gorongosa?
Abrandaram há uns dez dias.
Esporadicamente, lançam B11 e intimidam a população.
Este abrandar não pode ser lido como um sinal
da outra parte de que está disposta a cessar com as hostilidades imediatamente?
Não é isso. É que eles levaram muita porrada. Estão cá generais e tropas vindas
de Maputo. Andam aqui secretamente. Se estivessem a ganhar terreno estariam a
chamar jornalistas para filmarem tudo. A aceitação da mediação internacional
foi por pressão no terreno. Garanto que se a Renamo estivesse a perder no
terreno, eles não haviam de aceitar nada. Um regime da esquerda, como a
Frelimo, não aceita quando estiver em vantagem em confronto militar. Quando
come- ça a aceitar as exigências de quem está no terreno é que já viram que não
há outra saída. O abrandar não tem nada a ver com as negociações. É que as
coisas não estão bem no seio das forças armadas governamentais.
É razoável a Renamo manter a exigência da governação nas seis
províncias, quando estamos a meio dos mandatos dos poderes instalados em 2015?
Não
interessa, mesmo que faltasse um ano para chegarmos em 2019. O que nós queremos
é começar a governar com base nos resultados de 2014. Assim como a Frelimo está
a governar, vamos governar legitimamente porque ganhamos essas seis províncias.
Não interessa se estamos atrasados. É claro que se registou um atraso, porque
se tivéssemos negociado e legislado em 2015, teríamos começado juntos a
governar. Mesmo com dois anos de atraso, nós pretendemos começar a governar
agora as seis províncias. Não podemos esperar 2019, que é o ano das outras
eleições. Seria perigoso, depois do povo ter votado na Renamo, esperar cinco
anos a suportar a governação dos governadores da Frelimo com outra ideologia,
quando eles votaram na Renamo. Não é exigir por exigir. É dar a um povo aquilo
que eles decidiram nas urnas. Um dos pontos mais importantes nas negociações é
a governação das seis províncias.
Mas como isso vai se processar?
Não há
problema nenhum. É fazer um anteprojeto e fazer uma revisão pontual na
Constituição para que haja transferência dos poderes dos governadores da
Frelimo para os governadores indicados pela Renamo. O poder administrativo e
político. A população dessas províncias tem de ver as suas vidas melhoradas.
Tem de sentir porque votaram na Renamo. Eles querem ser governados por quem
votaram.
Não seria
viável que a exigência da Renamo de descentralização das províncias tivesse
como horizonte as eleições de 2019?
Seria descabido a Renamo esperar 2019.
Estaríamos a dar mais uma chance a Frelimo para preparar mais um golpe para nos
deixar com cinco deputados na Assembleia da República e mostrar que a Renamo já
acabou. A Frelimo havia de roubar, aliás, não é roubar é levar. Guebuza, depois
das eleições de 2014, disse mesmo de boca cheia que arrancamos o poder à
oposição. A Frelimo não rouba votos. Leva a vontade, através das fademos
(FADM), a polícia e o Conselho Constitucional. Essas coisas todas têm de
terminar. Esses poderes todos têm de acabar. Esse diálogo, que reinicia, é um
diálogo que tem de pôr fim a todas as brincadeiras da Frelimo, para permitir um
melhor desenvolvimento e possibilitar que o povo vote em líderes capazes de
governar Mo- çambique e que a prova dos nove seja tirada nas urnas e não no
enchimento, falsificação de editais. Não pode ser o Comité Central da Frelimo a
dar ordens ao Conselho Constitucional. Quero dizer que continuaremos a fincar
pé que um dos assuntos mais importantes é a governação da Renamo. Por bem ou
por mal, a Renamo vai governar as seis províncias. É melhor que governe por
bem, do que governar por mal, porque a Frelimo pode perder tudo.
Sente que
estas negociações são a sua última cartada? É a última oportunidade de Afonso
Dhlakama conseguir concessões substantivas?
Em política
não há últimas cartadas. Veja que eu comecei a dirigir a Renamo aos 22 anos.
