sábado, julho 23, 2016

“A sociedade civil, pode supervisionar o cumprimento do Acordo”

“ Cessar-fogo? É complicado! Só saio de Gorongosa depois de um acordo sério. Estou convicto que vai sair um acordo, mas estou mais preocupado com a sua implementação, porque os outros (Roma e 5 de Setembro) falharam”. Pronunciou-se desta forma Afonso Dhlakama quando na tarde desta terça-feira falava em exclusivo ao SAVANA sobre os últimos desenvolvimentos dos contactos que a Renamo mantém com o Governo e a chegada dos mediadores/facilitadores, ou terceiras partes na retórica governamental. Num tom bastante animado, indiciador de que tem confiança de que desta vez sairá um “acordo sério e duradouro”, Afonso Dhlakama argumentou, nos seguintes termos, quando o questionámos sobre a possibilidade de decretar um cessar-fogo, juntamente com o Presidente Nyusi, para que as negociações decorram num clima mais sereno: “Não é fácil cessar fogo. Muitos falam de cessar fogo. Cessar fogo é muito bonito falado nos escritó- rios (...) Isso é muito complicado, sobretudo, para o caso de Moçambique. É bom cessar fogo depois de resolvermos os problemas que estão a provocar o conflito. Como ainda não chegamos a um acordo, não nos reconciliámos, não nos entendemos, significa que meses depois voltaríamos ao conflito militar e estaríamos a decepcionar o povo de Moçambique”, fundamentou o líder da Renamo, que não é visto em público desde 09 de Outubro de 2015, dia em que as forças governamentais assaltaram e desarmaram a sua guarda pessoal na sua residência na cidade da Beira. “Saio de Gorongosa quando as coisas estiverem bem”, despediu- -se, convencido de que a chegada dos mediadores propostos pelos dois lados e o reatar do “diálogo político sério” “trará uma estabilidade e manutenção de uma paz efectiva em Moçambique”. De seguida, transcrevemos as principais passagens da entrevista telefónica de 45 minutos em que o líder da Renamo clarifica outras posições do seu partido. A governação das seis províncias, onde a Renamo reivindica vitória nas eleições de 2014, ponto principal da agenda na mesa das negociações, foi incontornável.

Os mediadores chegaram esta semana a Maputo. Está satisfeito com o curso dos acontecimentos? 
Resultado de imagem para dhlakamaAinda não começaram as negociações propriamente ditas. O que houve foi a criação das equipas da Renamo e Governo que negociaram a agenda. Depois quando falei com o Presidente Nyusi, há um mês, decidimos alargar os grupos para serem seis. A agenda foi aprovada. Estou satisfeito, porque o Governo aceitou a mediação internacional, que é o que vínhamos exigindo, nomeadamente, a União Europeia, a Igreja Católica e a África do Sul. Estou ainda mais satisfeito, porque parece que pressionámos e o próprio Governo acabou por propor também a mediação internacional. Duas organizações (Global Leadership Foundation e Fundação Faith) e o antigo presidente da Tanzânia, Jakaya Kikwete.

O facto de o Governo ter apenas agora indicado os “seus” mediadores, depois de durante muito tempo ter recusado a mediação internacional, não vai atrasar as negociações?
Sabe que o Governo não queria saber de mediação. Lembra que começamos a falar de mediação em Outubro do ano passado e eles não queriam saber. Mas pronto, como houve pressão, confrontos militares, houve tentativas por parte do Governo fazendo várias ofensivas aqui na Serra da Gorongosa para pressionar, para ver se o Dhlakama podia aceitar o diálogo sem que haja mediação internacional. Resistimos. Nós é que saímos a ganhar. O povo saiu a ganhar, porque a mediação é importante. Agora, quanto à sua pergunta se de facto isto não vai atrasar, fica atrasado sim, porque se calhar se o Governo tivesse aceitado a mediação em Outubro do ano passado, talvez já teríamos chegado a um acordo há muito tempo. Mas em política não há quase nada atrasado, vamos ver o que vai acontecer, porque já chegaram os mediadores e, brevemente, irá iniciar um diálogo sério.

Tem confiança nos mediadores propostos pelo Governo? 
É muito difícil falar de confiança, porque o mediador não vem decidir, não vem impor, dar ordens. Vem aproximar posições. Ajudar. O mediador não impõe posições. Pode até ter uma inclinação ideológica ou política a favor de um lado. Mas é muito difícil na mesa das negociações o mediador manifestar uma posição favorável a um lado. Respondendo directamente a sua pergunta, acredito que, tanto os mediadores que a Renamo propôs, como os que o Governo apresentou, estão interessados com a paz em Moçambique. São europeus e africanos e ambos têm interesses em Moçambique. Querem estabilidade no país. Acredito que eles vão desempenhar um papel muito importante. A minha preocupação não é de mediadores. É o pós- -acordo. Como implementar. Assinei um acordo com o Presidente Chissano em Roma. Assinei outro a 5 de Setembro de 2014 com o Presidente Guebuza. Ambos os acordos não foram implementados. Será que o acordo que vou assinar com Nyusi é que será implementado? É aí que reside a minha dúvida. Os mediadores vão ajudar no geral.

Tem falado nos últimos dias com o Presidente da República, Filipe Nyusi? 
Não, não. Foi há um mês a pedido dele que conversámos dois dias consecutivos. Foi nessa conversa que se anunciou que se aceitaria a mediação internacional e as coisas começaram a andar num outro ritmo. De lá a esta parte não voltamos a falar.

Está disposto a fazer uma declaração pública unilateral de cessar- -fogo?
Resultado de imagem para dhlakamaGostaria que o presidente Nyusi tivesse um posicionamento idêntico? Não é fácil cessar fogo. Muitos falam de cessar fogo. Cessar fogo é muito bonito falado nos escritórios. Mas é muito difícil para quem está no mato a disparar, num confronto militar. Cessar-fogo para mim, com bastante experiência de guerra em Moçambique, desde 1977, estou a lutar a favor da democracia para este povo de Moçambique, não é fácil. Cessar-fogo é bonito falar numa sala climatizada, mas é muito complicado, sobretudo, para o caso de Moçambique. É bom cessar fogo depois de resolvermos os problemas que estão a provocar o conflito. Se nós cessarmos fogo, significa que a guerra já terminou. Mas como ainda não chegamos a um acordo, não nos reconciliámos, não nos entendemos, significa que meses depois voltaríamos ao conflito e estaríamos a decepcionar o povo de Moçambique. E é por isso, que, com base na minha experi-ência, não estou interessado num cessar-fogo, antes de terminarmos com o problema. Vamos negociar o cessar-fogo. Significa que negociar cessar-fogo já terminamos com os problemas que nos levam a um conflito militar. Cessar fogo é um sinal da vitória de um e do outro lado. É um sinal para o povo que a guerra terminou.

Continuam os bombardeamentos na Serra da Gorongosa? 
Abrandaram há uns dez dias. Esporadicamente, lançam B11 e intimidam a população.

 Este abrandar não pode ser lido como um sinal da outra parte de que está disposta a cessar com as hostilidades imediatamente?
Não é isso. É que eles levaram muita porrada. Estão cá generais e tropas vindas de Maputo. Andam aqui secretamente. Se estivessem a ganhar terreno estariam a chamar jornalistas para filmarem tudo. A aceitação da mediação internacional foi por pressão no terreno. Garanto que se a Renamo estivesse a perder no terreno, eles não haviam de aceitar nada. Um regime da esquerda, como a Frelimo, não aceita quando estiver em vantagem em confronto militar. Quando come- ça a aceitar as exigências de quem está no terreno é que já viram que não há outra saída. O abrandar não tem nada a ver com as negociações. É que as coisas não estão bem no seio das forças armadas governamentais.

É razoável a Renamo manter a exigência da governação nas seis províncias, quando estamos a meio dos mandatos dos poderes instalados em 2015?
Não interessa, mesmo que faltasse um ano para chegarmos em 2019. O que nós queremos é começar a governar com base nos resultados de 2014. Assim como a Frelimo está a governar, vamos governar legitimamente porque ganhamos essas seis províncias. Não interessa se estamos atrasados. É claro que se registou um atraso, porque se tivéssemos negociado e legislado em 2015, teríamos começado juntos a governar. Mesmo com dois anos de atraso, nós pretendemos começar a governar agora as seis províncias. Não podemos esperar 2019, que é o ano das outras eleições. Seria perigoso, depois do povo ter votado na Renamo, esperar cinco anos a suportar a governação dos governadores da Frelimo com outra ideologia, quando eles votaram na Renamo. Não é exigir por exigir. É dar a um povo aquilo que eles decidiram nas urnas. Um dos pontos mais importantes nas negociações é a governação das seis províncias.

Mas como isso vai se processar?
Não há problema nenhum. É fazer um anteprojeto e fazer uma revisão pontual na Constituição para que haja transferência dos poderes dos governadores da Frelimo para os governadores indicados pela Renamo. O poder administrativo e político. A população dessas províncias tem de ver as suas vidas melhoradas. Tem de sentir porque votaram na Renamo. Eles querem ser governados por quem votaram.

Não seria viável que a exigência da Renamo de descentralização das províncias tivesse como horizonte as eleições de 2019?
Seria descabido a Renamo esperar 2019. Estaríamos a dar mais uma chance a Frelimo para preparar mais um golpe para nos deixar com cinco deputados na Assembleia da República e mostrar que a Renamo já acabou. A Frelimo havia de roubar, aliás, não é roubar é levar. Guebuza, depois das eleições de 2014, disse mesmo de boca cheia que arrancamos o poder à oposição. A Frelimo não rouba votos. Leva a vontade, através das fademos (FADM), a polícia e o Conselho Constitucional. Essas coisas todas têm de terminar. Esses poderes todos têm de acabar. Esse diálogo, que reinicia, é um diálogo que tem de pôr fim a todas as brincadeiras da Frelimo, para permitir um melhor desenvolvimento e possibilitar que o povo vote em líderes capazes de governar Mo- çambique e que a prova dos nove seja tirada nas urnas e não no enchimento, falsificação de editais. Não pode ser o Comité Central da Frelimo a dar ordens ao Conselho Constitucional. Quero dizer que continuaremos a fincar pé que um dos assuntos mais importantes é a governação da Renamo. Por bem ou por mal, a Renamo vai governar as seis províncias. É melhor que governe por bem, do que governar por mal, porque a Frelimo pode perder tudo.