Hoje tenho 62. Portanto, isto não é fácil. Não é dizer que o limite são essas
negociações e não pode haver problemas. Nós pensamos que estas são uma das
soluções viáveis para que o conflito entre a Renamo e a Frelimo termine. O Povo
está cansado de escutar armas. Não ajuda em nada. O Nyusi não tem filhos que
manda para a guerra. Jovens de 20 anos são enviados para Gorongosa. Dizem que é
para capturar o Dhlakama. Eles é que morrem nas matas. Centenas e centenas. E a
Frelimo nem arranja caixões para eles. Nem informa os pais. Isto para mim, como
pai, dói muito e é por isso que estas negociações, para além de resolver a
governação da Renamo, são as negociações que devem dar garantias ao povo mo-
çambicano para de uma vez para sempre descansar a guerra. Queremos também
passear, ir à praia sem ouvirmos estrondos e nem sermos emboscados. Não
nascemos para estar sempre no mato, só porque um partido quer governar através
da fraude. Por isso, exigimos a mediação internacional para vir testemunhar
quem quer o conflito e quem quer a paz neste país.
Nas suas
contas quando é que deseja sair da Gorongosa? Quando tudo sair bem (risos)
Que
garantias exige para sair?
Tudo vai depender das negociações. Também garantias
de segurança. Você não pode esquecer que escapei à morte duas vezes. É
diferente de ir atacar a base de Dhlakama na Gorongosa. Mas atacar-me eu a
andar, disparar para o meu carro em Chibata no dia 12 de Setembro e Zimpinga no
dia 25 de Setembro, é horrível. Nunca vi isto, mesmo em países ditadores,
aqueles que foram mais cruéis. Aquilo que o Nyusi fez com o regime dele é
condenável. Mas não guardo rancor. Acredita que quem o quer matar é o
Presidente Nyusi ou é um grupo de radicais dentro da Frelimo que agem à revelia
do comandante em chefe? Eu penso que é ele mesmo (Presidente Nyusi). Porque se
não fosse ele, iria mandar prender todos os comandantes que dirigiram a
operação. Aquele grupo saiu de Maputo com a missão de ir matar Dhlakama. Ele é
que é o comandante em chefe. Nem tentou, pelo menos, lamentar a situação em pú-
blico. Pelo menos nos enganar. Ficou calado até hoje. O discurso de grupos
radicais não funciona. Todos os partidos têm radicais, mas a responsabilidade é
do comandante. Porquê não mandou prender quem tentou mandar o Dhlakama? Ou pelo
menos dizer que lamenta a tentativa de matar o meu irmão Dhlakama. Ficou
caladinho. Até agora está a mandar comandantes para Gorongosa. Ainda acredita
que pode capturar ou matar o Dhlakama. É ele o responsável.
Então
acredita mesmo que há um plano para o assassinar para ne gociar com uma Renamo
fragilizada.. Sim, senhor. Eles querem me assassinar.
Alguns
sectores defendem que o encontro Nyusi-Dhlakama, o mais rápido possível, pode
ajudar a desanuviar este ambiente político em que vivemos. Tem o mesmo
entendimento?
Olha, quero
chamar a atenção aos intelectuais, académicos, jornalistas e analistas, que
acreditam que o encontro Nyusi vs Dhlakama pode resolver tudo. Não resolve. Eu
já me encontrei com Chissano várias vezes e até parecíamos amigos. Assinou o
acordo comigo. Foi o Chissano que começou com o roubo de votos em 94 e 99, mas
eu me encontrava com ele. Como é que as pessoas podem acreditar que um Nyusi,
ainda jovem, encontrando- -se com Dhlakama está tudo resolvido. Essas pessoas
estão erradas. É preciso negociações sérias, com instrumentos próprios para
supervisionar os entendimentos. Temos de criar uma Comissão Nacional, não só
entre a Frelimo e a Renamo, mas também jornalistas, advogados e outros sectores
importantes da sociedade. Temos de acabar com isto. Não se pode ficar
eternamente num país em que a Frelimo e a Renamo não consigam se entender.
A sociedade
civil também está interessada em fazer parte do diálogo. Está disposto a abrir
espaço?
Podemos ver. Mas também temos de falar daquilo que vai acontecer depois
do acordo. Tenho certeza que haverá acordo. Mas a minha preocupação é o que vai
acontecer depois do acordo. Esse acordo será implementado? Teremos de criar um
instrumento, que envolveria a sociedade civil, para supervisionar o acordo, o
que faltou em Roma. Isto é importante para a manutenção da paz e democracia em
Mo- çambique.
0 comments:
Enviar um comentário