Sente que estas negociações são a sua última cartada? É a última oportunidade de Afonso Dhlakama conseguir concessões substantivas?
Resultado de imagem para dhlakamaEm política não há últimas cartadas. Veja que eu comecei a dirigir a Renamo aos 22 anos. Hoje tenho 62. Portanto, isto não é fácil. Não é dizer que o limite são essas negociações e não pode haver problemas. Nós pensamos que estas são uma das soluções viáveis para que o conflito entre a Renamo e a Frelimo termine. O Povo está cansado de escutar armas. Não ajuda em nada. O Nyusi não tem filhos que manda para a guerra. Jovens de 20 anos são enviados para Gorongosa. Dizem que é para capturar o Dhlakama. Eles é que morrem nas matas. Centenas e centenas. E a Frelimo nem arranja caixões para eles. Nem informa os pais. Isto para mim, como pai, dói muito e é por isso que estas negociações, para além de resolver a governação da Renamo, são as negociações que devem dar garantias ao povo mo- çambicano para de uma vez para sempre descansar a guerra. Queremos também passear, ir à praia sem ouvirmos estrondos e nem sermos emboscados. Não nascemos para estar sempre no mato, só porque um partido quer governar através da fraude. Por isso, exigimos a mediação internacional para vir testemunhar quem quer o conflito e quem quer a paz neste país.

Nas suas contas quando é que deseja sair da Gorongosa? Quando tudo sair bem (risos)

Que garantias exige para sair? 
Tudo vai depender das negociações. Também garantias de segurança. Você não pode esquecer que escapei à morte duas vezes. É diferente de ir atacar a base de Dhlakama na Gorongosa. Mas atacar-me eu a andar, disparar para o meu carro em Chibata no dia 12 de Setembro e Zimpinga no dia 25 de Setembro, é horrível. Nunca vi isto, mesmo em países ditadores, aqueles que foram mais cruéis. Aquilo que o Nyusi fez com o regime dele é condenável. Mas não guardo rancor. Acredita que quem o quer matar é o Presidente Nyusi ou é um grupo de radicais dentro da Frelimo que agem à revelia do comandante em chefe? Eu penso que é ele mesmo (Presidente Nyusi). Porque se não fosse ele, iria mandar prender todos os comandantes que dirigiram a operação. Aquele grupo saiu de Maputo com a missão de ir matar Dhlakama. Ele é que é o comandante em chefe. Nem tentou, pelo menos, lamentar a situação em pú- blico. Pelo menos nos enganar. Ficou calado até hoje. O discurso de grupos radicais não funciona. Todos os partidos têm radicais, mas a responsabilidade é do comandante. Porquê não mandou prender quem tentou mandar o Dhlakama? Ou pelo menos dizer que lamenta a tentativa de matar o meu irmão Dhlakama. Ficou caladinho. Até agora está a mandar comandantes para Gorongosa. Ainda acredita que pode capturar ou matar o Dhlakama. É ele o responsável.

Então acredita mesmo que há um plano para o assassinar para ne gociar com uma Renamo fragilizada.. Sim, senhor. Eles querem me assassinar.

Alguns sectores defendem que o encontro Nyusi-Dhlakama, o mais rápido possível, pode ajudar a desanuviar este ambiente político em que vivemos. Tem o mesmo entendimento?
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Olha, quero chamar a atenção aos intelectuais, académicos, jornalistas e analistas, que acreditam que o encontro Nyusi vs Dhlakama pode resolver tudo. Não resolve. Eu já me encontrei com Chissano várias vezes e até parecíamos amigos. Assinou o acordo comigo. Foi o Chissano que começou com o roubo de votos em 94 e 99, mas eu me encontrava com ele. Como é que as pessoas podem acreditar que um Nyusi, ainda jovem, encontrando- -se com Dhlakama está tudo resolvido. Essas pessoas estão erradas. É preciso negociações sérias, com instrumentos próprios para supervisionar os entendimentos. Temos de criar uma Comissão Nacional, não só entre a Frelimo e a Renamo, mas também jornalistas, advogados e outros sectores importantes da sociedade. Temos de acabar com isto. Não se pode ficar eternamente num país em que a Frelimo e a Renamo não consigam se entender.

A sociedade civil também está interessada em fazer parte do diálogo. Está disposto a abrir espaço? 
Podemos ver. Mas também temos de falar daquilo que vai acontecer depois do acordo. Tenho certeza que haverá acordo. Mas a minha preocupação é o que vai acontecer depois do acordo. Esse acordo será implementado? Teremos de criar um instrumento, que envolveria a sociedade civil, para supervisionar o acordo, o que faltou em Roma. Isto é importante para a manutenção da paz e democracia em Mo- çambique.


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